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domingo, 15 de junho de 2014

Tarde Demais Para Dizer Que te Amo

 

Agora era um homem livre, livre para seguir para os teus bracos, abracar-te e dizer o quanto te amava e o quanto tinha errado a 30 anos atras quando troquei o nosso amor por tudo o resto. Era tudo o que eu mais queria era voltar atras e reparar os erros nao apenas da minha juventude mas tambem dominar os limites da minha ambicao, nao me era possivel fazer tal mas agora eu era livre nada me impedia de te procurar, tinha que te dizer que te amo, pedir o teu perdao, sabia que nao eras orgulhosa e nem guardavas rangor mas mesmo assim nao ia ser facil mas estava disposto a lutar por isso e por ti.

Eramos jovens filhos de familias importantes, das mais importantes e respeitaveis da terra o nosso ciclo de amigo era pequeno como normal numa vila nao muito grande do interior ribatejano. Eu acabava de regressar tinha terminado os meus estudos na universidade e o futuro nao me era risonho nao estava facil para alguem acabado de se formar em Historia com licenciatura em Historia de Arte arranjar trabalho ainda mais ali por aquelas bandas.

Eras irma do meu melhor amigo, ou melhor nunca me afastei do Ricardo para poder estar mais perto de ti, poder estar em casa dos vossos pais sempre a jogar playstation com o Ricardo e com os meus olhos a brilharem de alegria quase vibrando quando olhava para ti, quando chegavas eras o sol da minha alma, o novo dia que fazia acordar a minha felicidade adormecida.

Sophia apareceu por aquelas bandas tambem os pais tinham acabado de comprar uma quinta e dedicavam-se agora a producao dos vinhos da regiao e criacao de cavalos lusitaos embora toda a vida estivessem envolvidos nos negocios de venda de pecas de arte, tinham galerias espalhadas pelos quatro cantos do mundo. Logo ela entrou no nosso grupo de amigos afinal todos os jovens da terra faziam parte do mesmo nao tendo em conta o estatuto social de cada um.

Sophia era filha de ingleses e de uma familia nobre estava habituada a ter tudo o que desejava e nao olhava a meios para atingir os seus fins era o puro exemplo de uma menina mimada que nao sabia perder nada quando queria algo estava mesmo disposto a tudo. Ela cismou comigo sorte minha ou talvez, azar. Aos poucos fomo-nos afastando eu sabia la o que era o amor, o que era estar casado com uma mulher como a Sophia Duke Spencer so sabia que ela era filha de um dos maiores empresarios mundiais no ramo da venda de pecas de arte, era a minha grande oportunidade, talvez a unica. So me via mesmo a gerir a rede de galerias de arte, antiquarios que aquela familia tinha. A ambicao falou mais alto que o amor e fui-me embora atras da mesma oportunidade unica  o amor, a paixao tudo ficou para tras.

Trinta anos se passaram tornei-me um homem casado, frio e embora fosse casado sempre me senti solitario, corri o mundo num so dia acordei em Nova Iorque, almocei em Paris e fui dormir a Toquio nao me podia queixar era eu que tinha procurado tudo aquilo, nao tive filhos Sophia era esteril e um filho era algo que ela nao podia comprar nem com todo o dinheiro do mundo.

Estava em Paris ia ter uma reuniao com os directores do Museu do Louvre nossos clientes habituais de compras eles queriam comprar uma serie de pecas de arte nossas e tinhamos que discutir as condicoes, os precos e as datas das entregas, etc. Toca-me um dos telemoveis ainda de madrugada corri a atender porque aquele era o numero que so mesmo os amigos e pessoas de familia tinham cohecimento e acesso pelo que tinha mesmo que ser importante ou urgente e sobretudo do meu interesse, era de Nova Iorque aquele numero, so podia ser Sophia aquela hora. Nao era ela mas era uma das suas amigas mais chegadas escolhida para me dar a noticia da tragedia.

Sophia morrera naquele dia em Nova Iorque num acidente de automovel. Fiquei sem saber o que fazer e como reagir, a minha frieza nao me deixara chorar e o meu casamento a mais de cinco anos que era uma encenacao, fazia ja muito tempo que eu e Sophia mal nos viamos so nao falamos em divorcio porque eu nao tinha coragem nem forcas ou talvez ate razoes para tal aquele casamento dera-me tudo o que aquele jovem ambicioso queria dinheiro, fama, prestigio e poder mas faltara-me amor, felicidade e tantas outras coisas simples da vida que nao tivera porque tal como a saude o dinheiro nao conseguia comprar. Sophia nao me amava tambem eu havia sido apenas mais um capricho de pouco tempo e ela nunca tivera coragem de me propor o divorcio porque nao estava disposta a perder metade da fortuna. Ordenei a amiga dela que tratasse do funeral sem olhar a despesas eu iria tentar estar em Nova iorque o mais rapido possivel.

Cancelei a ida a um leilao de Arte em Roma, um leilao de Arte Sacra, Roma a capital do Catolicismo era a melhor cidade e tinha os melhores locais para se comprar Arte desse tipo. Nao me preocupei com mais nada sabia que iriaa perder talvez bons negocios mas bons negocios era o que mais tinha feito ao longo da vida a comecar pelo meu casamento. Era de facto filho de uma familia importante, mas importante apenas pelo nome porque quanto ao resto estavamos a beira da falencia. Eu salvei os negocios da minha familia com ajuda do dinheiro de Sophia mas tambem aumentei o patrimonio da familia dela sobretudo a conta dos bons negocios que tinha feito na vida.

Voando no carro em direccao ao aeroporto nao  para ir a Nova Iorque isso iria ter que esperar, eu, tu, o meu futuro, tu e eu fialmente juntos. A minha felicidade estaria primeiro dai para a frente iria ser assim. Comprei um bilhete para Lisboa e ainda no aeroporto atraves da internet aluguei um carro, eu ia entao trinta anos depois voltar ao Ribatejo, as minhas origens e raizes so para te ver, so para pedir o teu perdao e se me fosse possivel lutar pelo teu amor. Sempre soubera onde e como te encontrar mas nunca tivera coragem de o fazer, alias depois de me casar corri o mundo, estive vezes sem conta em Portugal mas nunca tivera coragem de voltar ao nosso Ribatejo.

Chego a porta da casa dos teus pais o carro de top gama um BMW dos ultimos modelos cedo chamou a atencao daquelas pessoas, nao deveria ser habitual um maquinao daqueles parar ali por aquelas zonas, as pessoas pareciam-me diferentes, talvez muitos ja tivessem mesmo morrido, a vila pareceu-me quase deserta, mesmo o cafe onde entrei com desculpa de comprar tabaco mas o que queria mesmo era ganhar coragem para ir ter contigo. Mesmo o cafe pareceu-me vazio e as poucas pessoas que encontrei eram caras estranhas envolvidas pelo silencio ou que somente conversavam entre si, o clima parecia-me pesado e decerto tinha morrido alguem, alguem muito importante ou muito querido por aquela gente.

Bati a porta da casa dos teus pais onde me aparece um rapagao ai dos seus quinze anos que pela aparencia e semelhancas deu-me a certeza de ser filho do teu irmao Ricardo.

- Bom dia - disse eu calmamente, sem saber como dar continuidade a conversa. - O Ricardo, o Ricardo Magalhaes, esta?
- Nao, o Ricardo Magalhaes ou melhor o meu pai nao esta como quase todos os outros foram ao funeral da tia...
- Da tia, qual tia? - questionei eu temendo ja que fosses tu. - Qual tia rapaz?
- A tia Luisa morreu a dois dias depois de ter estado mais de tres anos a lutar contra um cancro.

Nao podia acreditar eras mesmo tu, tambem tu partias ja nao fazias parte do mundo do meu mundo fisico, virei costas, era tragico demais, dei meia volta, ia-me embora ja nao fazia ali nada, sentia-me agora realmente viuvo.

- Quer deixar o seu nome? - perguntou o rapaz. - Algum recado?
- Nao obrigado, diz ao teu pai que eu volto mais tarde - menti eu, sabia que agora ja nada mais faria ali e jamais teria coragem para ali voltar, porra, a Luisa, a minha Luisa tinha morrido.

Ja novamente no carro em direccao a Lisboa sem saber o que mais fazer, para onde mais ir. As lagrimas caindo teimosamente pelo rosto sem pedir licenca e eu deixando-as rolar, ja nao havia mais nada a fazer, era tarde. Era tarde demais para te pedir perdao, para abracar o teu corpo como tantas vezes tive desejo de fazer, para beijar tua boca. Pior que tudo, era tarde, tarde demais para dizer que te amo.

                                                                                                          Manuel Goncalves

4 comentários:

  1. Se Tu Viesses Ver-me...

    Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
    A essa hora dos mágicos cansaços,
    Quando a noite de manso se avizinha,
    E me prendesses toda nos teus braços...

    Quando me lembra: esse sabor que tinha
    A tua boca... o eco dos teus passos...
    O teu riso de fonte... os teus abraços...
    Os teus beijos... a tua mão na minha...

    Se tu viesses quando, linda e louca,
    Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
    E é de seda vermelha e canta e ri

    E é como um cravo ao sol a minha boca...
    Quando os olhos se me cerram de desejo...
    E os meus braços se estendem para ti...

    Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"

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  2. Como é que se Esquece Alguém que se Ama?

    Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?
    As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.
    É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.
    Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha.
    Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.
    O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.

    (Miguel Esteves Cardoso)

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    1. Cara CM ou melhor Caroline Middleton, este foi um dos melhores contos para mim que escrevim ate hoje. Inspirei-me ou simplesmente revivim algo que aconteceu comigo. Ela nao morreu simplesmente escolheu outro caminho no qual eu nao estava incluido.
      Penso que mesmo quando a pessoa parte fisicamente se realmente a amamos nao a esquecemos e por vezes ate ganhamos alguem que olha por nos la no ceu como se uma estrela fosse,
      Dou-lhe os parabens por conhecer este escritor portugues que eu realmente nao conheco, infelizmente estou fora de Portugal so mesmo uma professora de literatura que viveu tantos anos no Algarve e em outros lados de Portugal e que pode conhecer assim tao bem a literatura de uma patria que nao e sua, estarei de ferias em breve talvez aceite o convite seu e do Charles Duke para passar um fim de semana em Londres ou na vossa casa de campo na Escocia. Ate bem aja e obrigado nao so pelo convite mas pelo optimo comentario.

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