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sábado, 5 de julho de 2014

Regresso as Raizes

 

Tantos anos passados, tantos momentos de gloria ja vividas e eis que estava de regresso tantos anos depois e sobretudo depois de tantas loucuras cometidas na vida. A sua ausencia tao longa mais de vinte anos era mais um daqueles erros e loucuras cometidas que nao se podiam reparar, eis que agora estava de regresso nao sabendo nem porque razao. Ja nao tinha ali ninguem, a sua familia tal como ele tambem acabou por deixar aquele lugar que parecia cada vez mais triste por todos os abandonarem. Aquele ja nao era seu, pensara durante anos, ja nao era um Abrantino de alma e coracao, durante muitos anos pensara assim e agora via que estava errado o lugar onde se nascia, onde se vivera a infancia fazia sempre parte de cada um. Como podia descrever aos outros a sua infancia se ja nao era dali, se aquele lugar lugar ja nao lhe pertencia iria ter que descrever uma infancia sem ter um lugar para dizer onde a mesma tinha sido vivida e bem vivida, sentia, isso sempre o sentira que havia tido uma infancia feliz.

Parei o carro, bem no meio da ponte e pus-me a olhar o rio onde ja nao se viam barcos de pesca no rio. Lembrava agora com nostalgia do meu grupo de amigos de infancia onde era raro o dia de Verao que nao iamos para ali tomar banho no rio, para que ir a praia, quando tinhamos ali no nosso rio? Lembrava-me agora tambem de um grupo bem mais pequeno de amigos que combinavam e iam escondidos ver as ciganas do acampamento da aldeia tomarem banho, assim mesmo como estao a pensar ou seja como Deus as tinha posto no mundo.

Fumava agora um cigarro, sim agora que a vida desportiva activa tinha chegado ao fim ja era livre de cometer todos os exageros possiveis e imaginarios, fumar, beber, comer de tudo e agora ja a caminhar para velho e com idade de ter juizo fazer as noitadas que a vida desportiva nao me tinham permitido fazer.

Tinha partido muito cedo logo assim que no fim do escalao de iniciados entrara no escalao de juvenis e fora o melhor marcador de um torneio onde se encontravam as melhores equipas portuguesas e algumas europeias eu da noite para o dia e ainda sem saber ao certo o que era a vida tinha-me tornado um heroi de palmo e meio demasiado grande para um clube tao pequeno de divisoes distritais como o Hoquei Clube de Abrantes.

Despedi-me daquela terra, daquela gente desde entao jamais voltara a ver a leziria, a imagem dos campinos montados a cavalo de vara na mao reunindo o gado bravo, imagem sempre viva quando se recorda o Ribatejo. Agora na aldeia as pessoas olhavam-me com desconfianca, como que dizendo que eu era um estranho forasteiro e que nao fazia parte deles, que aquele lugar nao era meu. Estariam eles a querem-se vingar de todo o desprezo que eu sempre dera ou sentira por aquela gente. Durante toda a minha brilhante carreira jamais fui capaz de lhes dedicar um so golo.

Sai dali levaram-me ainda muido para Lisboa e foi la no grande Benfica que fiz o resto da minha formacao desportiva e me tornei quem me tornei segundo dizem uma lenda viva do Hoquei em Patins. Ganhei campeonatos nacionais, tacas, brilhei nas competicoes europeias, fui campeao, ganhei tudo o que havia a ganhar por Portugal. Fiz parte da geracao de sonho que foi campea do mundo e europeia de Hoquei em Patins. Tive a gloria, o mundo a meus pes. No mundial de Lisboa vi mais tarde o jogo pela televisao cada vez que dentro da grande area eu tinha a bola e preparava o stick para rematar ja o relatador e comentador do jogo gritava golo, impresionante.

O Benfica ja era demasiado pequeno o interesse do Barcelona era enorme mas naquele ano a final europeia estragou tudo Benfica-Barcelona ao intervalo perdiamos por 3-1 o nosso golo de honra era meu, nunca esquecim os gritos do Treinador que ate filhos desta e daquela nos chamou foi com raiva que entramos de novo no recinto de jogo levava raiva, vontade de esmagar e humilhar quem ate agora nos estava a humilhar, foi o jogo da minha vida ate entao e um dos mais importantes da miinha carreira. Eu 3-2, eu 3-3, um colega meu a um passe meu 4-3 eles fizeram por milagre o 4-4. Os espanhois estavam de rastos fisicamente. Faltavam dois minutos para o final do jogo entro na grande area e sou fortemente empurrado deitado ao chao e alem de pisado ainda agredido com o stick do adversario. Deu-se uma enorme confusao no recinto de jogo enquanto me recompunha colegas meus e jogadores adversarios se envolveram a pancada. Era penalty a nosso favor o Barcelona era so a equipa da Europa com mais titulos e aquela onde qualquer Jogador queria jogar mas naquele momento enquanto me levantava para bater o penalty ja tinha decidido que para o Barcelona para uma equipa de jogadores sem fair-play eu nao ia nem que isso custa-sse o contrato milionario ou ate o fim da minha carreira. Frente a frente com o guarda redes dos gajos optei pela marcacao directa em vez de corrida e... golo agora eu era o maior.

Fui vendido para Italia ia representar o Hockey Novara, o maior simbolo de clubes do Hoquei em  Patins italiano que nos ultimos tempos andava meio apagado longe nao so das vitorias mas dos titulos. A minha contratacao significava o clube querer mudar a situacao em que se encontrava,sim fui campeao mas nunca considerei aquela gente a minha gente. Ganhei muito dinheiro mas nao tive nenhum contrato milionario como tem os jogadores de futebol talvez tenha ganho dezenas e ate centenas de milhar mas nunca milhoes como os futebolistas.

Campeonato do Mundo em Italia a jogar num clube italiano ia representar Portugal na fase de grupo jogamos com eles e perdemos 3-0 eu nao parecia o mesmo a situacao era de nervos se eu marca-sse se ajuda-sse Portugal a ganhar o jogo eles iam odiar-me. Apesar da derrota passamos o grupo atras deles ate a final apanhamos a Argentina e no acesso a final a Espanha estavamos fisicamente rebentados. Os italianos estavam a nossa espera e que jogo morto foi aquele imaginavel o empate final a 2-2 mais uma vez eu tinha ficado em branco no entanto tinha levado a equipa portuguesa  as costas ate a final mas tanto no jogo de grupos como na final nao era a mesma coisa. Os penaltys sao uma lotaria por vezes sem gloria e por vezes ate acaba por ganhar quem menos fez por isso, eles falharam o ultimo penalty e eu ia bater o ultimo dos nossos. Optei por bater o penalty em corrida e depois rematei forte. Era de novo heroi nacional, nos eramos campeoes do mundo e aquela era a geracao de sonho ja que a chamada geracao de ouro era a de juniores de futebol.

A idade comecou a pesar eu estava com 35 anos e decidi terminar ali a carreira tinha ja feito o Curso de Treinador e fiquei dois anos em Italia a treinar o Roller Monza falhei o campeonato mas ganhei a taca, final de contrato eles queriam renovar eu so queria ir embora o convite para treinar a seleccao portuguesa que agora surgia nao era nenhuma fortuna num clube italiano ganharia mais mas chegara a um  momento da vida em que o dinheiro ja nao era tudo. Eu tinha um bom carro, negocios a render e mais do que uma casa que mais queria eu se era o meu sonho treinar o meu pais.

Chegara a Portugal dois dias antes fui a Federacao, assinei contrato e iria comecar a trabalhar dentro de semanas por agora so queria gozar as minhas merecidas ferias naquele que afinal e apesar de tudo tambem era o meu lugar, tinha ali nascido eram as minhas raizes era o regresso as origens do meu ser acreditei ainda mais nisso quando entrei numa taberna para almocar e vim um poster meu ainda no auge da minha carreira afinal aquela gente nao esquecera um filho da terra que soube representar tao bem o seu pais.

                                                                                                 Manuel Goncalves

2 comentários:

  1. Perdi meus fantásticos castelos
    Como névoa distante que se esfuma...
    Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
    Quebrei as minhas lanças uma a uma!

    Perdi minhas galeras entre os gelos
    Que se afundaram sobre um mar de bruma...
    - Tantos escolhos! Quem podia vê-los? –
    Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!

    Perdi a minha taça, o meu anel,
    A minha cota de aço, o meu corcel,
    Perdi meu elmo de ouro e pedrarias...

    Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
    Sobre o meu coração pesam montanhas...
    Olho assombrada as minhas mãos vazias...

    Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"

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  2. Provei o açucar
    De sabor amargo
    Acordei dormente
    Alguém a meu lado

    Como um castigo
    O dia não passa
    Embora ela presa
    O sol na vidraça

    Nesta indiferença
    De não escolher
    A crua verdade
    Tem rosto de mulher

    Violei as leis
    Passei entre a chuva
    Em tudo procurei
    Uma palavra tua

    U.H.F, Uma Palavra Tua.

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