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sábado, 8 de agosto de 2015

Recordacao de um Passeio Romantico

 
                                                     
Ele chegava a casa cansado, era assim todas as manhas quando chegava a casa do trabalho depois de uma passagem pelo cafe, passagem essa quase obrigatoria, o Pequeno-Almoco era sagrado ou pelo menos fundamental.

Chegava a casa e quase sempre se punha a recordar episodios marcantes da sua vida tanto fossem os mesmos paginas marcantes pela positiva como pela negativa. Manuel tinha boa memoria e tinha na sua mente gravados episodios que se haviam passado quando o mesmo tinha quatro anos de idade, recordara por exemplo ouvir o padrasto dizer que Sa Carneiro tinha morrido, claro na altura nao ligara importancia mas ja em adulto num jogo de memoria era das primeiras recordacoes que tinha, era como se dai para tras nao existisse nada, nao existisse vida no entanto quando fizera as contas na altura da tragedia em Camarate ele tinha tres anos e tal.

Ele nao era um super dotado pelo contrario tivera ate muitos problemas para chegar a algum lado na vida, nao por sua culpa mas porque por vezes as pessoas com quem se envolvera desde tenra idade nao eram as melhores pessoas e algumas tiveram proveito da sua falta de experiencia de vida, ingenuidade, pureza, sinceridade. Ele era uma pessoa dificil de encontrar nos dias que hoje correm que vivera durante muito tempo amargurado com a morte do pai que nao chegara a conhecer.

Ela era um pouco o oposto tinha tido uma vida mais facilitada e parecia estar feliz, casada e com familia um pouco grande, formada, com uma empresa que ia ganhando nome no mercado na area em que se dedicava mas a sua aparente vida feliz assim como um casamento feliz era pura fantasia, demasiadamente artificial, aparencias muito bem representadas com uma realidade muito bem escondida, tudo fachada.

Tinham-se passado anos que pareciam seculos quis o destino que a vida os voltasse a cruzar so que agora nao era como antigamente, nao eram quase como que vizinhos em que para se encontrarem tinham apenas que atravessar a estrada principal da vila onde moravam e andar uns quantos quarteiroes, ela vivia no mesmo sitio mas ele nem por isso mudara primeiro de terra e depois de pais. Era agora imigrante.

Magia, paixao, loucura ou pura seducao foram os indicativos dos primeiros momentos daquele reencontro que tanto teria para contar no futuro. Talvez sorte, talvez azar mas estavam de novo a falar e em contacto um com o outro tinham-se passado mais de dez anos sem terem noticias um do outro. Nao eram dez dias, nem dez semanas ou meses feitas bem as contas eram nem mais nem menos de treze anos bem certinhos, ela notava que ele estava mais maduro, sensato e sobretudo muito mais homem, aqueles treze anos tinham-no de facto envelhecido mas amadurecido tambem estava tao diferente. Ele pensava nisso e considerava aqueles mesmos treze anos os mais importantes da sua vida.

Aos anos que nao ia a Portugal e pressao dela para ele ir comecara a incomoda-lo das raras vezes que tinha discutido tinha sido por causa disso no fundo ele queria dar um tempo ver como as coisas corriam estavam a falar no facebook (tinha sido ai que ele a descobrira) a dois meses e pouco mas ela insistia, parecia obcecada com a ideia embora nao de forma doentia. Naquele dia ela foi longe demais e isso magou-o um pouco fez uma pequena chantagem ainda que involuntariamente nao deixava de ser chantagem e ameacou-o ou ele ia a Portugal ou deixavam de falar no messenger e no facebook, ele explodiu, se era isso que ela queria era isso que ela ia ter tinha a certeza que iria ficar a perder com isso que nada das esperancas que ela lhe dera se iriam cumprir ela era demasiado medrosa e pequena para fazer algo que exigia uma certa determinacao e sobretudo coragem. Alem do mais dera-lhe essa esperanca mas nunca lhe passara pela cabeca divorciar-se para ficar com ele.

Ele la estava finalmente fizera-lhe a vontade, mostrara-lhe e provara-lhe que era um homem de H e nao de h. Correram na direccao um do outro assim que ele chegou a area onde eram esperados os passageiros que chegavam. Sorriram, abracaram-se, beijaram-se pela primeira vez. Ja nao tinham que contar os minutos, horas e dias cada segundo ja nao parecia uma demora eterna e infernal, estavam frente a frente agora as coisas nao dependiam tanto dele mas sim dela, ele era um homem livre, livre como um passaro embora sem asas para voar, para ficar com ela nao se importava de perder muito dessa liberdade, uma vida a dois e em comum era uma coisa diferente e alem do mais havia a familia dela que ele estava disposto a aceitar, prometera-lhe isso desde a primeira hora.

Aquele passeio estava no programa das ferias dele em Portugal, foi ate das primeiras coisas que ambos planearam. Ele era demasiadamente romantico e adorava aquela vila. Sintra para ele nao era apenas dos locais mais bonitos e encantadores de Portugal mas do mundo. Era comparavel com Veneza e Paris que ele tanto sonhava conhecer esse era o seu roteiro e destino de viagem de eleicao para fazer uma Lua de Mel.

O mesmo passeio ficara quase para o fim, estavam ali naquele ambiente romantico e no dia seguinte pela manha ela iria leva-lo ao mesmo destino onde tudo comecara ao aeroporto. Aquela hora no dia seguinte ele estaria em terras de sua Majestade e houve momentos em que se arrependeu de ter cedido aos caprichos e vontades dela. Ela confessara-lhe ja a alguns dias que nao tinha coragem para dar aquele passo, era como dar uma volta de 180 graus e apenas lhe disse que talvez um dia mais tarde mas naquele momento, nao, isso mesmo depois de tantas esperancas, era um redondo nao que ela lhe dera e o pior ainda estava para vir.

O passeio comecara por um Almoco num restaurante calmo e reservado da vila onde nao puderam deixar de rir e achar caricacta a voz do Empregado de Mesa, uma roquidao natural dava-lhe uma voz chamada de "cana rachada" ele apenas o comparou com a voz do Godzilla a personagem mostruosa dos filmes de Terror.

Sairam dali ja almocados pegaram no carro e subiram a serra o ceu estava cinzento e parecia que ia chover. Era assim como ja se sabe que sao as tardes em Novembro, cinzentas e frias. Tinham programado um passeio pela vila de charret mas com o tempo assim e o piso ja molhado era para esquecer.

Estavam agora no Palacio da Pena e ele vislumbrava tudo ao seu redor. Que cenario romantico! Que belo fundo de pano para um romance de um daqueles romancistas russos da Literatura Universal que de quem ele tanto gostava de ler suas obras e muitas vezes ate reler. O ar era puro, se o Paraiso nao era ali nao devia de ser muito longe.

No entanto Manuel sentia-se triste no dia seguinte ja  nao iria estar com ela e talvez nao voltassem a ter a oportunidade de ter um momento daqueles, sentia que ela o enganara, sim enganara-o mais uma vez tantas insistencias, tantas pressoes e ate esperancas e tudo ia ficar na mesma. Hoje e amanha ela de uma forma ou de outra estava presente na sua vida diariamente mesmo a distancia, mas... ate quando seria assim.

Estavam prestes a terminar o passeio e se nao fosse um pouco a tristeza em que ele se fechara, a melancolia que sentia teria sido terminar as ferias em beleza com chave de ouro como habitualmente se costuma dizer. Estava-se a fazer tarde e a viagem de regresso ainda era demorada alem de que antes de partirem ele queria voltar de novo a vila nao queria ir embora sem comprar uns pacotes de queijadas para os familiares que estavam em casa, assim foi.

O dia seguinte e a despedida era como lhe tivessem a tirar a vida e ele nao tivesse morrido. Ela era tudo para ele amor, alegria, felicidade ia deixar tudo ali. Ele viera com uma fasquia muito alta e seria tudo ou nada, fez tudo o que pode para convence-la, amou-a, tratou-a com ela propria reconhecia que nunca ninguem a tinha tratado. Beijaram-se e despediram-se ele seguia no corredor para o aviao com as lagrimas nos olhos e tentava acalmar-se. Sentou-se no seu lugar, ao lado da janela como sempre gostava que fosse e simplesmente chegara a conclusao que dera o seu melhor mas o seu melhor nao fora o suficiente. Nao se sentiu um absoluto falhado e fracassado porque sabia que tinha dado tudo o que de melhor tinha mas o problema nao estava com ele. Ninguem podia iludir e dar esperanca eternamente a alguem havia uma hora em que a verdade vinha a tona e a verdade e que ela jamais pensara em dar semelhante passo, dera-lhe essa esperanca mas jamais pensara em faze-lo. Magoara-o, ele estava ferido ela tinha feito um jogo muito arriscado e perigoso o tipico estilo de alguem que nao olha a meios para ter aquilo que mais deseja muitas vezes apenas por mero capricho ou pensava que os sentimentos "pelos menos os dele" eram reciclaveis como aqueles copos de plastico que se usam e se deitam fora e depois de reciclados se voltam a usar.

Tinha-se passado ja mais de um ano e tudo estava na mesma naquele clima de incerteza, ele andava mais triste que o habitual por culpa da epoca natalicia que iria passar mais uma vez em clima de plena solidao tinha acabado de ir comprar o bacalhau, podia faltar tudo na mesa na noite de Natal a companhia e ate alguma alegria mas nao ia faltar o bacalhau, sorriu ao preparar tudo para ir cumprir com a tradicao. Chegara a casa e fora ate ao facebook entrou logo assim que ligou o PC ela la estava como sempre apesar de tudo ainda nao o abandonara de todo.

Conversaram um pouco sobre assuntos do cotidiano e sem aparente interesse antes dela ir ao supermercado queria ir comprar iogurtes que estavam em falta no frigorifico e eram fundamentais para a alimentacao dela, maldita ideia de dieta pensou ele. Nao demorou muito para ela regressar e ao contrario do que era normal mandou-lhe logo uma mensagem.

O marido tinha descoberto tudo e aquele jogo de ilusoes, de esperancas e falsas promessas estava prestes a chegar ao fim. Ela decidira que nao se ia divorciar e sem lhe dar qualquer hipotese exigira que ele nao a voltasse a contactar. Era injusto e agora como ficava ele no meio de tudo aquilo, sozinho de novo, novamente abandonado, traido como sempre. Ainda lhe pediu uma justificacao mas nada, ainda lhe apelou para ela reflectir mas de pouco adiantou, minutos depois ela estava ja com a conta do facebook desactivada ou entao tinha-o bloqueado, fosse como fosse estava incontactavel.

Ele como sempre foi quem mais perdeu porque ficara sem nada de nada no meio de tudo aquilo enquanto ela pouco ou nada tinha perdido. Ja era Natal e sentado a mesa ia comendo o Bacalhau e as batatas a sobremesa ficava para o fim como e habitual. Vivia como um fantasma quase sem vida, quase sem vontade de viver, era o que aquela mulher tinha feito dele, nao se sentia com vontade para voltar a sorrir e muito menos para voltar a amar.

Os anos passavam e ele continuava sozinho nao a esquecera antes pelo contrario e quando as saudades daqueles momentos de ferias em Portugal apertavam mais do que o costume tinha por habito ir buscar as fotos que tinham tirado juntos. Eram muitas pois os passeios tinham sido varios agora os seus olhos e preferencia recaiam sempre por aquela sua foto preferida do passeio romantico que haviam feito ao Palacio de Sintra, era daqueles momentos que nao se esqueciam e apesar de tudo tinham ali as fotos para confirmar-lhe que tudo aquilo fora real e nao apenas um sonho.

                                                                                                               Manuel Goncalves

2 comentários:

  1. Quantas palavras não te diria se não soubesse que qualquer palavra minha te fere tantas vezes....
    No meu silêncio só penso na tua proteção, que possas respirar, pensar em outras terras, em outros sonhos..
    Deus não nos deixa fazer o que queremos, tem uma mão no ar que nos agarra e empurra para onde, Ele julga, devemos ir…. Assim também vou eu, cumprindo um destino que me parece traçado por outrem e no qual pouco posso fazer.

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    1. Nao sei porque razao atribuimos ser uma escolha de Deus as decisoes que tomamos, de que serve o livre-arbitrio que nos e dado. Atribuir as decisoes a escolha ou vontade de Deus parece-me incorrecto e acaba por ser sem duvida uma desculpa mais pratica mas nao deixa de ser mais covarde.

      Sera que tudo o que fazemos e uma decisao escolha de Deus, impossivel! Entao porque se mata, porque se rouba? Deus da ao ser humano a capacidade de escolher o bem e o mal assim como da tambem a capacidade de saber o que e certo e errado.

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