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domingo, 29 de maio de 2016

O Novo Vizinho



A casa deixara de estar a venda e todos sabiam que estava prestes a ser habitada depois de deixar de estar a venda era logico que tivesse sido vendida a alguem. Um estranho nas vizinhancas, um desconhecido no mesmo predio, na porta ao lado nao agradava a ninguem muitas vezes, a aparencia contava muito pelo  menos para se fazer uma avaliacao inicial se aparentemente era boa ou ma pessoa como se a aparencia muitas vezes estivesse certa. A paz que sempre fora conhecida naquele predio tinha terminado quando alguma mulher qualquer de leste alugara o apartamento do res-do-chao e parecia ter montado ali uma casa de meninas, fosse o que fosse desde entao era um correpio de raparigas a entrar de manha e a sair a noite com homens a entrarem e a sairem constantemente.

Desde que a Dona Gloria morrera que todos sabiam que ia ser assim a familia colocara a casa a venda a quase um ano. A zona ja fora mais calma e era completamente calma antes de um dos apartamentos ter sido alugado a tal sujeita de Leste que nao sendo antipatica sorria a toda a gente era um facto mas nao dirigia a palavra a ninguem e o resto era o que todos tinham quase a certeza. Agora como seria com o apartamento do lado a ser alugado a alguem que ninguem ainda conhecia?

Era ainda de manha mas sem se preocuparem com as horas camionetas tinham chegado e comecado a descarregar as mobilias que pareciam ser muitas, os electrodomesticos e outros utensilios de maior e menor utilidade, mas onde estava o novo inquilino, o novo vizinho? Iria a vizinha do res-do-chao ganhar concorrencia? Era o pior dos cenarios imaginavel e ja se falava no condominio fazer um requerimento a todos os moradores do predio para que fosse paga uma taxa que serviria para pagar a um reformado qualquer que viria a servir de seguranca ali no predio e ao qual qualquer visitante se tivesse que identificar. Ora era claro que ninguem gostava de passar por semelhante situacao quando se deslocava a uma casa de meninas para ter algum divertimento.

Parecia ser gente rica, talvez ate importante o que nao era de estranhar ja que a zona nao era nada de se deitar fora e nao era pobre de todo se nao fosse aquele incidente da casa de meninas nao so o predio em si mas todo o bairro seria um local de sossego absoluto.

Uma ambulancia entrara na rua em velocidade calma e sem as sirenes ligadas nao parecia vir numa emergencia. Depois de pararem os bombeiros limitaram-se a sair do veiculo e a irem abrir a porta de tras de onde depois de terem accionado o elevador para retirar uma cadeira de rodas e quem se deslocava na mesma. Era ele, finalmente, o novo vizinho.

Os primeiros tempos foi um pouco dificil de olharem para ele, de o aceitar como um pessoa normal quando na verdade era um deficiente fisico e ele tambem nao dava grandes oportunidades de se aproximarem do mesmo. Passava os dias em casa e muito raramente o viam na rua somente quando ia ao cafe de manha, a padaria logo ali no bairro. Nao incomodava ninguem, nao fazia barulho, nao causava problemas e nem falava da vida alheia e muito menos do vizinho do lado no entanto era alguem que a vizinhanca sentia receio em contactar com o mesmo, meter conversa ou procurar criar lacos de amizade.

Sabia-se apenas que ele trabalhava em casa e que tinha um emprego e posto bastante importante pela forma como se vestia e pelas visitas que recebia quase diariamente e com o tempo comecaram a ver que apesar de deficiente fisico ele era uma pessoa bastante independente dos outros e ate bastante activo, conduzia inclusivamente ate o seu carro sem problema nenhum.

Com o tempo o novo vizinho comecou a ser cumprimentado e a cumprimentar quando se cruzava com a sua vizinhanca do predio no bairro e ja todos sabiam o seu nome e o que o mesmo fazia na vida. Amaro Soares era Informatico e trabalhava por conta propria os seus clientes eram na maioria gestores de sites na internet mas Amaro trabalhava tambem inclusivamente com a NASA e estava igualmente ligado ao mundo misterioso das bolsas de valores.

Fora ai mesmo a jogar na bolsa que o mesmo fizera muito dinheiro e comprara aquela casa para se refugiar do mundo em que vivia anteriormente e do passado que o atormentava. Aquela dor, aquele sentimento de culpa nada se apagara nem diminuira tantos anos depois tudo continuava na mesma.

Ao conversar-se com Amaro facilmente se podia sentir no seu rosto, nos seus olhos e talvez ate no seu coracao essa mesma tristeza que fazia parte da sua vida, que o acompanhava diariamente a quase duas decadas. Os vizinhos nao notavam isso porque pouco conviviam com o mesmo e como raramente tinha saidas ou outro tipo de convivio era algo que agora estava guardado e fechado em si.

Amaro tinha sido um jovem Estudante dos melhores da sua turma, sempre fora assim embora tivesse mudado varias vezes de escolas devido ao pai ser Militar e andar sempre a saltar nao de um lado para o outro mas de base em base e de cidade em cidade na Forca Aerea muitas vezes era assim ja que o mesmo era muito destacado por ser um dos melhores na sua area. O jovem gostava de conhecer novos lugares e outras pessoas mas com a chegada ao Ensino Secundario as coisas mudaram um pouco ja que comecara a sentir a falta de um espaco proprio, comecou a sentir que nao tinha tempo para fazer amigos de verdade durante os espacos de tempo que o pai tinha para passar aqui ou ali a fazer uma formacao de novos recrutas.

Nao queria seguir carreira militar e nem o pai o quis incentivar a isso eis a razao porque nao o colocara a estudar no Colegio Militar como haviam feito consigo. O seu pai sentia que o filho nao devia ser forcado a nada e muito menos ser obrigado ser algo que nao queria vir a ser no futuro e cedo deu para percerber que Amaro tinha queda para coisas relacionadas com ciencias e nao para uma vida militar que tanto esforco fisico exigia e para a a qual o jovem fragil e franzino Amaro nao parecia ter jeito nenhum nem estar preparado.

Recebera o nome que a mae escolhera porque durante o tempo da sua gravidez andava entretida a ler os grandes classicos da Literatura Portuguesa e a primeira vez que sentira o bebe mexer-se dentro de si estava a ler o famoso Crime do Padre Amaro de Eca de Queiros. Ao contrario da personagem do famoso romancista portugues Amaro Soares tinha escrupulos, tinha moral, nao era como o Padre Amaro que nao olhava a meios para atingir os seus fins e objectivos.

Aquele vizinho com quem inicialmente nao simpatizavam e que foi conquistando todos com o seu teimante silencio mas sorriso no rosto sentia-se culpado. Era um jovem como tantos outros bastante activo que adorava praticar desportos e que comecara a fazer conquistas, a ganhar a popularidade entre as raparigas da sua idade mas so tinha olhos para aquela feiticeira loira de olhar azul penetrante em seu coracao.

Ele para Angela tambem nao era indiferente e comecaram a namorar. A cumplicidade entre ambos era evidente e eram vistos como um futuro casal perfeito. Onde estivesse Amaro era sinal que Angela tambem estava presente, muito perto ou prestes a chegar. Convidou-a para um passeio anual em que todos os militares da Forca Aerea podiam levar familia e amigos a dar um passeio de aviao ou helicoptero para Angela ter nocao do que era voar e sentir-se livre como uma ave Amaro optou por um passeio de helicoptero entre Lisboa, Sintra e Cascais.

O clima nao estava muito bom embora nao chovesse fazia-se sentir ventos fortes e tentar vence-los era como tentar vencer a forca da natureza e de facto o dia nao era o mais propicio para aquele tipo de passeios mas nao podia ser adiado porque era uma tradicao anual ja antiga e todos estavam igualmente confiantes na experiencia do Piloto.

Tudo corria bem ate o vento soprar com mais forca provocando o panico em Angela e em mais alguns dos passageiros com menos experiencia em voar. Mesmo os mais habituados aquelas aventuras comecaram a temer sobretudo depois do Piloto reconhecer que nunca passara por semelhante situacao e que rezava para conseguir controlar a mesma.

Um problema tecnico que ficara sem se saber ao certo a origem atingira o helicoptero e causara uma avaria mecanica no aparelho e mais ninguem se lembrava de nada o mesmo virara e caira a pique em queda livre. Apesar do aparatoso acidente somente um dos passageiros perdera a vida, Angela. Amaro ficara tambem naquele estado fisico e agarrado aquela cadeira de rodas mas como todos os outros de uma forma ou de outra sobrevivera.

O seu sentimento de culpa vinha sobretudo porque a familia de Angela o culpara a ele nao pela tragedia mas pela morte da mesma. Fora ele que a convidara para aquele passeio tragico e amaldicoado, consideravam-no culpado pela falta de um lugar na mesa a noite ao Jantar e tudo mais.

Amaro sentia-se culpado tambem e dava tudo para trocar a morte de Angela pela sua vida e traze-la de novo ao mundo dos vivos. A sua vida ficara tambem aparentemente destruida mas ele podia continuar a vive-la Angela e que nao.poderia mais faze-lo. Amaro aprendera a viver com aquele sentimento de culpa, a disfarcar a tristeza que o mesmo lhe fazia sentir e somente nao conseguira voltar a amar ninguem mesmo sabendo que a mesma ja nao estava no mundo dos vivos sentia-se apaixonado por alguem que morrera.

A vizinha do apartamento do lado muitas vezes o ajudava segurando a porta de entrada do predio para ele sair com a cadeira de rodas, era simpatica e afavel, quase parecia esperar por ele para lhe fazer aquela amabelidade e depois entrar no tal apartamento constantemente frequentado por homens que entravam e saiam e mulheres bem jovens e bonitas que por la passavam o dia todo e por vezes a noite.

Amaro recebera uma nova carta e novamente com uma antiga oferta de emprego e estava cada vez mais dificil de recusar sobretudo pelo valor que lhe ofereciam e ele sabia que era perfeitamente possivel conciliar aquele seu trabalho actual de trabalhar em casa como Engenheiro Informatico e so teria que sair a noite para ir dar as aulas na Universidade Nova de Lisboa e o salario seria mais do que bem vindo. Nada era de graca e Amaro recordava que todos os meses havia agua, luz para pagar.

Era a primeira noite de aulas e Amaro sentia-se nervoso era um dos melhores engenheiros informaticos que se podia encontrar mas nunca tinha dado aulas e nem ensinado a alguem fosse o que fosse sobre informatica e computadores. Fugia com seus pensamentos para ai mas na realidade o seu pavor era outro, como iriam os alunos reagir perante um Professor numa cadeira de rodas?

Saira de casa para ir para a universidade e mais uma vez se cruzara com a jovem que estava prestes a tornar-se a sua Porteira particular. Amaro esteve quase que a perguntar-lhe para onde ia a mesma e que talvez lhe pudesse dar uma boleia mas optou por nao o fazer, talvez noutra oportunidade, entrou no carro e meteu-se a caminho da universidade. Sentia que ia lidar com pessoas prestes a formarem-se e por isso de inteligencia extrema e nao com pessoas cheias de preconceitos que o iriam ver de forma diferente dos demais so porque se deslocava numa cadeira de rodas.

Nao notara que ninguem o olhasse de forma diferente era esse sempre o seu maior receio e ate complexo que o vissem como um coitadinho, sujeito inferior e debilitado e isso acontecia com enorme frequencia por vezes sentia que somente aqueles que estavam numa situacao semelhante e que eram capazes de o entender.

Os alunos eram pessoas estranhas que tinha vontade de conhecer e ensinar-lhe aquilo que sabia e que lhe era devido. Era isso que ele pensava no entanto acabou por ter uma surpresa. Nao sabia o seu nome, poucas palavras tinham trocado mas a vizinha que fazia questao de lhe abrir a porta do predio sempre que se cruzavam estava ali, agora, na sua frente, era uma das suas novas alunas que por sinal fazia questao de se sentar na primeira fila.

Luisa Andrade era o seu nome e sonhava vir a ser tal como ele uma Engenheira Informatica na area da programacao de computadores. Luisa era humilde e afavel rapidamente dava para perceber que as suas origens e raizes eram muito pobres que para ali chegar subira com muitas dificuldades e a pulso. Tanto ela como ele estavam sem saber o que dizer mas optaram simplesmente por fingirem que nao se conheciam tal como todos os outros era a primeira vez que estavam frente a frente e tinham-se acabado de conhecer no entanto na troca de olhares dava para perceber que iriam falar sobre tudo aquilo o mais rapido possivel. Amaro ficou a saber tambem que apesar do que Luisa fazia no apartamento ao lado do seu a mesma tinha namorado e parecia gostar bastante dele estavam ali os dois eram seus alunos.

No final da aula nao mais se viram e mais uma vez ele  perdera a oportunidade de lhe oferecer boleia e certamente Felipe tratava disso nao tinha ar de quem era capaz de deixar a namorada sozinha a noite andar por ai.

O despertador ainda nao tinha tocado quando alguem lhe tocara a campainha por instinto do seu pensamento calculara que era ela, Luisa, e nao se enganara.

Luisa cumprimentou-o e pediu para entrar era mais comodo e discreto do que estarem ali a falar a porta. Luisa agradeceu-lhe pela descricao com que agira na noite anterior fazendo de conta que nao a conhecia e que agora tirando as amigas e colegas da casa ao lado ele era o unico a saber da sua vida dupla.

A jovem contou-lhe que nao era facil aquilo que fazia de dia ali na casa ao lado mas que nao tinha outra forma de sobreviver, ajudar os pais na provincia mandando-lhes dinheiro sempre que podia e ainda pagando as propinas que nao eram nada baratas. Felipe surgira quase do nada mas apaixonara-se por ele e o que menos queria era que o mesmo soubesse ou sonha-se sequer algo acerca da sua vida dupla, agradecera-lhe mil vezes a Amaro pelo seu silencio, por manter tudo em segredo ate entao e prometer-lhe continuar a mante-lo.

Amaro falara-lhe tambem um pouco de si dos amores e desamores, das alegrias e tristezas. Deu por si a falar com Luisa de um dos assuntos mais dificeis para si, Angela. Amaro confessou-lhe que jamais voltara a amar desde entao e que certamente o mesmo nao voltaria a acontecer, jamais.

A jovem aluna saira dali impressionada com o sentimentalismo do Professor Amaro, logo ele que parecia um homem frio, arrogante e silencioso mas era preciso conhecer-se a sua historia, a sua triste historia para entender que o seu silencio era uma arma de defesa e nao por arrogancia ou qualquer outro sentimento de superioridade.

Luisa ficara com a certeza e era essa a ideia com que ficaria de Amaro dali para a frente que o mesmo podia ser silencioso, de poucas palavras e amigos mas era sem duvida uma boa pessoa e igualmente o vizinho que todos podiam desejar.

                                                                                                             Manuel Goncalves






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