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terça-feira, 30 de agosto de 2016

O Teu Olhar



O teu olhar puro e inocente de menina mas ao mesmo tempo de quem ja sabe o que quer, conquistou desde logo meu coracao, minha alma e vida. Era algo novo aquele sentimento e parecia que nao te ficava indiferente.

Quando se chega a algum lado e se e novo os vizinhos se tornam por vezes estranhos com quem muito rapidamente nos queremos tornar intimos ou pelo menos conhecidos, faz parte de um conceito social e de saber conviver. Eu, tu, os meus pais a tua restante familia queria se conhecer mutuamente afinal agora eramos estranhos mas nao completamente desconhecidos, agora eramos simplesmente vizinhos e todos consideravamos que os animais e que eram capazes de viver lado a lado sem se cumprimentarem uma vez ao dia.

O teu pai bateu-me a porta e tu fazias-lhe companhia o sorriso do teu pai era marcante, acolhedor mas foi o teu, o teu olhar que logo me marcou. Um olhar silencioso de quem vendia timidez e prometia que a aproximacao nao seria de todo facil mas a minha persistencia prometia dar algo a que se chamava, luta.

Convite para Jantar aceite e foi assim a primeira vez que entrei em casa dos teus pais e fui convidado por momentos a entrar no teu mundo, o teu quarto. Era ai que estava parte de ti e se podia ver quem tu eras, dava para ver daquilo que gostavas e nesse ponto estavas tao perto de mim.

Nas paredes nao faltavam os posters das estrelas da musica e do cinema, seria isso viral nos jovens? Talvez. Falamos um pouco e deu para ver que nao nos iamos separar tao facilmente, estavamos ja proximos, eramos intimos e amigos de verdade mas continuavas a demostrar a tua enorme timidez.

Um dia o teu pai bateu-me de novo a porta e desta vez vinha sozinho e tambem eu estava so e era mesmo essa a intencao dele, falar comigo a sos, falar a serio, conversar de homem para homem disse-me ele logo de inicio. O tom a forma como ele comecou assustou-me mas o olhar dele, desta vez era o olhar dele, calmo e sereno acalmou-me.

Que quereria o teu pai? Rezava eu apenas que ele nao me viesse pedir para que eu me afastasse de ti. O teu pai comecou por contar-me, revelar-me finalmente a razao da tua timidez.

Nao queria acreditar naquilo que estava a ouvir mas o teu pai estava a contar-me tudo sem esconder nada, tinha achado ser melhor assim. Uns anos antes a caminho de casa vinda da escola um grupo de rapazes tinha-te agarrado e levado a forca para uma obra que estava em construcao onde te haviam tentado violar. Acabaste por ser salva milagrosamente por um Guarda Nocturno que esta no momento a fazer uma ronda no local e primeiro estranhou os vultos ali no escuro, depois o barulho e por fim os teus gritos. Foste salva por esse homem mas ficaste como seria de esperar traumatizada com o sucedido no entanto o teu salvador tornou-se o teu heroi, o teu idolo e por fim a tua paixao ou melhor dizendo o teu primeiro amor.

Foi com ele que trocaste o primeiro beijo, a primeira caricia e tudo mais que era normal num casal de namorados perdidamente apaixonados e nao fazia diferenca que ele fosse uns anos mais velho o amor nao escolhia idades e o vosso exemplo falava por si mesmo mas mais uma vez a infelicidade te haveria de bater a porta e numa arriscada profissao quando se sai de casa nunca se sabe se volta. Uma noite o teu namorado saiu de casa e nao voltou, tinha sido atingido mortalmente por tiros quando tentava deter um grupo de assaltantes que acabara de assaltar um banco.

Nunca mais foste a mesma segundo o teu pai e so recentemente tinha voltado a sorrir. O teu pai sentira que tu estavas a gostar de mim mas talvez a nao me amar ja que continuavas devota ao teu antigo amor ja falecido veio avisar-me que seria dificil eu ganhar o teu amor de verdade esse pertencia a alguem ja falecido.

Com o regresso a escola ja que eramos alunos quase em periodo de entrar na faculdade acabamos por comecar a estudar juntos isso tinha-me sido pedido ja que estavas a precisar de umas explicacoes em Matematica e essa era uma Area que eu dominava bem ja que era base daquilo em que me queria formar Fisica Teorica e Cosmologia.

Fomos tantas vezes ver a lua, as estrelas, ja quando namoravamos trocavamos beijos mas sempre senti a tua frieza e certa distancia no entanto eras bem capaz de demostrar que gostavas de mim mas talvez gostar nao fosse o suficiente para amar, gostar daquela maneira especial que se gosta quando se ama alguem, isso tu propria dizias-me que nao, talvez um dia, mas no momento nao.

O que mais estranhava e que apesar de tudo nao aceitavas a ideia de ficar sem mim e de terminar-mos  o namoro. Fui ficando, ficando na esperanca de que viesses a gostar de mim como quem ama alguem, fui ficando idealizando que um dia ias cair na realidade e entender que ninguem pode viver o presente estando no passado, fui ficando porque te amava, porque te amava desde o primeiro dia que o meu olhar e o teu se cruzaram.

Fizemos a faculdade quase sem dar por isso e estavamos mais velhos, experientes e penso que ate maduros. Embora a minha Area nao tivesse muita saida profissional consegui logo arranjar trabalho muito a custa das boas notas que tivera e ia ser Assistente no Planetario de Lisboa e tu tambem eras agora uma Tradutora formada. Eu tinha tudo para ser feliz, uma casa, um emprego que adorava, uma familia que me amava, uns pais que tudo tinham feito por mim e para que eu me tornasse tudo o que era. Tinha tudo menos que me gostasses de mim ao ponto de me amar de verdade como amavas aquele que ja nao estava entre nos.

Iamos casar ponto final, considerei eu que amares um morto nao era assim algo tao ruim ele nao estava vivo e eu estava ali obcecado por ti embora no bom sentido, completamente apaixonado e vivo disposto a te amar e ser fiel todos os dias da minha vida. Queria ser aquele com quem ias fazer amor, viver noites de amor e ser pai dos teus filhos, embora nao me amasses de verdade no fundo gostavas de mim, afinal sentias alguma coisa, ja era um principio e sobretudo querias tanto aquele casamento como eu.

Estava no altar a tua espera com a Igreja cheia de convidados, esperava-te ja impacientemente e o proprio Padre ja nao estava a achar muita graca ao facto do teu atraso, era certo que as noivas tinham por tradicao chegar atrasadas ao casamento, tu tinhas todo o direito de manter a tradicao mas nao tanto assim, uma hora de atraso era demais.

A noticia chegou e ninguem esperava o pior. Tinha havido a alguns minutos um acidente que cortara o transito da rua da Igreja e essa seria a principal razao do teu atraso. Aquilo que nao se soube logo e que o carro que provocara o acidente fora bater no carro que te transportava para a Igreja e que umas das vitimas do acidente eras tu a propria Noiva.

Saimos todos dali mal se confirmou a noticia, nao havia mais razao para estar ali. Voamos todos a correr para o hospital e logo a chegada tinhamos ja a triste noticia a nossa espera, a tua morte era uma realidade.

Tinhas entao partido para junto daquele que sempre amaras, ironia do destino e eu tinha ficado sozinho. Olhava as nossas fotos em particular o teu olhar, a tua boca que nunca me disse o que mais queria ouvir. Aquele doce, amo-te.

O funeral foi triste como tantos outros, lagrimas e gritos. Nao era justo consideravam quase todos eras jovem demais para morrer. Sentia-me triste mas algo me ajuda a sobreviver e a aguentar tudo aquilo, tinhas partido para junto de quem amavas e agora estavam os dois juntos. Quanto a mim sabia que me desejavas toda a sorte do mundo.

No final do funeral o teu pai chegou-se junto de mim com uma palmadinha nas costas mas sem sorrisos nao havia lugar lugar para sorrisos e entregou-me algo que ele achava que devia ficar comigo, era o teu diario, por apelo e sugestao dele ficou comigo e pediu-me que le-se atenciosamente o ultimo apontamento, foi o que fiz logo que cheguei a casa.

O teu ultimo apontamento no teu diario tinha escrito que ias casar, casar por amor com o homem que amavas mas nao tinhas ainda conseguido dize-lo, mas amavas de verdade. Falavas que era esse o homem que querias para construir uma familia e um lar e que te sentias a mulher mais feliz do mundo por te ires casar comigo...

Era tudo o que eu queria ter ouvido da tua boca e agora lia tudo isso escrito por ti era quase a mesma coisa e se podia guardar as palavras igualmente podia guardar os escritos e guardei sempre aquele diario religiosamente.

Casei anos mais tarde, voltei a amar, construi um lar e uma familia mas nunca, jamais esqueci o teu olhar. Como poderia esquece-lo! Como?


                                                                                                              Manuel Goncalves

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