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quarta-feira, 16 de agosto de 2017

A Licao Para a Presidiaria



Ela estava ali a ja alguns dias e nao se conformava, nao se habituava aquele novo estilo de vida. Era dificil viver-se rodeado com tantas regras para cumprir e sem muitos ou quase com nenhuns direitos, nao era so ela mas todas as outras se encontravam perante o mesmo dilema porque ali havia uma regra, os direitos eram iguais para todas. Ela era das mais novas que ali estava e encontrava-se ainda em fase de estudo e adaptacao.

Nao deveria ser facil para aqueles homens ali a sua volta estarem ali a tomar conta, a controlar aquelas mulheres pensava ela quando estava no patio na hora do recreio. Nao deveria ser facil por exemplo ir separar duas reclusas que se agarravam a pancada mas quando isso acontecia tinha mesmo que ser. Sera que eles as viam como mulheres ou apenas como reclusas e criminosas?

Ela estava ali porque errara e estava disposta a pagar pelo seu erro, tudo culpa de um momento de ambicao e igualmente de necessidade levaram-na a aceitar um trabalho sujo e ilegal que terminara da pior maneira.

A sua mae estava doente e ela desempregada pelo que aquela oferta lhe caiu do ceu assim julgava ela, alem de tudo tinha um filho de dez anos a quem tinha de dar comida, vestir, calcar e procurava que nada lhe faltasse na vida, era viuva a oito anos e estava completamente sozinha na vida ou pelo menos julgava que sim.

Ja pensava mesmo em dedicar-se a trabalhar como acompanhante quando fora a uma entrevista de emprego em que inicialmente fora recusada mas algumas horas depois o sujeito que a entrevistara lhe ligara nao com uma oferta de trabalho mas com uma proposta indecente mas muito aliciante, aquilo que iria ganhar se tudo desse certo iria dar para pagar os tratamentos da mae e ainda sobraria bastante.

A proposta era sair de Lisboa, ir ate Cadis em Espanha e dai seguir para Marrocos onde iria buscar uma quantidade de haxixe para abastecer o mercado da zona de Lisboa e arredores. Tinham-lhe dito que o risco era minimo e a recompensa bastante compensadora e nao teria que dar continuidade aquela actividade se assim nao quisesse, eram so facilidades ela devia ter desconfiado do risco que corria.

Pegou no carro que lhe tinham metido a disposicao, tratou de avisar que so iria fazer aquilo uma vez e porque estava mesmo necessitada e porque sentia que fazer aquilo era melhor do que andar a roubar ou a prostituir-se por algum tempo, nao o faria se nao fosse pelo filho que tinha para criar e pela mae doente que precisava de tratamentos para se curar e de medicamentos.

Ana Silva saiu de Lisboa rumo ao seu destino disfarcada de turista como tantas outras que nao levantavam a minima suspeita, aparentemente era tudo muito facil para tanto dinheiro que iria ganhar mas nem notou isso, o tratamento da mae, o bem estar do filho e igualmente o seu era tudo o que importava mas jurara a si propria que nem pelo dobro ou triplo da oferta voltaria a fazer a mesma coisa.

A saida para Marrocos de Espanha pareceu-lhe facil a revista era minima e entao tudo estaria bem se ao sair de Marrocos fosse a mesma coisa mas podia nao ser. Pela primeira vez comecou a pensar se as coisas dessem para o torto mas nao pensou nas consequencias.

Chegara a Marrocos e seguiu o destino que lhe havia sido indicado, iria ao local que lhe haviam indicado buscar a encomenda de haxixe, eram varias doses que ela iria ingerir antes de embarcar e depois passar de novo o barco para Espanha, chegar a Portugal e depois de deitar as doses ca para fora ir leva-las ao destino onde iria receber a parte que estava combinada.

Tudo correra dentro da normalidade o que mais custara era ter engolido tudo aquilo esperava que nenhum saco lhe rebentasse dentro do estomago, tinha ouvido certa vez no jornal falar-se de uma brasileira que estando prestes a embarcar no aeroporto caiu desmaida e chegara ao hospital ja morta, a autopsia fora mais do clara o resultado da morte fora motivada por um dos saquinhos ter rebentado no estomago e tudo aquilo ter-se espalhado pelo corpo, seria terrivel se lhe acontecesse o mesmo.

O nervosismo ainda ia acabar por estragar tudo mas Ana Silva nao conseguia disfarcar o mesmo e pareceu-lhe que estava a levantar suspeitas sobretudo quando viu que estava a ser observada com olhares permanentes pelos policias, certamente ela tinha levantado suspeitas.

Tudo se complicou quando chegou a sua vez de lhe verem os documentos e os objectos pessoais assim como a mala de viagem. Os seus docmentos estavam em ordem, a mala e os objectos pessoais tambem mas a mandaram esperar enquanto foram buscar um cao especialista em farejar drogas e o mesmo facilmente detectou que havia algo de errado com Ana Silva. Ana sentira que era o principio do seu inferno, do seu longo inferno e logo ali se sentiu arrependida.

Nao foi maltratada mas foi logo levada para um hospital em Rabat para lhe retirarem a quantidade de droga que tinha no corpo e de seguida foi para o estabelecimento prisional em Rabat onde iria ficar a espera de julgamento.

O Estado Portugues rapidamente procurou interferir a favor de Ana Silva adiantando que nao teria sido possivel desmantelar uma das mais importantes redes de trafico de Marrocos e Penisula Iberica sem a ajdar da confissao de Ana Silva, os motivos que a tinham levado a tal tambem haviam sido fundamentais para se procurar um pouco de benevolencia por parte da justica marroquina ja que Marrocos estava em divida para com Portugal visto os portugueses terem ajudado Marrocos quando o mesmo havia tido um sismo dois anos antes.

O Advogado esforcara-se mas nao conseguira a absolvicao de Ana Silva e nem a sua extradicao para Portugal no entanto a condenacao de seis anos dos quais apenas um ano e meio seriam cumpridos em Marrocos e ao que se seguiria a extradicao para Portugal com ordem de expulsao do Reino e com nota de nao poder nunca mais pisar solo marroquino deixara todos felizes ate a propria Re.

O tempo de cadeia em Marrocos fora uma das maiores licoes de vida que ela podia ter tido onde aprendera varias coisas inclusivamente a cozinhar cuscus e outros pratos populares de Marrocos como os tajines que veio a saber tinham tantas formas de serem feitas como o bacalhau em Portugal.

Ana Silva em Marrocos sentia que era um pouco protegida, por ser das mais novas presidiarias que se encontrava ali e pelo seu comportamento ser exemplar. Ana Silva acordava de manha e ia para a lavandaria da cadeia trabalhar ou ajudar nas limpezas e depois ia para a cozinha ajudar no trabalho de cozinhar e lavar pratos.

A portuguesa nos momentos de maior reflexao pensava o quanto util tinha sido aquela condenacao e o quanto valor tinham as coisas banais da vida que por serem tao banais muitos nem lhes davam importancia. Ana Silva agora pensava que a liberdade era o bem mais precioso que se podia ter e so quando se perdia essa mesma fortuna e que se sentia a falta que ela fazia.

O tempo de condenacao em Marrocos chegara ao fim e na despedida fora-lhe feita uma pequena festa. Ana iria partir, estava feliz por isso por ir poder voltar a ver a mae que acabara por ser tratada muito a conta de um peditorio que fora feito apos o seu caso se tornar conhecido, iria poder voltar a ver a coisa mais importante da sua vida, o filho. Ana estava no entanto um pouco triste por saber que iria partir e nao iria ver novamente todos os dias algumas das amigas que fizera durante o tempo que tivera ali a cumprir parte da pena a que fora condenada e triste porque sabia que a vinda para Portugal nao significava para ja a liberdade, tinha ainda quatro anos e meio de pena para cumprir que podiam e iriam certamente ficar reduzidos a metade devido a bom comportamento.

Ana Silva sabia que quando chegasse a hora da liberdade algumas coisas iriam ser dificeis porque uma ex-presidiaria era sempre uma ex-presidiaria e para alguns mesmo sendo uma ex isto, uma ex aquilo continuava a se-lo. Algumas mentes humanas pareciam ter ficado paradas no tempo ou eram incapazes de aceitar que as pessoas podiam mudar.

Ja em Portugal Ana Silva enquanto ainda estava a cumprir pena a jovem optou por fazer um apelo e voltar a estudar, havia deixado de estudar a alguns anos atras por falta de condicoes quando estava no terceiro ano da faculdade e a ideia de voltar a estudar fora algo que nunca lhe deixara de passar pela ideia. Primeiro foram as dificuldades dos pais para a manter a estudar, depois foi o relacionamento amoroso falhado, a gravidez, o filho, tudo o resto e finalmente a prisao, a condenacao e o estar ainda ali a cumprir pena.

Nao era facil para a jovem ser todos os dias transportada na carrinha do presidio para a faculdade, ter os guardas quase sempre ao seu lado e ser olhada pelos colegas com desconfianca, margenalizada e posta de parte mas isso fora so inicialmente. As suas notas eram as melhores e como o seu caso fora muito destacado pela imprensa ela tornara-se conhecida e claro os colegas sabiam as razoes dela estar naquela situacao, acabaram por aceita-la e ja no final do ultimo ano ela era um verdadeiro caso de popularidade entre alguns estudantes.

O curso estava terminado e a condenacao quase cumprida, apesar de tudo optara por nao pedir a saida mais cedo por bom comportamento. Nao queria ser tratada de modo diferente, cometera um crime, fora condenada justamente e queria pagar pelo seu erro ate ao ultimo dia da sua condenancao. Queria agora que terminara o seu curso especializar-se em Direito Internacional, sobretudo Direito Humanitario para poder ajudar em casos como fora o seu.

Era o seu ultimo dia ali, no dia seguinte estaria em casa, muita coisa seria diferente. Ela era uma Advogada, um ex-reclusa mas Advogada tambem, a mae apesar da idade continuava fazendo uma vida normal e o filho de dez anos quando ela fora presa e condenada e era ja um estudante do liceu a iniciar-se no decimo ano e a querer seguir as pegadas da mae.

Passara aquele portao, atravessara aquele muro pela ultima vez e como em tantas outras nao tinha ninguem a sua espera segundo imaginara mas tinha.

Fernando o pai de Andre, o seu filho. O mesmo Fernando que a abandonara quando ela estava gravida e que caira no mundo das drogas estava ali, a sua espera, parecia de facto ser outro homem, tao diferente.

Fernando, o mesmo Fernando que ela amara e depois dele nao se relacionara com mais ninguem estava ali junto dela num carro desportivo, bem vestido, com um ramo de rosas vermelhas a sua espera, a apelar o seu perdao de joelhos. Tambem o seu antigo namorado e amor de toda a vida dera a volta por cima deixara o mundo das drogas, imigrara, comecara a trabalhar e voltara a estudar, agora era Medico Psiquiatra num hospital na Alemanha mas queria voltar a Portugal.

Para Ana era dificil esquecer tudo o que Fernando fizera mas todos os dias, todo o momento ele mostrava o seu arrependimento, Fernando conquistara o amor do filho e a simpatia da mae dela mas havia o receio de tudo se repetir embora aparentemente isso fosse impossivel de acontecer. Fernando esta 16 anos mais velho, tinha errado tal como ela, tal como a mesma tambem ele pagara pelo seu erro, tal como ela tambem ele merecia ser perdoado mas isso significaria realizar o seu sonho de ambos casarem e terem uma vida em comum. Todos lhe diziam porque nao? Voces formam um casal maravilhoso? Tem um filho em comum?

Ela estava decidida, ia aceita-lo de volta em experiencia, talvez dois anos depois viessem a casar. Fernando aceitou as suas condicoes e estava a preparar-se para mudar-se para casa dela e da mae dela mas naquele dia era sabado e naquele dia ele foi a sua casa mas nao levara nada das coisas para se mudar tinha combinado com Artur leva-lo a bola como ele ja tantas vezes pedira ao pai e iam ver entao um Benfica-Porto, depois do jogo Fernando queria ir jantar com o filho irem ao cinema ou algo assim e terem uma conversa de homem-para-homem Fernando fora conquistando o filho, pedira perdao a Ana Silva mas sentia que era altura de pedir perdao ao filho, explicar-lhe as suas razoes, porque fizera as coisas assim, dizer-lhe o quanto estava arrependido e tudo mais. Fernando sabia que nao era facil uma crianca ver os colegas gozarem-lhe por ele nao ter pai seria Artur capaz de o perdoar por isso?

Ana Silva por saber das intencoes de Fernando nao quis ir com eles achava que era melhor eles falarem sozinhos alem que tinha muitas coisas para ir fazer, tinha uma causa para estudar, compras para fazer e arrumar a casa.

Pai e filho estavam realmente a demorar-se mas ela ligara a Fernando e estava tudo bem entretanto queria fumar um cigarro e fora ate a janela quando viu dois vultos pareciam lutar mas nao, era ainda pior, um vulto arrastava o outro a forca para um beco escuro tapando a boca e impedindo-o de gritar. Aparentemente parecia um caso de tentativa de violacao ela queria ligar para a policia mas entretanto viu que Fernando estava a chegar de carro e tambem se apercebera de algo estranho. Fernando e Artur corriam agora para junto do agressor e ela nao podia ficar ali impavida e serena a assistir a tudo.

Fernando lutava agora com um homem, o agressor, enquanto Artur procurava saber se a vitima estava bem e os vizinhos ja haviam chamado a policia.

Tudo estava bem quando terminava bem Fernando estava ferido mas nada de grave o agresor ficara bem pior e a policia ja o havia levado e Fernando estava a ser transportado para uma ambulancia. Artur olhava o pai com os olhos de quem olhava para um heroi e ela estava cada vez mais certa de que aquele era o homem com que ela queria fazer uma vida e terminar os seus dias. Ja no hospital quando pode falar com Fernando as palavras do mesmo foram:

- Eu tinha matado aquele filho da puta se ele tivesse feito alguma coisa de mal a ti, juro que tinha.

Abracaram-se os dois e nem se aperceberam que entretanto Artur se juntara a eles. Pai, mae e filho pensavam todos a mesma coisa, que bom era estarem ali todos naquele abraco e serem uma familia feliz quando tinham sido outrora uma familia destruida.

                                                                                                            Manuel Goncalves




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