Página

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Amor de Verdade



Um erro podia alterar toda a vida e era bem verdade, assim se sentia ele, Rui Jorge dentro daquele vazio imenso em que se tornara a sua vida desde o inicio da sua doenca e que lhe custara muitas horas de recuperacao embora a mesma nao fosse total, nunca seriam os medicos nunca lhe tinham enganado e que lhe custara ate mesmo o proprio divorcio.

Nao era facil viver com Esclerose Multipla como ele vivia a ja quase dez anos sozinho tinha apenas a companhia de uma Empregada, mulher a dias, como muitos lhe chamavam que lhe vinha limpar o apartamento quinzenalmente e uma vizinha com quem tinha combinado ela fazer-lhe as refeicoes e ir-lhe leva-las a casa, nada de muito exigente ja que era mesmo a vizinha da porta ao lado, Rui Jorge apesar de tudo nao vivia com dificuldades financeiras isso devido ao seu talento para escrever letras para cancoes e somente vivia melhor tambem porquena doenca so o impedira de andar, de se movimentar tao a vontade.


Rui Jorge era raro o dia que nao recordava os seus dias de gloria como Vocalista e Guitarrista daquela que era no seu tempo de gloria considerada uma das melhores bandas de Rock portuguesas no entanto mesmo nos momentos de descanso e pausa comecou a acusar alguma fadiga, fraqueza muscular e algumas dores sem aparente razao. Consultou os melhores especialistas que estavam ao seu alcance e o diagonostico foi aterrador, o seu sonho estava destruido, ele estava com Esclerose Multipla e rapidamente se viu preso a uma cadeira de rodas e impedido de continuar a sua carreira de Musico, Cantor, Vocalista chamassem o que lhe chamassem.

Foi como cair do Paraiso e aterrar no Inferno, sentia-se como se o tivessem morto e ele continuasse vivo. Afastou-se da vida publica e de tudo o que o rodeava, virou as costas aos fas que o apoiavam e socialmente deixou de existir, divorciou-se e esteve isolado de tudo e todos no seu apartamento de luxo em Lisboa, depois comprou uma pequena casa numa aldeia de pescadores e era ali junto a sua janela que via todos os dias o mar que tantas vezes o inspirava nas suas novas cancoes que nao tinha coragem de apresentar ao mundo.

A paragem no trabalho estava-lhe a custar algumas dificuldades financeiras sobretudo porque os negocios em que investira estavam a passar por dificuldades sobretudo por causa da crise. Um dia durante um dos seus passeios ganhara coragem e considerara que era tempo de enfrentar o mundo gostassem eles ou nao do novo Rui Jorge que se movimentava numa cadeira de rodas e que agora era apenas um Compositor e Letrista.

Ele nao queria que o viessem como um coitadinho, deficiente fisico que estava acabado mas sentia que o iriam ve-lo melhor agora do que estando fechado e isolado do mundo alem do mais tinha que trabalhar para nao ter que comecar a vender parte do seu patrimonio pessoal para sobreviver. Estava decidido iria mudar o contorno das coisas ate entao e se ate ao momento desde a muito o apartamento do Parque das Nacoes em Lisboa era so para ferias e curtas estadias passaria a ser a sua residencia enquanto a casa da Praia dos Pescadores na Costa da Caparica passaria a ser para ferias.

A chegada a Lisboa nao fora nada do outro mundo, ele conseguia caminhar por breves instantes sem a cadeira de rodas mas mesmo asism o predio onde morava tinha elevador e acessibilidades para deficientes fisicos e acreditava que tudo se arranjaria com o tempo. Sentia-se contente varios amigos musicos e cantores mal souberam do seu regresso ao mundo da musica contactaram-no a dizer-lhe que ele lhes tinha que escrever uma cancao. Tinha amigos, afinal ainda tinha amigos e nao apenas velhos conhecidos, havia uma pequena diferenca entre ambos os velhos conhecidos e os amigos e ele sabia bem quem eram uns e outros.

Os amigos foram aqueles que o tinham apoiado na altura do inicio da doenca quando ate a mulher o abandonara e lhe pedira o divorcio, os amigos eram aqueles que o iam visitar ao hospital que haviam estado ao seu lado e que depois o visitavam na casa da Costa da Caparica e lhe iam trazendo as noticias do mundo da musica que ainda nao tinham chegado aos ouvidos dos mega e da imprensa e lhe falavam dos antigos companheiros, musicos, amigos e antigos colegas de profissao.

Rui olhou a janela do seu apartamento e viu como as coisas pouco tinham mudado em pouco mais de dez anos a mesma janela enorme que lhe mostrava o Rio Tejo e as duas pontes que atravessam o mesmo. A noite o Compositor gostava de ficar a olhar la para os lados de Almada e ia idealizando letras para cancoes olhando o Cristo Rei.

Os amigos estavam a preparar-lhe uma festa de regresso que passava por um concerto de homenagem e para que soubessem ou sentissem que ele estava de volta e dai para a frente fosse o que Deus quisesse.

O Compositor estava contente com o resultado das cancoes que escrevera iriam ser interpretadas pelas melhores vozes da musica portuguesa e sentia que a sua vida estava-se organizando novamente ate mesmo a ex-mulher voltara a dar noticias e visitava-o as vezes naquele que fora o antigo lar de ambos. Rui sentia agora que tinha a vida organizada mas a casa estava um pandemonio, ele nao tinha tempo para organizar ali as coisas e a saude, o seu estado fisico tambem nao lhe permitiam fazer muita coisa. Iria entao contratar uma Empregada para lhe limpar, arrumar a casa e talvez ate cozinhar.

Rui era um homem romantico, sentimental mas um pouco reservado e nao gostava de mostrar emocoes fortes em publico pelo que fora uma surpresa ve-lo chorar quando no fim do concerto o levaram ao palco e a sala quase ia abaixo com o forte estrondoso aplauso. Rui Jorge o Compositor das cancoes romanticas finalmente dava a cara e nada tinha a ver com o antigo Cantor e Vocalista de uma Banda de Rock, toda a gente mudava, Rui Jorge tambem tinha esse direito.

A vizinha cumprira com o que lhe prometera e la lhe trouxera a sobrinha que andava desesperada a procura de trabalho depois de ter vindo da terra sem qualquer carta de recomendacao, eram os efeitos do risco de quem vinha com uma mao a frente e outra atras a procura de uma vida melhor e que muitas vezes nao conseguiam la chegar e voltavam ao ponto de partida mas com Fernanda isso nao iria acontecer, para Rui Jorge pareceu-lhe ser a pessoa certa desde o primeiro momento.

Fernanda era uma moca de vinte anos, tinha entao praticamente idade para ser filha de Rui Jorge mas na realidade nao o era mas ele praticamente desde sempre a tratara como tal, Fernanda em poucas semanas era uma das pessoas mais intimas e proximas de Rui Jorge embora ele nao tivesse muitos amigos tinha realmente muitos conhecidos. A jovem para alem de trabalhar procurava continuar os estudos do Ensino Secundario e entrar para a faculdade.

Rui Jorge tinha por habito sair ao final da tarde dar um passeio pelo Parque das Nacoes, zona onde vivia, Fernanda acompanhava-o empurrando a cadeira de rodas e quando ele tinha tempo e vontade iam ate Cascais e Sintra. Ele era romantico sem duvida, ela sentia-o somente nao sabia porque ele procurava desviar o assunto quando se falava de sentimentos, de amor e paixao era como se nunca se tivesse apaixonado, como se nunca tivesse amado no entanto Fernanda sentia que nao era bem assim.

Ele tinha momentos unicos em que parecia ser outra pessoa depois voltava a fechar-se. Nao se esquecera de quando ele pedira a um Cantor para quem tinha escrito varias cancoes para ir cantar para ela na mesa do restaurante onde foram celebrar o aniversario dela e ali tudo bem mas quando chegara a casa Rui Jorge voltara nao a ser frio de todo mas a fechar-se no seu mundo e quando ele o fazia era dificil tira-lo de la, do seu mundo onde precisava apenas de uma caneta e papel.

Um dia Rui fez uma verdadeira surpresa a Fernanda, pediu-lhe que se sentasse, frente a ela em menos de vinte minutos escreveu uma cancao que veio a ser uma famosa balada romantica, Fernanda, nao podia deixar de ser o nome da mesma e todos tinham a certeza de que aquilo ainda ia dar em algo serio entre os dois apesar dos vinte anos de diferenca mas o feitio de Rui nao ajudava ao desenvolvimento e tambem Fernanda tinha uma relacao amorosa com outra pessoa.

O inevitavel acontecera uma certa noite em que estavam os dois carentes. Rui acusava o peso da solidao e Fernanda estava stressada por a relacao amorosa estar em crise e isso custava-lhe imenso mas sabia que todos os casais de namorados passavam por isso. A vida nao era um mar de rosas, podia ate ter muitas rosas mas continha imensos espinhos tambem. Estavam ali tao perto um do outro, sozinhos naquela noite quente e acabaram por se envolver emocionalmente e na cama a fazerem amor. Na manha seguinte nao se sabia o qual se sentia pior as carencias de ambos nao podiam terminar daquela forma, dialogaram abertamente e resolveram esquecer o assunto. Fernanda sentia-se pior porque tinha feito amor com Rui na noite anterior na manha do dia que antecedera a essa noite tivera um momento intimo com o namorado tambem, que especie de mulher seria aquela, perguntava a sua conciencia?

Fernanda atendeu o telemovel naquele final de manha e perdera a forca nas pernas caira no sofa mesmo em frente a Rui desatara a chorar num pranto e quando conseguiu falar somente lhe pediu para se ir embora, nao estava em condicoes de continuar a trabalhar naquele dia. Rui aproveitara aquela calma e inspiracao que estava a sentir ate ao momento para escrever mais uma letra para um amigo Cantor, aquele era mesmo amigo nao era apenas um conhecido e quis saber o que se passava e foi preciso fazer um enorme esforco para arrancar de Fernanda o que acontecera para ela ter ficado naquele estado.

Ricardo o seu namorado tinha morrido num acidente de carro naquela noite e toda a familia estava destrocada no hospital, era para la que ela tinha de ir e fora para la que o proprio Rui Jorge a levara e onde ficou junto de Fernanda naquele momento tao dificil.

Rui Jorge ao saber que as condicoes da familia do falecido namorado da sua Empregada Domestica nao eram as melhores pagou por inteiro todas as despesas do funeral do rapaz que curiosamente nem ele proprio conhecera alguma vez na vida. No seu intimo pessoal sem jamais ter revelado isso Rui sentira sempre ciumes de Ricardo.

Rui nao escondia ja que sentia algo especial por Fernanda mas ela em vez de ficar feliz com isso apesar da perda recente do seu namorado, primeiro namorado, andava diferente, evitava, agora era ela que evitava Rui Jorge e ja iam dois meses desde que Ricardo morrera. Chegou uma altura em que tiveram que falar e Fernanda dera o primeiro passo para que isso acontecesse, afinal agora, o problema estava com ela!

Gravida! Fernanda estava gravida. Pelas contas e calculos da jovem a mesma ficara gravida na mesma altura que fizera amor com Ricardo de manha e com Rui a noite, so os testes podiam confirmar entao quem era o pai.

A situacao nao estava nada facil se Rui fosse o pai Fernanda nao podia dizer que o bebe era filho de Ricardo mas iria mostrar que fora um pouco leviana e que traira o mesmo com o patrao por outro lado seria triste se Rui nao fosse o pai a crianca ser criada sem um pai porem nesse ponto Rui decidira que fosse qual fosse o resultado mesmo que fosse como tipo de padrinho, tio ou qualquer coisa do genero ele iria criar aquela crianca como se fosse seu filho.

Ainda nao tinham falado nisso mas ambos pensavam que nao podiam esconder mais os sentimentos e fosse qual fosse o resultado queriam ficar juntos, comecar uma nova vida pelo que ambos consideravam que era bem melhor que o bebe fosse de Rui, desejavam que fosse apesar de terem que assumir que haviam cometido um certo erro num momento de carencia e que aquele bebe nao era de quem se considerava que fosse.

Rui estava um pouco isolado naqueles dias que esperavam pelo resultado dos testes e Fernanda impaciente. O Compositor fora dar um passeio, mais um, ate a beira do rio ali mesmo perto de casa e pensar na vida. No seu entender mesmo que o bebe nao fosse seu sentia que queria ficar com Fernanda do seu lado, sentia que ela era a mulher da sua vida embora fosse vinte anos mais nova, tudo se arranjava, tudo era possivel so a morte nao tinha solucao e ele ate ja provara que mesmo precisando daquela cadeira de rodas para se deslocar melhor podia fazer uma vida normal. Fernanda estava ali agora ao seu lado, fora ao seu encontro, conhecia-o e sabia que ele so podia estar ali.

Os primeiros sinais da gravidez ja se comecavam a notar e o resultado dos testes sairia ja iam quase em quinze semanas de gravidez mas aquele teste so podia ser realizado a partir da decima segunda semana porem daria com toda a certeza quem era o pai da crianca mesmo antes da mesma nascer. A manha estava passada era altura de irem almocar.

Rui ganhara coragem e falara abertamente com Fernanda durante o almoco. Fosse qual fosse o resultado do teste ele queria que a crianca mesmo que nao fosse sua tivesse o seu nome alem de gostar imenso que ela aceitasse casar com ele, isso se fosse a vontade dela claro.

Fernanda confessou que sempre sentira um carinho especial por ele, que se foi tornando cada vez mais forte desde que Ricardo morrera mas que era melhor nao fazer planos. Era melhor viver um dia de cada vez e o futuro ajudaria a solucionar tudo. Agora primeiro que tudo era preciso saber-se os resultados do teste de DNA e depois esperar que o bebe nascesse, sorriram, Fernanda confessou que sentia uma certa fobia a ideia de vir a casar de barriga grande.

Sairam ambos da clinica ja com os resultados no envelope e combinaram abri-lo so quando chegassem a casa ambos ja nao se importavam com o resultado do teste mas preferiam que o pai do bebe fosse Rui Jorge. Sabiam que isso era mais dificil mas nao impossivel. Rui e Fernanda so haviam feito sexo uma unica vez enquanto ela fazia com Ricardo embora nao com muita regularidade bastantes mais vezes por isso consideravam menores as probilidades de Rui ser o pai.

Seria um desgosto para Rui imaginou Fernanda se aquele filho, ja se sabia era rapaz. Rui ja mandara decorar um dos quartos para o bebe com toda a mobilia nova, comprara um verdadeiro enxoval com tudo do melhor, um carrinho de bebe dos mais caros e seguros comprara tudo sem olhar a despesas, comprara ate ja uma cadeira para colocar no banco de tras do carro. Fernanda sabia que Rui aceitaria, daria o seu nome a mesma aquela crianca mesmo que nao fosse sua mas sabia que ambos sentiam melhor que fosse filho legitimo de ambos em vez de apenas um. Uma crianca precisava de amor, precisava de um pai presente e Ricardo ja nao estava entre eles.

A ansiedade era enorme quem seria o pai? Fernanda recordara que fizera amor com Rui sem proteccao e que com Ricardo sempre usara o preservativo mas o mesmo ficara roto pelo menos uma vez, foram momentos muito proximos e ela tambem nao podia saber em que momento realmente ficara gravida, tinha sido um mes confuso e tivera problemas com Ricardo, voltaram a fazer as pazes, entretanto fizera amor com Rui e por fim Ricardo morrera. Tudo no espaco de um mes.

Rui e Fernanda combinaram abrir o envelope juntos mas ja que era ela que estava gravida e com o bebe na barriga que iria olhar a carta pela primeira vez e ler o resultado fosse qual fosse o mesmo. Abracaram-se e respiraram fundo, Rui sentia que estava preparado para tudo mesmo para nao ser o pai verdadeiro daquele filho que ele tanto queria que fosse seu e que iria te-lo como tal mesmo que nao fosse assim.

Fernanda olhou o resultado do teste e leu o mesmo em silencio, sorriu, olhou para Rui e felicitou o mesmo, ele, iria ser o pai do seu filho, o pai verdadeiro do seu bebe. O mesmo era fruto daquela noite de amor em que ambos estavam carentes e agora tinham ali algo que ambos desejavam e queriam depois de terem mesmo combinado que o que acontecera naquela noite nao se podia voltar a repetir tinham voltado com a palavra atras e consideravam que o que acontecera naquela noite fora a melhor coisa que lhes podia ter acontecido. Era lindo sentirem que o amor deles era um amor verdadeiro, ou talvez, um amor de verdade.

                                                                                                       Manuel Goncalves









Sem comentários:

Enviar um comentário