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quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Barriga de Aluguer (Mae Coragem)

 
                                           
Era um casal feliz mas faltava-lhes algo, talvez o mais importante... Um filho. Era tudo o que mais queriam mas nao era de todo possivel devido a profissao dela e o facto de uma gravidez a ir prejudicar profissionalmente, estava mesmo exposto no seu contrato de trabalho que a gravidez nao lhe era possivel devido aos comprimissos profissionais que tinha para com o seu clube.

Ela era Atleta de Natacao no melhor clube de Natacao em Portugal e o marido era o seu Treinador particular pago pela Federacao Portuguesa de Natacao. Irina Popov tinha atravessado a Europa para vir competir naquele clube que lhe oferecia um bom salario e muitas boas condicoes de vida alem de ser uma boa opcao para a sua carreira.


 Conseguiam ser felizes sobretudo porque conseguiam nao levar os problemas conjugais normais de um casal para o trabalho e muito menos levar os problemas do trabalho para casa. Eram um casal unido e feliz que raramente eram vistos num evento publico em separado ou com cara de quem estava de costas voltadas.

Feliciano nao fazia distincoes entre a esposa e as outras atletas que treinava na forma como as tratava nos treinos e fazia a sua preparacao psicologica. Dizia para Irina que a mesma era igual as outras e o que ele mandava as outras fazerem ela tinha de fazer tambem. Irina nao sabia anteriormente o que era estar a dar as primeiras bracadas na piscina olimpica do clube as cinco da manha e sobretudo ter de acordar as tres para estar ali aquela hora da manha duas vezes por semana.

O forte do Treinador era sem duvida a preparacao fisica que criava nas suas atletas que passava por muito trabalho no ginasio e terminava o seu metodo de treino com uma forte preparacao psicologica, para ele quando se estava em competicao nao se podia pensar em segundo lugar, esse era o primeiro a contar dos ultimos.

Em casa o clima era diferente Feliciano era romantico, carinhoso era um marido que longe de ser um pau mandado da mulher era no entanto bastante acessivel. Mantinham as coisas separadas se no dia-a-dia na rotina do trabalho e dos treino podia haver gritos e discussoes entre outros desentendimentos nada do que se passava nos treinos e na competicao era levado para casa da mesma forma que nos treinos nada era levado de casa... nem o marido sequer. Ali ele definitivamente nao era marido dela, somente seu Treinador.

A ideia de terem um filho despertava cada dia de forma mais forte mas sabiam que de momento era quase que impossivel. Se engravidasse ela deixaria de poder competir e ele de poder treinar estavam com uma boa condicao de vida mas a sua sobrevivencia continuava pendente e dependente do trabalho como era na maioria das pessoas. Tinham finalmente encontrado o que consideravam ser a melhor opcao ou seja arranjarem uma barriga de aluguer onde fosse implantado um ovulo fruto de ambos.

A escolha era dificil nao queriam no entanto que fosse uma qualquer embora a vontade de terem um filho para criar fosse muita. O processo em Portugal era caro e nao era totalmente no entanto podiam ir ao estrangeiro onde na Ucrania algumas mulheres levavam por isso menos de trinta mil euros, era uma hipotese.

Foi Irina que pensou nela em uma conversa que teve com a mesma e ficou a saber o quanto a mulher a dias que lhe ia fazer a limpeza da casa e passar a roupa a ferro sofria e passava para poder pagar os estudos na faculdade e ajudar os pais. Era a pessoa certa.

Deolinda era jovem, nao tinha namorado, era uma pessoa saudavel e sobretudo estava ja ligada a eles Irina so a pouco tempo pensara nela porque sentia um pouco de ciumes dela como de todas as outras mulheres que se podiam aproximar um pouco de Feliciano mas isso era algo ultrapassavel no momento tendo em conta as razoes e motivos que os podia levar a tomar aquele passo tudo era aceitavel a rapariga ja demostrara ser uma pessoa de confianca e o marido ja lhe demostrara e provara que so tinha olhos para ela.

A jovem era pobre e muito humilde mas inicialmente estava longe de aceitar tal ideia e proposta. Era algo legal mas nao em Portugal e parecia-lhe indecente uma mulher parir um filho mesmo que geneticamente e biologicamente nao fosse seu e depois o entregasse em troca de uma boa quantia aos seus pais biologicos. Era mostruoso uma mae, mesmo que de aluguer, depois de ter um filho nao quisesse saber mais do mesmo. Era uma boa quantia mas ela nao a podia aceitar, nenhum dinheiro do Mundo valia o que lhe estavam a pedir.

Irina e Feliciano depois de muitas negociacoes conseguiram convencer Deolinda. O bebe iria ficar com os pais biologicos mas iria saber de toda a historia logo que tivesse capacidade para entender isso e igualmente iria saber quem tinha sido a mulher que o ajudara a gerar. O acordo estava feito por razoes de seguranca Deolinda exigiu algo assinado tipo um contrato de comprimisso e so depois aceitaria ir para Londres para a clinica onde todo o processo de ovulacao e fecundacao seria realizado assim como a inseminacao artificial fosse realizada.

Eram cinquenta mil euros que a jovem iria receber o que lhe garantia e asseguraria de uma vez por todas que iria poder terminar os estudos na faculdade assim como ajudar os pais com as despesas da casa e garantir alguma independencia da sua parte mas continuava a achar que sendo ela a parir a crianca o filho era como se fosse seu mesmo que nao fosse ela a mae biologica tinha a certeza de que nao ia amar mais um filho biologico seu do que iria amar aquele que aceitara ajudar a vir ao Mundo.

Os pais tinham apoiado a sua decisao e caso contrario e que ela jamais aceitaria ir em frente por dinheiro nenhum do Mundo. Ela que tivera somente tres namorados ate entao e somente com o unico tivera relacoes sexuais o primeiro ela nem consentira que o mesmo lhe apalpasse os seios por cima da roupa. O ultimo namorado tinha sido o seu grande amor e a sua perda o maior desgosto que tivera, a dor que mais lamentava alguma vez ter passado. Era lamentavel que alguem com um coracao tao bondoso tivesse igualmente um coracao doente que acabaria por leva-lo para longe de si e do seu proprio Mundo.

A morte do namorado tirara-lhe o direito de amar, o direito de ser feliz. Amava aquele homem e ficara com ele ate ao ultimo minuto de vida, estavam de maos dadas quando ele sorriu e deu o ultimo suspiro, como um anjo, que era, fechou os olhos e morreu.

Deolinda refugiou-se, isolou-se do Mundo ficou fechada em casa, trancada no quarto e so os pais e familiares mais proximos conseguiam chegar-se junto dela, fora os tempos mais dificeis da sua vida. O problema nao estava apenas no facto de sentir a falta do namorado mas o facto de somente conseguir recordar os bons momentos que passara com o mesmo, sentir a falta desses tempos e saber que nao iria te-los mais porque o namorado ja ca nao estava e nem se podia voltar atras.

O tempo foi passando e a muito custo ela comecou novamente a socializar-se com a sociedade em geral. Nao ia para noitadas, nao frequentava mais discotecas como fazia anteriormente mas comecou a dedicar algum do seu tempo a ajudar nos servicos da paroquia, na catequese e quando todos comecavam a pensar que a jovem se iria tornar Freira ela confidenciara que tal nao fazia parte dos seus planos, nao seria capaz de se entregar a Cristo quando ainda amava alguem que ja nao estava entre eles. Voltou a estudar, entrara na faculdade e fazia uma vida normal embora com poucos amigos e sem grandes convivios ate que agora lhe apareciam Irina e Feliciano com aquela proposta.

O tratamento de inseminacao fora feito em Londres e tudo correra bem. Mal a gravidez se confirmou Deolinda recebera metade do que havia sido acordado entre ambas as partes o restante que era a outra metade ser-lhe-ia entregue quando a crianca nascesse e ela a entregasse aos pais biologicos.

Nos ultimos meses e ja nas ultimas semanas de gravidez Deolinda comecara a pensar ainda com mais intensidade o que sempre pensara. Nenhum dinheiro do Mundo valia a entrega daquele bebe que ela trazia no seu ventre fosse seu filho biologico ou nao. Sabia que iria ter problemas se nao cumprisse com a parte dela no acordo de entregar a crianca aos pais biologicos quando a mesma nascesse e que isso lhe iria causar uma luta com os pais biologicos na justica e em Tribunal, sabia igualmente que as chances de a mesma ganhar eram completamente nulas. Ela estava ciente do acito que estava a praticar desde o inicio e isso estava bem explicito no acordo que assinara com os Feliciano e Irina.

Todos estavam impacientes pela chegada da hora em que a crianca iria nascer. A familia de Deolinda acompanhara-a passo e passo os ultimos momentos e dias de gravidez. Feliciano e Irina estavam tambem sempre presentes mas a familia dos mesmos nem por isso. A familia do pai estava muito desligada dele, cada um para o seu lado e so se conseguiam reunir nos natais, pascoa e aniversarios para um Jantar de familia.

Era chegada a hora e Deolinda foi levada para o hospital para ter a crianca. Feliciano e Irina seguiram o mesmo destino mal lhes fora comunicado o mesmo acontecimento. Era a alegria, felicidade de ir buscar o filho, ve-lo nascer daquela forma tao especial mas ao mesmo tempo era os nervos que se acumulavam naquele momento, tambem eles sabiam de que Deolinda podia recuar na ultima da hora mas sabiam que nao tinha condicoes para isso, seria obrigada desde logo a devolver-lhes o dinheiro que ja lhe havia sido pago.

No hospital agora para alem dos casos de rotina no banco de urgencias era o parto de Deolinda que estava a ocupar uma equipa de medicos e o mesmo parto nao estava a ser facil e tinham surgido algumas complicacoes. Era tambem uma correria de medicos e enfermeiros pelos corredores ao saber-se do acidente que houvera numa das avenidas principais de Lisboa em que um carro em fuga a Policia provocara um enorme acidente a envolver varias vitimas pedestres e de viaturas de carros ligeiros. Para os medicos, enfermeiros e pessoal auxiliar aquilo era ja uma situacao quase normal mas para quem viesse de fora so ia ver aquilo com normalidade por se encontrar no hospital. Haviam varias vitimas com ferimentos ligeiros, outros mais graves e pior que tudo uma quantidade em pequeno numero de vitimas mortais.

O parto de Deolinda chegara ao fim apesar das complicacoes a crianca nascera forte e saudavel mas devido as dificuldades do parto ficou-se logo ali a saber que Deolinda nao iria poder ter mais filhos pelo menos de forma natural. A familia lamentava o sucedido ao ponto de so poucas horas depois do parto terem comecado a estranhar a falta de presenca dos pais biologicos da crianca ali naquele momento e estavam tambem incontactaveis sendo que as ultimas noticias que tinham sabido dos mesmos e que estavam a caminho do hospital.

As suspeitas eram a realidade que apesar de serem suspeitas ninguem queria acreditar ou aceitar. Feliciano e Irina eram duas das vitimas do acidente numa das principais avenidas na capital naquele dia. A esperanca que fossem vitimas com ferimentos um pouco acima dos ferimentos ligeiros foi-se perdendo e veio a noticia que ninguem queria receber. O casal que eram pais biologicos do filho que Deolinda dera a luz naquela tarde estavam entre as vitimas mortais do acidente.

Deolinda lamentara com sinceridade a morte do casal apesar de saber que nao iria receber a restante parte do dinheiro que envolvia o acordo entre ela eles, sabia igualmente que agora podia lutar pelo direito de ficar com a crianca, era tudo o que ela mais queria... agora que nao podia ter mais filhos pelo menos concebidos de forma natural.

A luta com a Justica comecara ja que alem da famila dos pais biologicos, haviam instituicoes a querer ficar com a crianca e todos reclamavam que a mae uterina nao tinha esse direito ja que fora paga para ser mae. O caso ganhara destaque na imprensa ate mesmo internacional, a propria Igreja acompanhava o caso e defendia que a crianca nao deveria ficar com a mae uterina ja que o filho geneticamente nao era seu, ela simplesmente fora paga para o ter.

O destaque que o caso estava a ter levara que um jovem Advogado acabado de se formar fosse a procura de Deolinda e se oferecesse para pegar na causa, lutar por ela com unhas e dentes e com todas as suas forcas.

Deolinda aceitara a oferta sobretudo porque o Advogado parecia ser competente e estava a desempenhar bem o seu papel e se oferecera para pegar naquela causa, apenas pela causa em si, pelo impacto que a mesma estava a ter... David oferecera os seus servicos a titulo gratuito.

O inevitavel acontecera e durante os meses de julgamento com sessoes e audiencias Deolinda e David foram-se conhecendo, tornando intimos e envolvendo-se. Ele era um anjo que lhe caira do ceu e tudo que queriam era acertar a vida de ambos depois do julgamento chegar ao fim e mantinham a esperanca da crianca ficar entregue a Deolinda por ordem do Tribunal. David conseguira reverter as coisas e depois da crianca estar a guarda de uma instituicao acabara por chegar a ordem do Tribunal que ate ao fim do julgamento e leitura da sentenca o bebe iria ficar entregue a mae uterina. A greve de fome que Deolinda fizera a porta do Ministerio da Justica ajudara em muito a que a mesma decisao fosse tomada mas mais uma vez era notavel o empenho, dedicacao e esforco de David.

David tivera um papel fora-de-serie em todas as audiencias sobretudo na ultima para se realizarem as alegacoes finais. O jovem Advogado lembrou sempre o colectivo de juizes de que Deolinda nao podia ser vista apenas como uma mulher a quem tinham alugado o utero para gerar um filho que biologicamente e geneticamente nao era seu. Fora ela que sofrera as dores do parto para trazer aquela crianca ao Mundo pondo inclusive a sua vida em risco visto que ficara quase que impossibilitada de voltar a ter filhos. Aquela crianca agora era sua, por direito de justica e dever de sociedade, aquela crianca que muitos queriam apenas por conveniencia devido ao facto de qualquer instituicao a quem a crianca fosse entregue iria ganhar muitos apoios por causa do destaque e forca que o caso tivera. Quantas maes biologicas maltratavam ou recusavam os filhos e agora aparecia uma mulher uterina que ja nao podendo entregar o filho que trouxera ao Mundo ao pais biologicos decidira ficar com ele.

No dia da leitura do acordao mais uma vez estava la a televisao e tudo que ia filmar em directo a decisao a que haviam chegado o colectivo de juizes ambos os lados pareciam estar confiantes mas ambos sabiam que so um iria levar a melhor.

Segundo o colectivo de juizes comecou por fazer referencia inicialmente Deolinda jamais poderia ser vista como mae biologica do bebe que dera a luz. Nao se podia enganar a realidade e muito menos a genetica e os lacos de sangue. Faziam no entanto igualmente referencia que por te-lo gerado mesmo antes de o ter trazido ao Mundo aquela crianca ja se haviam criado lacos emocionais que tambem nao podiam ser esquecidos. Um filho adoptivo tinha tantos direitos como um filho legitimo entao seguindo uma herarquia nao restava outra solucao aquele colectivo de juizes entregar a custodia da crianca a sua mae uterina. Estava encerrada a audiencia.

Deolinda abracou o filho, o filho que aquele colectivo de juizes decidira que agora era legalmente seu, abracou e beijou aquele que escolhera para ser o futuro marido e o pai daquela crianca. Era a alegria de quem tinha sofrido tanto, perdera a razao de viver mas nunca o tinha deixado de fazer. Agora que estava prestes a terminar o curso superior pensava em escrever um livro a contar a sua historia um exemplo de valores e coragem.

                                                                                                             Manuel Goncalves











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