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sábado, 28 de março de 2015

O Regicidio de 1 de Fevereiro de 1908



Mal esta um Governo ou Estado em que o Chefe maximo sofre um atentado e a propria vida. Nao se pode dizer que Portugal estivesse mal quando em terras lusitanas aconteceu semelhante situacao mas a verdade e que na altura o Rei comecava a nao ser desejado os republicanos estavam em forca e acabaram por conseguir os seus objectivos.

Nao se pode dizer se foi uma boa ou ma escolha a queda da monarquia a verdade e que em muitos paises aconteceu o mesmo e existe ainda aqueles em que o Rei ou Rainha nao passam de meras figuras mais sociais que politicas. Em Portugal mesmo no Estado Republicano poderiamos estar bem melhor do que estamos a questao passa entao por se passar a eleger melhores governantes mas e tudo uma questao de sorte. O regicidio de 1 de Fevereiro de 1908 foi o primeiro passo para a queda da monarquia dois anos mais tarde em 5 de Outubro de 1910 mas considero que nao foi o maior erro de Portugal.

O acontecimento deu origem a um dos mais importantes eventos da Historia de Portugal e na altura deixou o pais dividido causando quase uma verdadeira revolucao. Se os republicanos eram cada vez mais fortes sem duvida que havia muitos que preferiam continuar a venerar um Rei que partir para a incerteza do que era um Estado Republicano. O acontecimento tambem deu fim a um regime monarquico que vinha desde 1143 e que passara pela governacao de Espanha por um periodo de tempo de 60 anos entre 1580 e 1640.


O regicidio de 1 de Fevereiro de 1908, ocorrido na Praca do Comercio (na epoca mais conhecida por Terreiro do Paco) em Lisboa, marcou profundamente a Historia de Portugal uma vez que dele resultou a morte do Rei Dom Carlos e do seu filho mais velho e herdeiro do trono, o Princepe Real Dom Luis Filipe, marcando o fim de uma tentativa seria de reforma da Monarquia Constitucional e consequentemente, uma nova escalada de violencia na vida publica do Pais.

O atentado foi uma consequencia do clima de crescente tensao que perturbava o cenario politico portugues. Dois factores foram primordiais: em peimeiro lugar o caminho desde cedo tracado pelo Partido Republicano Portugues como solucao para a erosao do sistema partidario vigente, e em segundo lugar a tentativa, por parte do Rei D. Carlos como arbitro do sistema politico, papel que lhe era atribuido pela propria Constituicao, de encontrar uma solucao e solucionar os problemas que envolviam o mesmo sistema, apoiando o Partido Regenerador Liberal de Joao Franco (que viria futuramente a instaurar uma ditadura). Desde os tempos da sua formacao que o objectivo primario do Partido Republicano era o da simples substituicao do regime politico. Esta atitude teve uma quota parte de responsabilidade no crime, mas os animos foram acirrados pelo estabelecimento de uma ditadura administrativa, por parte de Joao Franco, com o apoio do Rei, em 1907.

O progressivo desgaste do sistema politico portugues, vigente desde a Regeneracao, em parte devido a erosao politica originada pela alternancia de dois partidos no poder: o Progressista e o Regenerador, agravou-se nos primeiros anos do Seculo XX quando novos partidos vieram a surgir, saidos directamente daqueles. Ja em 1901 Joao Franco, com o apoio de 25 deputados acabou por abandonar o Partido Regenerador, criando de seguida um novo partido nomeado por Partido Regenerador Liberal . Em 1905 surge a da Dissidencia Progressista, fundado por Jose Maria de  Alpoim, que entrou em ruptura com o Partido Progressista, do qual se separou com mais seis deputados eleitos pelo mesmo partido. A intensa rivalidade entre os dois partidos, agravada por odios pessoais, juntou-se a atitude e accoes criticas do Partido Republicano, contribuindo assim e muito para o descredito do regime, ja de si bastante desacreditado muito do mesmo descredito eram originarias devido as dividas da Casa Real. 

Era esta a conjuntura quando o ainda Rei D. Carlos se decidiu, finalmente, a ter uma intervencao activa no jogo politico, escolhendo a personalidade de Joao Franco para a concretizacao do sempre falhado programa de vida nova. Este, dissidente do Partido Regenerador, solicitou ao Rei o encerramento do Parlamento para poder implementar um serie de medidas com vista a uma moralizacao da vida politica. Tal pedido ja havia sido feito ao Monarca anteriormente pelos lideres dos dois partidos tradicionais, mas o Rei sempre o recusara, atendendo ao principio que o Rei reina, mas nao governa. Agora, no entanto, D. Carlos achou que era o momento de intervir, depositando toda a sua confianca no homem que julgava a altura e certo e encerrou o Parlamento.

E claro e evidente que o novo Governo jamais poderia ser bem recebido pelos que dele nao beneficiariam, pelo que se acirrou toda a oposicao desde os partidos monarquicos aos republicanos . Estes, aos quais um renovar do sistema politico monarquico retiraria algum do protagonismo, ou mesmo ate a razao de ser, passando a assumir uma nova atitude maquiavelica: Como entao dizia Brito Camacho, relativamente a Joao Franco, "havemos de obriga-lo a transigencias que rebaixam ou as violencias que comprometem". Foram sendo eficazes os ataques pessoais, de que foram alvos tanto o Rei D. Carlos como o seu homem de confianca Joao Franco, tanto da parte daqueles, como dos dissidentes progressistas, com os quais se entenderam. Vai-se aproveitar a Questao dos Adiantamentos, logo em Novembro de 1906, visando principalmente um ataque a figura do Monarca. Mobilizam-se particularmente com a questao da Greve Academica de 1907. O regicidio foi entao uma mera consequencia indirecta desta mesma estrategia.

Ja com novas eleicoes marcadas, e mais uma vez prevendo-se um resultado favoravel para o partido que estava no poder, como era costume, decidiram-se os republicanos e os dissidentes pela forca, estes apoiaram tanto indirectamente como directamente organizacoes secretas tais como a Carbonaria ou a Maconaria. Esta mesma e primeira tentativa de Colpe de Estado acaba por fracassar, devido a inconfidencia de um conspirador. No dia 28 de Janeiro de 1908 sao presos varios lideres republicanos, naquele que ficou conhecido como o Colpe do Elevador da Biblioteca. Afonso Costa um conhecido Advogado, Professor universitario, Politico republicano e Estadista portugues juntamente com o Visconde da Ribeira Brava de nome Francisco Correira de Heredia que era um Nobre, Deputado e Politico foram apanhados de armas na mao no dito elevador, conjuntamente com outros conspiradores, quando tentavam chegar a Camera Municipal. Antonio Jose de Almeida, o Dirigente Carbonario Luz Almeida, o Jornalista Joao Chagas, Joao Pinto dos Santos e tambem Alvaro Poppe contavam-se entre os noventa e tres conspiradores presos. Jose Maria de Alpoim consegue fugir para Espanha. Alguns grupos de civis armados, desconhecedores do falhanco da tentativa do colpe de estado, ainda fizeram tumultos pela cidade. Na verdade o colpe falhara mas era o primeiro indicio de que algo de pior poderia vir a acontecer no futuro nao se podendo calcular que esse pior viria a acontecer 4 dias depois.

Em resposta a este colpe, e como o proprio reflexo de um endurecer de postura por parte do regime, ate entao dominado por um exemplar fair play que permitia aos republicanos ainda estando num Estado Monarquico intervencoes livres, o Governo apresenta entao ao Rei o Decreto de 30 de Janeiro de 1908. Este apresentava uma serie de medidas duras e previa o exilio para  estrangeiro ou expulsao para as entao colonias lusas, sem julgamento, de individuos que fossem pronunciados em Tribunal por atentado a ordem publica, e tem sido durante muito tempo considerado como a principal embora nao unica causa para o regicidio que estava prestes a acontecer. Conta-se que, ao assina-lo, o Rei declarou: "Assino a minha sentenca de morte, mas os senhores assim  quiseram". E  de notar, no entanto, que o decreto, assinado a 30 de Janeiro, so foi publicado a 1 de Fevereiro coincidindo com o dia da da tragedia, porem  os preparativos para o atentado datam com certeza antes dessa data: atente-se ao testamento feito pelo Regicida Manuel Buica, datado de 28 de Janeiro.


O Rei D. Carlos, a Rainha Dª Amelia e o filho mais velho o Principe Real D. Luis Filipe encontravam-se entao em Vila Vicosa, no coracao do Alentejo, onde costumavam passar uma temporada de caca no Inverno. O filho mais novo o Infante D. Manuel havia regressado dias antes, por causa de seus estudos como Aspirante na Marinha Portuguesa. Os acontecimentos acima descritos levaram o ainda Rei D. Carlos a antecipar o seu regresso e da Familia Real a Lisboa, apanhando o comboio, na Estacao Ferroviaria de Vila Vicosa, ainda na manha de 1 de Fevereiro. Com cuidado para que a sua preocupada mae nao se aperceba, o Principe Real arma-se com seu revolver de Oficial do Exercito. Durante o trajecto da viagem de regresso o comboio sofre um pequeno acidente que passava por um ligeiro descarrilamento junto ao no ferroviario de Casa Branca. O mesmo incidente provocou um atraso de quase uma hora. A comitiva regia chegou ao Barreiro ao final da tarde, onde tomou o barco a vapor "D. Luis", que tinha como destino final apos a travessia no Rio Tejo o Terreiro do Paco, em Lisboa, onde desembarcaram, na Estacao Fluvial Sul e Sueste, por volta das cinco da tarde, onde eram esperados por varios membros do Governo, incluindo Joao Franco, alem dos Infantes D. Manuel e D. Afonso, o irmao mais novo do Rei. Apesar do clima ser de enorme tensao, o Monarca optou por seguir em carruagem aberta (se tivesse optado por uma carruagem fechada talvez tudo tivesse tido outro desfecho a queda da monarquia era algo dado como certo mas poderia ter sido em outra altura e de outra forma), envergando o uniforme de Generalissimo, para demostrar normalidade. A escolta era escasa e demasiado fraca para o momento de tensap que se atravessava e vivia resumindo-se aos batedores protocolares e a um Oficial a cavalo, Francisco Figueira Freire, ao lado da carruagem do Rei.

Ha pouca gente no Terreiro do Paco naquele final de tarde Inverno. Quando a carruagem demasiado desprotegida para a epoca de revolta politica circulava junto ao lado Ocidental da praca e ai ouve-se um tiro e logo desencadeia-se o tiroteio. Um homem de barbas, surgido da pouca gente ali presente, passada a carruagem, dirige-se para o meio da rua, leva a cara a carabina que ate entao mantinha escondida sob sua capa, poe um joelho no chao e faz pontaria. O tiro fatal e talvez o mais importante da Historia de Portugal foi certeiro e atravessou o pescoco do Rei, matando-o imediatamente. Comeca a fuzilaria: Outros atiradores, em diversos pontos da praca, atiram sobre a carruagem, que fica crivada de balas.

Os poucos populares ali presentes e que nada tinham a ver com o sucedido desatam a correr em panico, nao se preocupando de forma alguma em deter os regicidas nem socorrer as vitimas. O Condutor, Bento Caparica, e atingido numa mao. Com uma precisao e um sangue frio fora do comum, o primeiro Atirador, mais tarde identificado como Manuel Buica, um certo Professor Primaria e expulso do Exercito, voltou a disparar. O seu segundo tiro atinge e vara o ombro do Rei, cujo o corpo descai para a direita, ficando assim de costas para o lado esquerdo da carruagem. Aproveitando o mesmo facto, surge a correr vindo de debaixo das arcadas um segundo Regicida, Alfredo Costa, Empregado de Comercio e Editor de obras de escandalo, que pondo o pe sobre o estribo da carruagem, se ergue a altura dos passageiros e dispara uma vez mais sobre o Rei ja tombado e falecido.

A Rainha agora esposa do falecido Rei, ja de pe fustiga-o com a unica arma de que dispunha: um ramo de flores, gritando "Infames! Infames" O Criminoso volta-se para o Principe D. Luis Filipe, que se levanta e puxa do revolver que tinha no bolso do sobretudo, mas e atingido embora nao ainda mortalmente no peito. A bala, de pequeno calibre, nao penetra o esterno (segundo outros relatos, atravessa-lhe o pulmao, mas nao era uma ferida mortal) e o  Principe, sem hesitar, aproveitando porventura a distraccao fornecida pela actuacao inesperada da Rainha Dª Amelia sua mae, desfecha quatro tiros rapidos sobre o Atacante, que tomba da carruagem, mas ao levantar-se mais uma vez D. Luis fica na linha de tiro e o Assassino da carabina  Manuel Buica mais uma vez atira a matar: uma bala de grosso calibre atinge o Principe D. Luis na face esquerda, saindo pela nuca. D. Manuel ve o seu irmao ja tombado mortalmente e tenta estancar-lhe o sangue com um lenco, que logo fica ensopado.

A fuzilaria continua. Dª Amelia permanece de pe, gritando, suplicando e implorando por ajuda, essa mesma ajuda tarda em chegar. O Regicida Buica volta a fazer pontaria (sobre o infante? Sobre a Rainha) mas e impedido de voltar a disparar novamente sobre a carruagem e abater mais um membro da familia real se tivesse atingido D Manuel talvez os republicanos tivessem o caminho claramente aberto para formar Governo nao sendo assim tiveram que esperar mais dois anos. A intervencao de Henrique da Silva Valente, um simples Soldado da Infantaria 12, que passava no local, e que se lanca sobre Buica de maos nuas e vazias num acto heroico. Na breve luta que se segue o Soldado da Infantaria e atingido numa perna, mas a sua intervencao e providencial. Tendo voltado oseu cavalo, o Oficial Francisco Figueira carrega primeiro sobre o segundo Regicida Alfredo Costa, que ja ferido pelo Principe e atingido por um colpe de sabre e preso pela policia, e de seguida dirige-se a Manuel Buica. O mesmo ainda o consegue atingir numa perna com sua ultima bala e tenta fugir, mas Figueira com pouca ou alguma dificuldade acaba por o alcancar e imobiliza-o com uma estocada.


Com os regicidas ja imobilizados, o zelo excessivo dos policias presentes levou a que acabassem os mesmos abatidos no local (a justica popular pode ser considerada a que foi aplicada neste crime pelo que nao incluo a etiqueta Justica nesta cronica), o que viria a dificultar as posteriores investigacoes sobre o atentado. Segundo alguns relatos, Alfredo Costa ja estava completamente moribundo, mas sabe-se que Manuel Buica, mesmo estando ferido, resistiu a apreensao pela policia. Tambem, igualmente vitima da policia foi um transeunte inocente, Sabino Costa, Empregado de Ourivesaria e Monarquico, provavelmente confundido com um outro Regicida oculto entre a pouca multidao ali presente. De facto, o Condutor, a golpes de chicote, fez finalmente arrancar a carruagem virando a esquina para a Rua do Arsenal, procurando ai refugio. E nessa altura que um Atirador desconhecido ainda consegue atingir D. Manuel num braco (segundo outras versoes, o tiro de raspao atingiu-o ainda antes de a carruagem virar para a Rua do Arsenal, mas esse tiro ja nao podia partir dos dois regicidas mencionados, pois esses ja estavam detidos pela policia. O mesmo Atirador poderia ser o dito Regicida oculto entre a multidao com o qual Sabino Costa tera sido supostamente confundido). A carruagem entra no Arsenal da Marinha, onde nada mais se podia fazer senao declarar-se o obito do Rei D.Carlos e do Herdeiro do Trono. Quando o Infante D. Afonso, que havia comecado a correr desde o seu carro no fim do cortejo, chegou ao Arsenal, teve como primeiro instinto acusar o proprio Joao Franco como sendo o responsavel pela tragedia. A mae do agora falecido D. Carlos, a Rainha Dª Maria Pia foi chamada ao Arsenal, onde se encontrando agora com a Rainha viuva Dª   Amelia lhe diz desolada possivelmente entre lagrimas de enorme tristeza: "Mataram-me o meu filho"., ao que esta tera respondido com igual sentimento de tristeza: "E o meu tambem".

Julgando que se tratava de um novo golpe de estado, a populacao de Lisboa entao refugia-se em suas casas e a cidade fica deserta parecendo a capital uma cidade fantasma. Mas as tropas permanecem nos quarteis e a situacao permanece calma: o atentado nao foi de todo um sinal para o golpe, que ja havia sido frustrado anteriormente, antes o acto de quem ainda tinha armas na mao, porventura influenciados pela repressao que se previa da parte do Governo. Naquela mesma noite as rainhas e o novo Rei foram escoltadas para o Palacio das Necessidades, pois temia-se fortemente um novo atentado. Depois veio a tarefa mais dificil e macabra de levar os corpos para o palacio, o que foi feito sentando-se em duas carruagens, como se fossem vivos, a cabeca de D. Luis Filipe tombando sobre o ombro do seu tio, o Infante D. Afonso, agora o novo Principe Real. Nao foram efectuadas qualquer tipo de autopsias, sendo ambos os corpos embalsamados sob a supervisao do Medico da Casa Real, Tomas de Melo Breyner, tarefa penosa nao so pela proximidade as vitimas como tambem pelos estragos feitos pelas balas.

A Europa ficou chocada e revoltada com o regicidio, uma vez que D. Carlos era estimado pelos restantes Chefes de Estado europeus e ainda mais pelo facto de nao ser tratado de um acto isolado, mas sim uma organizacao metodica, na altura jornais de todo o mundo publicam imagens do atentado, baseadas nas descricoes, com alguns elementos mais ou menos fantasiosos, mas sendo sempre presente a imagem da Rainha Dona  Amelia, de pe, cheia de coragem ou simplesmente indiferente ao perigo, fustigando e afugentando os regicidas assassinos com um fragil ramo de flores. Em Londres, os jornais exibiam exibiam fotos das campas dos regicidas, cobertas de flores, com a legenda "Lisbon's shame". E preciso nao esquecer, para alem mesmo do proprio caracter do acto, que se tratava de uma Europa na altura maioritariamente monarquica. No entanto, no proprio pais, a reaccao nao foi aquela que era esperada, valendo do Rei da Inglaterra, Eduardo VII, amigo pessoal de D. Carlos e do Principe D. Luis Filipe, a seguinte frase: "Matam dois cavalheiros da Ordem da Jarreteira na rua como caes e la no pais deles ninguem se importa!"


Apos o atentado, pediu demissao o Governo de Joao Franco, que nao conseguira impedir a morte do Rei. De facto, a imprevidencia do Chefe de Governo cabe a maior parte das responsabilidades or falta de uma escolta adequada, ainda mais tendo em conta o contexto de um colpe anteriormente falhado, quando civis armados ainda andariam pela cidade. Joao Franco sabia-se que era alvo de ataques planeados, mas nunca desconfiou que o odio visava tambem o Rei. Presidindo ao Conselho de Estado, na tarde de dia 2, com o braco ao peito e envergando o uniforme de Aspirante da Marinha, o novo Rei D. Manuel II confessou com humildade que tinha alguma inexperiencia e falta de preparacao e pediu orientacao ao Conselho. Este mesmo poder politico votou a favor da demissao de Joao Franco e a formacao de um Governo de coligacao, a que se chamou o Governo "de Acalmacao", presidido pelo independente Contra-almirante Ferreira do Amaral. Este ministerio incluia membros tantos dos partidos Regenerador e Progressista como tambem incluia independentes, e visava fazer o pais voltar a normalidade parlamentar, acabando-se o Governo em Ditadura. De facto abandonou-se completamente a posicao de forca seguida pelo recem falecido Rei D. Carlos e pelo seu ultimo ministerio: anularam-se as medidas ditatoriais anteriormente publicadas, soltaram-se os presos politicos, amnistiaram-se os marinheiros que se haviam revoltado em 1906, e consentiu-se que se fizessem comicios republicanos em que se fazia a apologia do atentado e se considerava os assassinos benemeritos da Patria. Outro facto permitido foi a romagem de cerca de vinte e duas mil pessoas as sepulturas dos regicidas. O evento fora organizado pela a Associacao do Registo Civil, que fornecia as flores e dava alem de 500 reais a cada pessoa, 200 reais a cada crianca que aparecesse junto das mesmas campas (tudo pode parecer estranho daquilo que D. Manuel II viria a consentir mas e preciso ver-se que era um prioridade acalmar os animos e a revolta dos republicanos, evitar-se um Colpe de Estado a todo o custo assim como e preciso ver-se igualmente que para la da inexperiencia em governar por parte de D. Manuel II o mesmo tinha  somente 18 na data do atentado e antes do mesmo possivelmente nunca se imaginara vir a subir e a sentar-se no trono).

Esteve presente na Reuniao do Conselho de Estado que votou todas estas decisoes, e do qual fazia tambem ele parte do mesmo Conselho de Estado, o Marques de Soveral, tambem ele Embaixador de Portugal em Inglaterra, e que por acaso se encontrava em Portugal na altura. Proximo da Familia Real, tambem votou pela demissao de Joao Franco e pelo estabelecimento do Governo de Acalmacao. Quando, relativamente pouco tempo depois, reassumiu as suas funcoes de Embaixador e se voltou a encontrar com o Monarca britanico o Rei da Gra-Bretanha, Eduardo VII, tambem este seu amigo pessoal, o Monarca ingles brindou-o com as seguinte palavras: "Entao que raio de pais e esse, em que se mata um Rei e um Principe e a primeira coisa que se faz e demitir o ministerio? A revolucao triunfou, nao e verdade?" "Foi so entao", diria ainda mais tarde o Marques de Soveral "Que compreendim o erro que tinhamos cometido".

De facto, ao demitir-se o ministerio o regime deu aos republicanos o argumento de que so eles e que tinham acabado com a ditadura . Logo depois da hesitacao inicial, em que se chegou a propor um pacto de colaboracao com o regime, porem cedo se voltou a carga, decidindo-se em congresso o derrube pela forca do regime: Congresso de Setubal 24 e 25 de Abril de 1909. Esta mesma hesitacao deveu-se aos proprios conceitos do partido. Aos republicanos mais distintos, alguns dos quais ficaram verdadeiramente chocados pelo crime, o regicidio nao tinha qualquer tipo de interesse a menos que fosse acompanhado pelo triunfar da revolucao. Temiam a reaccao do Povo rural oriundo de uma sociedade e classe mais social mais conservadora, e estavam tambem cientes do desagrado da Inglaterra para com qualquer atentado a pessoa fisica do Rei. No entanto, nao podiam tambem virar as costas aos seus apoiantes, o povo miudo da cidade de Lisboa, ja exacerbado pela propaganda por parte dos republicanos no seu odio ao regime. Condenavam o acto, mas apenas como se fosse por obrigacao enquanto piscavam o olho ao povo que lhes enchia os comicios e se ia filiando no partido. Foi isto, mais o idolatrar dos regicidas e o recurso a violencia depois da Proclamacao da Republica, que fez cair sobre o partido as suspeitas posteriores da autoria do crime. Independentemente da questao em relacao a autoria moral, o certo e que, face a fraca reaccao, ou ate mesmo em certos casos a falta da mesma reaccao, por parte do regime, os republicanos conseguiram organizar-se nos seus propositos de derrubar pela forca o Regime Monarquico, o que viriam a conseguir pela intentona seguinte, a de 5 de Outubro de 1910. E de notar que por esta altura, e nao tendo nem voltado ao expediente da ditadura, nem evitado as suas costumes divisoes, os politicos monarquicos ja se haviam apercebido do seu erro: como consequencia deste ultimo golpe, o Governo deu a assinar ao jovem Rei um  decreto de suspensao de garantias, para poder lidar firmemente com os agitadores. Infelizmente para a monarquia essa accao foi invalidada pela vitoria republicana no golpe. Embora geralmente mal visto devido as associacoes negativas com o termo ditadura, o Governo de Joao Franco, ou um outro do genero, apresenta-se em retrospectiva como a unica solucao pratica para a situacao que ainda tentou solucionar: de notar e basta lembrar que a Primeira Republica mostrou-se ainda mais ingovernavel, e as unicas accoes reformistas efectivamente levadas a cabo pelo novo regime tiveram lugar durante a vigencia do entao Governo Provisorio, que governou, efectivamente, em ditadura.


Lancou-se um rigoroso inquerito aos acontecimentos, primeiro presidido pelos juizes Alves Ferreira e depois por Jose da Silva Monteiro e Dr. Almeida de Azevedo que ao longo dos dois anos seguintes veio a apurar que o atentado, fora cometido por membros da Carbonaria, que pretendia enfraquecer a Monarquia. O mesmo processo de investigacao estava concluido nas vesperas do 5 de Outubro, e o comeco do processo judicial estava tambem esse marcado para 25 do mesmo mes. Entretanto, tinham sido descobertos mais suspeitos do assassinato como Alberto Costa, Aquilino Ribeiro, Virgilio de Sa, Domingos Fernandes entre ainda outros. Alguns dos elementos estavam refugiados no Brasil e em Franca, e dois pelo menos foram mortos pela Carbonaria. Tod este esforco acabou por ser em vao: logo a seguir a Proclamacao da Republica, o Juiz Almeida e Azevedo entregou o referido processo ao Dr. Jose Barbosa, Membro do Governo Provisorio que o logo de seguida a Afonso Costa, Ministro da Justica do Governo Provisorio, e depois disso perdeu-se o rasto ao mesmo documento. Sabe-se que D. Manuel II, no seu exilio, recebeu uma copia, facultada por um dos juizes, Almeida de Azevedo, mas essa tambem desapareceu em consequencia de um roubo a sua residencia ocorrido pouco tempo antes de sua morte, em 2 de Julho de 1932.

Dos factos conhecidos nao se considera geralmente o assassinio do Rei como a execucao de qualquer decisao vinda dos republicanos, dos macons e da dissidencia progressista, enquanto grupos. O que nao quer de todo dizer que os mesmos grupos nao tenham de algum modo a sua quota parte de responsabilidade neste crime. Admitiram como hipotese eventual esta consequencia e nao se importaram que esta se concretizasse. Isto porque se os regicidas actuaram por sua propria iniciativa, apenas de encontravam nessa posicao por iniciativa daqueles que os mobilizaram e armaram para outros fins. Certo e que os dois abatidos no local nao eram nem os unicos ai presentes, nem os unicos implicados, como se fez crer na altura. Estudos recentes vieram trazer luz sobre os responsaveis e a sua motivacao, embora muito ainda esteja envolto em duvida. Quatro autores sao a base principal sobre os factos que se apuraram: Raul Brandao, Antonio de Albuquerque, Aquilino Ribeiro e Jose Maria Nunes. Deste quatro, os dois primeiros nao estavam envolvidos no atentado, tendo recolhido depoimento de terceiros. Raul Brandao falou com varias pessoas proximas a trama, e extraiu do Lider dos dissidentes, Jose Maria Alpoim, a seguinte confissao: "So ha duas pessoas em Portugal que sabem tudo, eu e outra (...) So eu e outro sabemos em que casa foi a reuniao, quem a presidiu e quem trocou ao Buica o revolver pela carabina". Antonio de Albuquerque, que estava exilado em Espanha apos a publicacao do seu romance difamatorio para a Familia Real "O Marques da Bacalhoa", recebeu o testemunho de Fabricio de Lemos, um dos regicidas presentes no Terreiro do Paco, e transcreveu-o no seu livro "A execucao do Rei Carlos". Aquilino Ribeiro, embora nao tenha participado directamente, esteve envolvido e conhecia nao apenas o plano mas tambem os assassinos, como deixou em testemunho na sua obra "Um escritor confessa-se". Jose Maria Nunes era tambem um dos regicidas e deixou o seu testemunho, tendencialmente auto elogioso mas no geral credivel, no escrito: "E para que?".

Destes quatro testemunhos, so o Escritor e Romancista Aquilino Ribeiro e que refere o plano de emboscar a Familia Real como tendo sido adoptado na ocasiao, derivado do plano de assassinar tambem Joao Franco, e tomado no local. Do testemunho dos outros, pode-se presumir que o plano teve lugar algures nos finais de 1907. Nesta altura, tambem Jose Maria Alpoim associa-se a Carbonaria o que leva, consecutiva e completamente, a um plano de aquisicao de armas, o plano para um levantamento revolucionario, um plano para assassinar o Primeiro-Ministro e um outro para assassinar o proprio Rei.

Estes planos, segundo o testemunho de Jose Maria Nunes, teria sido abordado e discutido pela primeira vez em Paris, no Hotel Brebant, no Boulevar Poissoniere, entao entre dois politicos portugueses e alguns revolucionarios franceses. O Regicida nao nomeia quem seriam esses mesmos politicos, nem nunca se foi capaz de identifica-los, mas os revolucionarios franceses provavelmente pertenceriam ao Movimento Anarquista Internacional, dado que o Embaixador portugues em Paris chegou a avisar que se estava preparando um plano contra a Familia Real portuguesa vindo desses mesmos sectores.

Os dissidentes foram os principais financiadores, tendo a propria Carbonaria fornecido os homens. Sabe-se que as armas usadas no regicidio foram levantadas do Armeiro de nome Goncalo Heitor Freire (Republicano e Macon) pelo Visconde da Ribeira Brava, um dos principais membros dos dissidentes.

Aquando do fracasso da intentona do Elevador da Biblioteca, estas armas, guardadas nos Armazens Leal, foram com sucesso transportadas para casa do dito Visconde, onde passariam a ficar escondidas. No rescaldo do fracasso e reaccao do Governo, sabe-se que um grupo de 18 homens se reuniu em um velho casarao de Xabregas, no dia 30 ou 31 (os testemunhos sao contraditorios contra a data precisa) onde se decidiu pelo assassinato da Familia Real.

Pelo depoimento dos dois ja citados regicidas sabe-se a identidade de 8 dos 18 membros. Destes, todos os 8 ou apenas 5 constituiam o primeiro grupo, posicionado no Terreiro do Paco: Alfredo Costa, Manuel Buica, Jose Maria Nunes, Fabricio de Lemos, Ximenes, Joaquim Monteiro, Adelino Marques e Domingos Ribeiro. O segundo grupo tomaria posicao em Santos e ainda um terceiro grupo em Alcantra, cobrindo assim todo o caminho ate ao Paco das Necessidades. Os atacantes nao esperavam sobreviver ao atentado. Manuel Buica ja havia feito o seu testamento e Alfredo Costa fez questao de pagar uma divida a um amigo. Mesmo assim, a maior parte do primeiro grupo conseguiu fugir e esconder-se entre a multidao que se juntara ali apos os tiros, e os outros grupos nao tiveram qualquer intervencao porque o atentado deu-se onde estava situado o primeiro grupo.

Pelo conjunto dos relatos pode-se concluir que o plano de matar o Rei ja existia previamente, nao de forma independente, mas como parte do plano geral da revolta. No entanto, existe ainda um factor curioso, provocado pelo descarrilamento da carruagem real ocorrido durante a viagem para Lisboa, ja referido acima. No dia do atentado que provocaria a tragedia e o proprio regicidio, pouco depois das 4 horas da tarde, a 300 km da capital, em Pinzio, perto da Guarda, dois criados de Jose Maria Alpoim, regressando de carro depois de terem transportado o seu Patrao para o exilio em Salamanca, ficam sem gasolina e sao obrigados a parar. Numa taberna local, e perante varias testemunhas, afirmam que aquela hora ja nao havia Rei em Portugal, pois o mesmo ja havia sido morto. Como poderiam saber? Tal ainda nao era verdade mas poderia mesmo se-lo ja aquela hora se o comboio nao tivesse descarrilado. Ate que ponto estava o plano ja estruturado antes do golpe do elevador como plano de recurso e ate que ponto estaria Jose Maria Alpoim envolvido nisso? Estas questoes permanecem ate aos dias de hoje sem uma resposta exacta. Embora os dois regicidas caidos tenham ficado com as maiores responsabilidades na altura, o envolvimento dos dissidentes porem nao ficou esquecido. Mal grado a sua auto-promocao depois da Implantacao da Republica, nao se conseguiram livrar do efeito negativo que a suspeita de envolvimento no regicidio lhes transmitiu, e que se nota pela alcunha de Buissidentes com que foram apodados. Jose Maria Alpoim e o Visconde da Ribeira Brava nao conseguiram singrar no novo regime. O primeiro nunca passou de Adjunto do Procurador e o ex-Visconde foi Governador Civil de Lisboa mas acabou vitima da "leva da morte" de Outubro de 1918. 


Em retrospectiva, o regicidio e geralmente considerado como  fim efectivo do regime monarquico constitucional, sendo o golpe de 5 de Outubro de 1910 apenas a sua confirmacao. Esta visao e exagerada, e possivelmente foi alimentada pelos longos anos do Estado Novo, que era adverso ao parlamentarismo (Monarquico ou Republicano), que era visto como decandente e ineficaz. Embora o acto do Regicidio tenha removido da cena um Estadista de importancia que estava em posicao de encorajar o rivitalizar do regime, e com ele o seu promissor sucessor, a questao nao ficou de imediato resolvida. O regime monarquico constituicional continuou a funcionar por mais 33 meses, sofrendo de agitacoes e carecendo de reformas, e certo, mas nao mais que anteriormente, e decerto num grau de agitacao muito menor do que a propria Primeira Republica viria a conhecer. E inegavel, no entanto, que a fraca e permissiva atitude do Governo de acalmacao funcionou como um forte incentivo para o Partido Republicano no sentido de tentar um novo golpe pela forca. Ainda assim, mais do que decidir, o regicidio adiou a questao para uma nova oportunidade. Esta viria com certeza para o regime, no rescaldo de uma nova intentona republicana falhada, mas como se veio a ver, o golpe seguinte acabou por ser vitorioso, se bem que a justa. A visao do determinismo do crime, tal como a da inevitabilidade do golpe, pode ser produto da propaganda do costume retroactiva com que os novos regimes, sobretudo os que se impoem pela forca, usam para justificar a sua existencia: Os vencedores escrevem a Historia.

Pode-se considerar portanto o regicidio de duas maneiras: ou um acontecimento natural no percurso ja decadente do regime monarquico, que acabaria por cair de qualquer maneira mais cedo ou mais tarde, tendo o atentado apenas apressado a sua conclusao que era mais do que certa, ou como o ponto de viragem que impediu as reformas que poderiam vir a assegurar a sobrevivencia do mesmo regime pelo menos por um periodo mais longo. Neste ultimo caso, o atentado foi, para o Partido Republicano, embora este nao tenha sido por ele directamente responsavel, um passo decisivo. Pode ter sido eficaz, mas foi como se tivesse ensanguentado a futura vida da Republica, produziu novos magnicidios, e em ultimo caso abriu a caixa de Pandora da violencia como arma politica que viria a minar e a condenar o novo regime.


O centenario do Regicidio:   

Com ideia de fazer lembrar e celebrar o centenario do regicidio de 1908:

. Foi publicado um livro chamado "Dossier do Regicidio", onde se explica e se fala sobre o dossier de investigacao e apuramento de responsabilidades do regicidio de 1908, do qual nao se conhece os resultados.

. Foi inaugurada pelo Presidente da Republica, Anibal Cavaco Silva, uma estatua do Rei D. Carlos junto e virada para a Baia da vila de Cascais, simbolizando de certa forma, o estudo e o carinho que  Rei tinha pelo mar e pela natureza, e igualmente o carinho que o Monarca tinha pela propria vila de Cascais.

. De forma simbolica, D. Duarte Pio de Braganca e o seu filho primogenito, Afonso de Braganca, depositaram uma coroa de flores junto ao local do regicidio, assinalado por uma placa ai existente. Seguiu-se uma missa em homenagem ao Rei D. Carlos e ao Principe D. Luis Filipe, na Igreja de Sao Vicente de Fora, em Lisboa, onde estao sepultados os seus restos mortais. A mesma missa foi celebrada pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Jose Policarpo.

. A RTP produziu uma serie sobre o regicidio chamada o "Dia do Regicidio", para comemorar o seu centenario.


Caro(a) leitor(a) esta cronica quase no final deu-me um especial e particular prazer em escrever, nao so porque envolve um tema relacionado com a minha area de eleicao, Historia, mas porque conta um dos tres episodios que eu considero ser de maior referencia na Historia de Portugal tal como a Revolucao de Abril de 1974 e  todo o episodio que envolve D. Sebastiao, o mito do sebastianismo e a perda da independencia e tudo o que envolve o mesmo considero o regicidio em conjunto com a Implantacao da Republica um dos marcos mais importantes da nossa Historia.

A pergunta que deixo ficar e tambem como estaria Portugal hoje governado por reis? Certamente nao tao bem como a Inglaterra e o Reino Unido mas certamente pior do que esta duvido que estivesse, tambem nao creio que um Rei desse assim sem mais nem menos a independencia as colonias uma das principais fontes de riqueza portuguesas pelo que estaria possivelmente bem melhor. Por falta de espaco na area das etiquetas fui forcado a abdicar das etiquetas de Politica, Politica Nacional e tambem de Opniao Publica.

Caro(a) leitor(a) por aqui vos deixo desta vez com votos de um ate breve.

                                                                                                                   Manuel Goncalves




                                              












      
   


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