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quinta-feira, 9 de abril de 2015

A Filha do Carteiro

 

Tal como na historia do Carteiro de Pablo Neruda o mesmo homem que tinha por obrigacao de lhe trazer e levar as cartas aquele ilheu que muitos consideravam uma mistura de deserto e paradisiaco trazia-lhe ate a bem pouco tempo todas as noticias do mundo, ate a bem pouco tempo porque agora ja tinha televisao e internet mesmo naquele lugar isolado de tudo o resto. O Carteiro no entanto continuava a ser a unica pessoa com quem ele se continuava a socializar diariamente, ninguem mais ia aquele lugar. Aquele homem que lhe trazia a correspondencia era tambem o seu maior amigo.

Apaixonado pela natureza, pela tranquilidade que um lugar como aqueles lhe podia trazer quando ali ainda era um ilheu onde vivia uma comunidade de pescadores aquele Escritor comprou por ali uma casa a familia de um amigo Pescador aquando a sua morte e por ali se deixou ficar, viu todos os outros partirem mas teimou em ficar.

A teimosia daquele Escritor, Jornalista e Poeta custou-lhe o isolamento mas considerava que nao precisava de mais do que aquele lugar lhe tinha para oferecer. Uma casa com agua potavel, electricidade ate as dez da noite e a horta que ele amava e onde adorava plantar e colher todos os legumes, vegetais e frutas que a mesma lhe dava.

Giovanni Pietro adorava tambem pescar quando o mar estava calmo nao ficava em terra e arriscava um passeio no barco a remos que alguem, possivelmente algum Pescador, ali deixara ficar e ia a pesca em pleno mar. O mesmo barco tambem lhe servia para ir a aldeia mais proxima onde ia fazer as compras semanais uma ou duas vezes por semana e muito raramente quando sentia vontade do mesmo e quando o reumatismo lhe permitia para ir de bicicleta ate a vila so ai e que podia comprar certas coisas como pecas de roupa, um bom vinho italiano ou cortar o cabelo.

Tudo corria bem muito raramente sentia falta da sua velha Sicilia e ao contrario do que muitos pensavam a solidao de morar ali sozinho nao o incomodava de todo, sentia-se feliz com aquela escolha, amava aquele lugar queria morrer ali se possivel tambem ser sepultado ali ou que as suas cinzas fossem ali espalhadas.

Meio do mes era dia de chegar o cheque de Italia com o pagamento do seu ordenado porque afinal ate ai naquele sitio e ate quem fazia aquele tipo de escolhas de vida diferentes precisava para sobreviver se bem que no quintal juntamente com a horta na capoeira houvesse um pouco de tudo galinhas, perus, coelhos e patos. Giovanni nao estava preocupado com o dinheiro do ordenado esperava saber se a editora desejava e aceitava publicar o seu livro que era um romance no qual ele depositara toda a esperanca, Memorias do ilheu deserto, era esse o nome da obra que ele sonhava publicar. A pintura era a outra de suas paixoes.

Giovanni passava as noites a escrever a luz das velas porque naquele lugar embora paradisiaco na aldeia desligavam a luz e o ilheu ficava igualmente as escuras Giovanni por vezes ficava a ouvir o ruido das ondas a bater nos rochedos, via passar o navio, a luz do farol iluminando o mesmo mar e ouvia as gaivotas pousando e voando em redor do areal da praia. Era quando Giovanni igualmente criado numa aldeia de pescadores no coracao da Sicilia se lembrava de ver e ouvir a sua mae rezar pelo seu marido e pai de Giovanni, por vezes rezavam os dois pedindo proteccao para o barco onde Paolo o pai de um e o marido de outra seguia era sempre assim quando se ouviam as gaivotas ja na velha Sicilia se ouvia o ditado, gaivotas em terra tempestades no mar.

San Vito Lo Capo ja pouco lhe dizia mas naquele dia juntamente com o cheque do ordenado vinha um telegrama dai mesmo, sua terra natal. Abriu-a temendo ja o pior fazia mais de dez anos que nao ia ate la e sabia por E-mails de amigos que sua mae nao estava bem. Sim era isso mesmo Paloma dona Paloma como lhe chamavam falecera. Agora Giovanni estava mesmo sozinho no mundo a mae era o unico parente que lhe restava.

Curiosamente nao fora Henrique o Carteiro que lhe trouxera o envelope com o cheque e  telegrama com a triste noticia tambem ele Henrique estava doente de cama com gripe e fora a filha mais nova que ate entao Giovanni desconhecia que lhe trouxera a correspondencia e seria ela a faze-lo nos proximos dias.

A amizade entre Giovanni e Fatima foi crescendo e numa sexta-feira com  o peixe que tinha pescado o italiano convidou Fatima para uma Caldeirada de Peixe, jurando que seria a melhor que ela jamais alguma tinha provado na vida, combinou-se entao para domingo. Quando o italiano deixou Fatima a vontade para levar o marido ou namorado recebeu como resposta que a mesma nao era casada nem tinha namorado. Estava cansada dos homens e enquanto o mesmo fosse vivo queria dedicar-se por inteiro a cuidar do pai, era o unico homem que lhe dava valor ate entao, pareceu ao italiano que Fatima estava a esconder alguma coisa.

Fatima partira e insolitamente sem desejar mal ao mesmo Giovanni desejou que a doenca de Henrique durasse mais uns dias, a filha do mesmo era a primeira mulher com quem fazia uma pequena amizade desde que chegara aquele lugar e ja la iam quase vinte anos.

Nao quis ficar mais tempo parado e nem a espera esqueceu-se por completo que a editora ainda nao lhe dera a resposta pegou na bicicleta, enviou-a no barco e remos e remou ate a outra margem. Tendo chegado a aldeia pedalou ate a vila onde queria fazer todas as cmpras necessarias para fazer a Caldeirada de Peixe e tinha que comprar uma boa garrafa de vinho italiano, um fato novo, um perfume e cortar o cabelo.

O dia chegara e Fatima apesar de tudo o que se estava a suceder la estava e nao se arrependera o cheiro convidativo da Caldeirada de Giovanni insistia em pairar no ar. O italiano parecia estar mais atraente e charmoso que o habitual era o primeiro homem para quem ela olhava depois do pai e sobretudo ficou surpresa porque Giovanni tinha quase a idade do mesmo.

Tudo estava agradavel Fatima fartou-se de elogiar a Caldeirada e agradeceu o convite mas sentia-se constrangida era a primeira vez que estava sozinha com um homem que nao era o seu pai. Terminaram com um Tiramisu como nao podia deixar de ser e Fatima aproximou-se de Giovanni, abracou o corpo do italiano como nunca abracara ninguem o que aconteceu de seguida era o que ja era de se esperar. Fatima entregou-se aquele homem e fizeram amor um momento especial para ela, a primeira vez era sempre especial.

As ondas batiam no rochedo e ambos percorriam o areal a lua essa ia ser de lua cheia Fatima parecia ter algo para revelar a Giovanni e o mesmo estava impaciente, seria mais uma surpresa? Ja o supreendera naquela tarde ao entregar-lhe a virgindade. A surpresa era bem mais desagradavel e Fatima contou-lhe o que nao tinha ainda tido coragem de contar ao maior amigo de seu pai, o mesmo falecera. Sim falecera desde aquele inicio em que ela comecou a entregar-lhe a correspondencia.

Giovanni afastou-se e chorou, chorou como nao havia chorado a morte da mae que tambem falecera tao recentemente, chorou lagrimas salgadas tao salgadas como a agua daquele mar a sua frente. O seu maior amigo morrera, deixara-o sozinho e ele sem saber de nada, haviam-lhe mentido e tudo o resto era conversa, olhou a volta ao seu lado Fatima abracava-o parecendo quere-lo confortar ela agora era a unica coisa que ele tinha. Era isso entao que ela lhe escondia!

Acordaram de manha bem cedo Giovanni foi fazer um cafe enquanto Fatima se vestia para ir embora, talvez viesse o dia em que a mesma ficasse e ja nao fosse embora mas por agora nao era assim, ela tinha coisas a fazer na aldeia e agora a Carteira era ela.

Giovanni sentou-se mal ela saiu nao se estava a sentir bem o coracao apertava-lhe, doia-lhe mas o mesmo nao ligou importancia pensou que era psicologico algo originado por todas as noticias tristes que tinha vindo a receber nos ultimos tempos pensou em Henrique, homem forte, humorado e que parecia vender saude e afinal... Pensou na mae nos passeios em crianca a beira mar de maos dada pela manha quando iam esperar a chegada do barco de seu pai.

Queria ter sido Pescador nada mais que normal numa aldeia de pescadores e sendo oriundo de uma familia onde os homens sempre haviam trabalhado na faina. O pai nao permitiu que o filho tivesse uma vida assim tao dura como a dele, filho do senhor Paolo como todos chamavam seu pai tinha mais era que estudar e foi assim que o mesmo apos terminar o ensino primario partiu para continuar os seus estudos. Giovanni adormecera, novamente.

Nao sabia quanto tempo dormira mas acordara um pouco estranho a primeira coisa que lhe viera a memoria era novamente a Sicilia mas apenas por breves momentos. O seu pensamento agora concentrava-se em algo que parecia esquecido a resposta da editora se aceitava a publicacao do livro ou nao.

Dois dias se passaram e no meio da manha ali estava Fatima com uma carta e com a resposta da editora, o romance ia ser publicado e pela opniao do Critico de Literatura da editora o mesmo ia ser sem duvida um Best-Seller, um verdadeiro fenomeno de vendas, talvez ate o mais vendido em Italia naquele ano. A noticia nao deixou Giovanni alegre as ultimas tristezas tinham sido muito fortes.

A publicacao do romance tudo o que sempre sonhara pensara ja ao anoitecer enquanto se ia deitar e o facto nao parecia alegra-lo. Algo dizia ao italiano que nao viveria para viver, sentir, ver o sucesso que tinha sido a sua obra, o trabalho e sonho de toda uma vida.

Giovanni adormeceu, mas adormeceu para sempre ja nada o iria fazer acordar tinha partido para junto ou pelo menos ao encontro de sua mae e de seu amigo henrique, tinha chegado a sua hora como chegaria a de todos os outros.

                                                                                                            Manuel Goncalves

1 comentário:

  1. Este curiosamente nem foi dos meus preferidos de eleicao embora o englobe entre os melhores mas os preferidos de eleicao sao: O Pai do meu filho, Tarde demais para dizer que te amo e Tenho Saudades.

    Porem este foi muito elogiado no facebook a ponto de uma amiga do facebook que vai almocar aos sabados no restaurante onde por habito vou almocar ao sabado com amigo elogiar muito o mesmo conto, afirmar que era bonito e aconselhar-me a continuar mesmo depois de no final da leitura ela ter ficado com as lagrimas nos olhos.

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