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terça-feira, 12 de julho de 2016

Aquele Verao Quente de um Ano Qualquer



O sol pairava no ar naquele final de Primavera e adivinhava-se um inicio de Verao bem quente que prometia fazer esquecer aquele Inverno rigoroso anterior do qual muitos ainda falavam. Tudo aquilo era banal, normal e nao era tema de muitas conversas, afinal seria apenas mais um tipico Verao quente com os homens ali bebendo cervejas na esplanada, as mulheres brozeando cada curva do corpo debaixo de um sol forte estendidas no areal da praia e ainda com a pele oleosa devido aos efeitos do bronzeador e os mais novos as criancas sempre tentando conquistar mais um gelado ou simplesmente nao resistindo a mais um mergulho.

Era no fundo um Verao quente de um ano qualquer para muitos, nao para mim. Estava ali para nem sei ao certo se para pagar uma divida ou cumprir uma promessa mas so por estar ali mostrava que era uma pessoa de palavra.

Sensata ao contrario de louca como poucas raparigas da minha idade trocara muitos momentos de diversao pelos estudos e so ficara a ganhar com isso. A mesma dedicao aos estudos valeu-me a conquista de uma bolsa para estudar em Londres mas que nao era suficiente para manter o nivel de vida a que estava acostumada e ao qual o meu pai sempre me habituara. Os meus pais haviam-se divorciado quando eu ainda era muito novinha mas o meu pai embora nao tivesse lutado por mim na justica sempre esteve presente, ainda que muitas vezes nao fisicamente, nunca me deixou faltar nada.

Fui educada por minha mae em Lisboa enquanto o meu pai tornara-se proprietario de uma pousada numa das muitas praias do Baixo-Alentejo que se tornara uma enchente no Verao, sobretudo num Verao quente como aquele de um ano qualquer. A praia perdia todo o aspecto deserto e paradisiaco que mantinha durante o resto do ano e eu ia sempre la passar ferias. Era uma verdadeira Turista, filha do dono da Pousada Paraiso Real e vista como uma menina quase da alta sociedade mas naquele ano nao era bem assim. O acordo que fizera com o meu pai era de que ele me daria uma mesada durante a minha estadia de estudo em Londres e que eu iria pagar trabalhando a epoca de Verao na pousada da praia como se uma funcionaria normal fosse.

O meu pai queria dar-me uma licao de vida, queria mostrar-me e com toda a razao o quanto custava ganhar a vida sem se ser menina do papa como eu sempre fora e de inicio estava a adorar a experiencia. O meu pai era completamente diferente daquilo que a minha mae sempre pintara, por vezes depois de um divorcio as pessoas passavam quase a odiar-se seria aquele certamente o caso.

Trabalhava por turnos na recepcao e tinha folga num dia por semana e meio-dia num dos dias de fim-de-semana. Nao me recordo em que altura foi se num dia de folga se depois do final do meu turno mas ele ali estava e eu o vira pela primeira vez, foi ele o meu amor de Verao, daquele Verao quente de um ano qualquer e que ficara eternamente a repousar naquela praia.

Erik Solveig era o nome daquele verdadeiro Deus Grego que afinal de Grego nao tinha nada. Erik era sueco. A sua historia segundo ele era facil de contar e o seu espirito aventureiro fizera-o deixar a sua familia de milionarios em Estocolmo somente com um carro velho, uma mala com roupa, uma guitarra e uma prancha de Surf em que por dia chegava a passar mais tempo no cimo da mesma do que com os pes assentes na terra.

O sueco aventureiro ganhava a vida de terra em terra a tocar guitarra e cantar na rua e em bares, dormia onde dava para dormir, vivia como dava para viver e dizia-se ser feliz com aquele estilo de vida, estilo livre, amava a natureza, a liberdade e o ar puro que respirava. Erik era um verdadeiro Activista das causas ambientais e anti-poluicao sem que ninguem lhe pagasse para isso diariamente no final de tarde limpava o areal da praia do lixo que segundo ele algum Turista menos civilizado deixava caido nao se importando com a sujidade e tambem com um detector de metais ia apanhando moedas e outros objectos de valor que se tinham perdido ali de uma so vez encontrara um relogio que depois de vendido deu para ele comer uma semana inteira no restaurante da pousada.

Era um sujeito reservado mas ao mesmo tempo bastante sociavel e rapidamente se enraizara no grupo de jovens da nossa idade local e do qual eu fazia parte. Todos gostavam de ouvir as suas historias e ouvir o mesmo falar dos locais por onde ja tinha passado. Era um amante dos desportos radicais e o Surf estava-lhe no sangue estivera nos Estados Unidos na California gostara das ondas da praia mas nao gostara do pais, achara os americanos pouco sociaveis, estivera na Asia e tambem nao trazia dai boas recordacoes sobretudo do Japao em que os operarios de uma fabrica durante o horario do seu turno nao trocavam uma so palavra entre si que nao fosse de trabalho e o nivel de vida era demasiado caro. Estivera em outros locais e o desejo de voltar a Europa e ir ate Portugal nascera-lhe quando estivera no Brasil e aprendera o idioma rapidamente e onde ganhara algum dinheiro extra a entrar em competicoes de Surf e saindo sempre vencedor das mesmas.

Estava ainda no Brasil quando segundo ele um dia na esplanada do bar onde tinha arranjado mais um trabalho temporario apareceu um dos seus idolos do Surf  o havaiano Garrett McNamara que estava actualmente nas bocas do mundo por em Portugal ter surfado ondas com mais de 23 metros o que era um recorde ate entao. Nem mesmo o proprio Kelly Slater a sua maior referencia e idolo do Surf conseguira tal proeza, pensou, era ainda jovem e talvez esse fosse o lugar certo para escrever o seu nome na historia do Surf. Erik achou graca quando ouviu falar da Praia da Nazare ate entao a unica Nazare que conhecia era aquela que compunha um dos lugares por onde Cristo tinha andado e que era chamada de Terra Santa. Estava decidido ia para Portugal o sonho de ir surfar as ondas havaianas iria ficar para mais tarde.

Chegara mais uma vez como tantas outras a tantos outros destinos sabendo o que queria mas nao sabendo para onde vinha. Consigo vinha a inseparavel Prancha de Surf, a guitarra e uma Maquina Fotografica nao era nenhuma fortuna que trazia consigo mas era bem mais do que precisava mais uma vez viera ao de cima o seu espirito aventureiro. Portugal estava em crise nao era portanto facil viver-se sobretudo da forma como ele vivia, sem destino certo e com futuro incerto.

Sabe-se la como chegara ate aquela praia mas segundo ele sentira-se no Paraiso e pensava mesmo ate ficar ali, criar raizes, as raizes que nao criara, que jamais conseguira criar em qualquer outro lugar. Perdia-se a olhar o horizonte e no final da tarde juntava-se com alguns jovens a praticar Canoagem mas nao sentia a mesma adrenalina que no Surf. Tocava na praca da vila e assim que o meu pai o vira acreditou nele para ir cantar a noite para o bar da pousada. Aquele jovem de aparencia Hippie, cabelo longo e barba, que vestia cabedal e cores berrantes tinha segundo o meu pai muito potencial.

O envolvimento entre mim e Erik era quase inevitavel muitos gostos em comum e passamos noites, madrugadas a falar de assuntos como Filosofia e entre tantos assuntos falamos de... sexo, foi uma surpresa ficar a saber que ele tal como eu era virgem, virgem mesmo e nao de signo. Dali para a frente ficamos ainda mais cumplices e unidos onde estava Erik estava eu e onde estava eu estava Erik, ele tinha decidido ficar ali mesmo e parar com a sua vida errante. Os pais vieram visita-lo e compreenderam perfeitamente a razao que levara o filho a abdicar de conhecer todo o resto mundo para ficar ali.

O casamento estava marcado e seria realizado depois da ultima etapa do Campeonato Nacional de Surf que Erik liderava destacado dentro de Portugal nao tinha rival a altura e a niveis europeus e mundiais ia deitando cartas chegava mesmo a estar par-a-par com McNamara ou Slater para ele ganhar nao era o mais importante mas sim competir.

Era a vespera da ultima etapa que por sorte era ali mesmo na praia na nossa praia depois de andar de Norte a Sul a saltar de praia em praia a ultima etapa ia ser jogada em casa o que permitia que Erik nao tivesse que se ausentar para mais uma viagem e nao estaria tao cansado tudo estava perfeito como em tantas outras vezes onde so faltara a oportunidade mas eu nao queria esperar e seria naquela noite quente de Verao que eu e Erik iriamos perder a virgindade.

Comecara a chuviscar o que ajudara a suportar um pouco aquelas noites de calor tipicas de Verao, daquele Verao quente de um ano qualquer ou de um outro igual. Erik sabia o que iria acontecer e estava nervoso. Pobre rapazinho ficava sempre um pouco alterado e nervoso nos dias que antecediam as competicoes. Servi-lhe um copo de vinho completamente esquecida que ele nunca bebia a noite na vespera de uma competicao. Aproximei-me e ele sorriu, aquele sorrsso que so ele conseguia ter, aquele sorriso unico que tudo conquistava ficou parado quando me viu tirar a roupa e me viu nua na sua frente. Custou a lembra-lo que tambem ele se iria ter que despir e depois disso fomos de maos dadas para a cama, o resto, o resto prefiro guardar esse momento unico e maravilhoso somente para mim.

O sol raiara depois de comer somente uma ou duas macas e beber um sumo de laranja natural Erik foi para a praia ja equipado e quando cheguei ja ele estava a surfar ou melhor a competir. O mar tinha ondas fortes e ideais para a pratica do Surf e todos consideravam as manobras de Erik completamente fantasticas ou para loucos ele segundo alguns estava a arriscar muito. Foi ai que veio aquela onda gigante brutal e perderam-no de vista a onda derrubara Erik da prancha e estava a arrasta-lo consigo.

As horas passavam e quase todos iam perdendo a esperanca as equipas de resgate e salvamento continuavam o seu trabalho em vao. Louca, eu estava louca nao queria acreditar que o meu amor tivesse morrido afogado, tivesse sido vencido pela morte, era impossivel.

Era impossivel mas era verdade tres dias depois da tragedia o corpo foi encontrado entalado entre rochedos ao menos tinham-no encontrado pensei mas estava inconformada como ainda hoje estou vivi a minha vida, casei com um homem que amei, tive filhos, fui feliz mas aquele amor tambem nunca ficara esquecido.

O funeral de Erik foi emocionante depois de cremado as cinzas foram-me entregues e decidi que ele tinha de ficar eternamente naquele lugar que ele mais amara no mundo por todos os locais por onde passara. Parte das cinzas foi enterradas no areal da praia, algumas entregues ao vento para que ele se espalhasse por toda a praia e uma ultima parte deitadas ao mar, ao mar que Erik tanto amava e que lhe roubara a vida.

A praia no meu ideal e pensamento ficou para sempre sendo dele era ali que estava mesmo nao estando mais vivo, era a praia de Erik agora, a praia daquele amor de Verao quente de um ano qualquer, talvez por isso nunca mais na vida abandonei aquele local.

                                                                                                           Manuel Goncalves



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