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sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Um Outro Pai



Nao era justo depois de descobrir a verdade sentira que vivera uma vida de engano, sentia que era ate outra pessoa, a revolta era enorme mas a surpresa maior ainda estava para vir. Um nome nobre, uma nova familia e uma fortuna enorme, daria para compensa-lo por toda a mentira escondida?

Eu, Sebastiao Alonso, nao era afinal um Alonso como tanto se orgulhara mas isso nao era agora o importante. Pianista famoso, suposto filho de uma familia de gente humilde que curiosamente sempre haviam tido condicoes para o educar de uma forma muito acima das condicoes que qualquer familia da classe media baixa poderia ter, fora esse o primeiro sinal de que algo de estranho se passava mas eu era realmente muito jovem para comecar a pensar nisso. Cresci e continuei a ter tudo o que queria e muito mais do que precisava, comecara a desconfiar, fazer perguntas que os meus pais sempre se conseguiam escapar sem me conseguirem dar uma resposta que me conseguisse convencer, muitos vezes apenas diziam que nao me preocupasse com nada, estava tudo certo.


Enquanto os pais que me haviam criado e que eu tinha como sendo verdadeiros pais, a minha mae era de facto minha mae, nunca soube de nada, tive algumas desconfiancas mas nada que me levasse a suspeitar de tanto e fiquei revoltado quando o soube, nao achava que fosse correcto que me tivessem feito acreditar que era filho de um homem que nao era o meu pai.

Durante algum tempo vivi isolado, afastei-me do mundo, cancelei concertos, adiei a gravacao de um novo cd. Os meus pais tinham morrido tragicamente e de forma muito rapida num acidente de carro. E triste, muito triste perder-se um pai, uma mae entao perder os dois ao mesmo tempo e de facto uma loucura, dor enorme, ainda para mais quando somos tao apegados a eles como eu era no papel de filho unico. Prejudiquei muito a minha carreira para alem da minha vida pessoal.

Estive algum tempo internado numa clinica a curar uma depressao nervosa e ao mesmo tempo via a minha carreira entrar em decadencia assim como a minha pessoa artistica. Os jornais ja nao falavam no grande Pianista Sebastiao Alonso e quando falavam era pela negativa. Falavam dos processos judiciais que eu atravessaria no futuro por ter cancelado alguns concertos muito no cimo da hora, falavam tambem que depois de ter tantas pessoas a minha volta parecia que agora estava sozinho, isso era verdade muitos dos que ate a data tinham sido meus amigos estavam agora a virar-me as costas isto e se podemos chamar pessoas com atitudes dessas de "amigos", alguns deixaram-no de ser para mim e passaram antes a ser oportunistas. Nao sabia eu, nao podia calcular de que o pior ainda estava para vir.

Sai da clinica aos poucos voltei ao trabalho e a minha vida ia correndo com alguma normalidade. Estava em negociacoes para ir participar na Banda Sonora de um filme e na gravacao de um cd de um cantor de renome internacional quando numa bela manha um tipo bem parecido, vestido a rigor me bateu a porta e trazia consigo a noticia mais marcante da minha vida.

Pediu-me para entrar e tinha um certo sotaque carregando em particular nos "r" embora o seu portugues deve para se entender perfeitamente e vi desde o inicio que o assunto era serio mas pela conversa nao me era prejudicial antes pelo contrario dizia aquele Advogado frances quando me entregou um envelope e me pediu que o contactasse logo que me tivesse decidido o que fazer, ele disse-me que sabia que ia levar algum tempo porque com a noticia e a historia que estava naquele envelope a minha vida iria dar uma volta de 180 graus.

O documento que estava naquele envelope era claro, bem claro. Eu meio sem saber como era herdeiro de metade da fortuna de um falecido Duque frances, inicialmente pensei que fosse brincadeira mas as coisas foram-se explicando.

A minha mae e o homem que eu julgava ser meu pai e amava como tal eram emigrantes que trabalhavam na casa de um certo Duque frances muito rico. Ainda nao eram um casal e nem sequer namorados e foi ai nesse casa e nesse trabalho que eles se conheceram e onde eram apenas amigos.

O Duque parecia ser muito mulherengo e constantemente assediava as empregadas e fora o que ele fizera com a minha mae ate ela ficar gravida.

A gravidez segundo me narravam naquele documento seria um escandalo ainda maior se o Duque assumisse a minha paternidade sobretudo pelo seu estatuto social e por causa da Duquesa a legitima esposa do Duque que afinal era o meu verdadeiro pai mas o mesmo tinha mesmo gostado da minha e recusava a ideia de a abandonar com um filho seu na barriga.

Era apesar de tudo um homem justo como me foram dizendo mais tarde e de bom coracao e decidira que alem de nao deixar a minha mae desamparada ainda iria assumir a minha paternidade e iria criar-me, sustentar-me mas que tudo isso teria de ser feito em sigilo e sobretudo longe dali. Entao arranjou-se alguem para casar com a minha mae e fazer o papel de meu verdadeiro pai em seguida tiveram que ir para bem longe nao so de Paris como de terras francesas, voltaram a Portugal e o Duque todos os meses mandava dinheiro, dinheiro suficiente nao so para o meu sustento mas para ajudar a minha mae e suposto pai para que nada lhes faltasse em casa. 

Entao agora estava tudo explicado  como e que com empregos que os meus pais tinham nos sempre tinhamos conseguido viver tao bem. Estava explicado de onde vinha aquele dinheiro que parecia ser impossivel de existir em minha casa. As minhas roupas caras, o meu piano, os meus estudos tinha sido tudo pago pelo meu pai a distancia.

Comecei por sentir um sentimento de odio e raiva para com tudo e todos e sabia que aquilo era apenas um comeco. Iria descobrir muitas outras coisas que em tinham sido escondidas e iria travar uma verdadeira batalha sentimental bem dentro de mim. Tinha um pai que nao era meu pai mas eu queria que fosse e tinha um pai que era meu pai e que o queria recusar a qualquer preco.

Com a cabeca ja mais no lugar e sem querer prejudicar novamente o meu trabalho e carreira artistica comecei a tentar arranjar a minha vida social contactei com o tal Advogado que viera falar comigo para saber que passo teria que dar agora.

Monsieur Nicollas Cantona pos-me a par dos meus direitos como filho legitimo do Monsieur Duque Herbert Edmond embora registado tinha direito a metade dos bens do meu pai inclusive um dos dois palacios que ele tinha a outra metade da heranca segundo o testamento do mesmo seria para a minha meia-irma que era filha legitima do meu pai com a Duquesa sua esposa. Embora soubessem que eu era filho legitimo do Duque com exames feitos quando eu nasci a comprova-lo a familia do meu verdadeiro pai ia lutar na justica para que eu fosse afastado da heranca ou que pelo menos ficasse longe de herdar o que me era devido ou seja, metade. Monsieur Nicollas como gostava de ser chamado afirmou-me claramente que eles seriam ate capazes de me matar se fosse preciso e que queriam que ele proprio como Advogado do meu pai, homem da sua confianca tratasse de me afastar por todos os meios da heranca do meu pai. 

Eu estava pasmo a ouvir tudo aquilo, como podia haver gente tao cinica e ganaciosa, como podiam ser tao baixos. Eu que se pudesse teria evitado tudo aquilo. Nao queria, continuava a nao querer aquele pai e muito menos aquela familia. O que eu tinha chegava-me e sobrava, era ate demais para mim e inicialmente cheguei a pensar em renunciar a tudo sobretudo para minha paz de espirito e sobretudo seguranca pessoal e para evitar escandalos mas Monsieur Nicollas aconselhou-me a lutar por aquilo que era meu, por mais que nao quisessem eles nao podiam fazer nada iriam ter que aceitar-me, nenhum Juiz lhes daria razao quando havia exames de paternidade ate a atestar que eu era filho do Duque e ele como amigo do meu pai, do meu verdadeiro pai estava ali para ajudar-me e para ajudar a que a ultima vontade do meu pai fosse realizada.

Muito em breve as palavras do Monsieur Nicollas em relacao a familia do meu pai mostraram estar certas. Aquilo era uma gente dos diabos e lutavam nao so para que eu nao herdasse tudo o que tinha a herdar mas para que nao viesse a ser considerado o novo Duque visto que o meu pai nao tinha mais filhos homens. Queria la eu saber de ser Duque, queria era ser filho de quem afinal nao era e toda a vida me tinha tido como tal. Para colocarem alguma pressao sobre mim perante a imprensa francesa a familia do meu pai tinha feito o caso chegar ao jornais onde me apontavam como um oportunista que nunca tinha querido saber do meu pai e agora queria metade da sua heranca. Como se eu soubesse que ele era meu pai quando era vivo e Deus sabia bem que eu estava naquela guerra apenas por muita insistencia do Monsieur Nicollas Cantona.

Finalmente o frente-a-frente nos tribunais em Paris e onde antes de mais apesar de tudo passei no Cemiterio onde estava sepultado o meu pai o famoso Cemiterio Pere-Lachaise e quando vi a sua foto na campa quase cai-a para o lado porque era mais uma evidencia de que eramos pai e filho, era como se eu me estivesse olhando ao espelho. O mesmo cabelo negro, o meu olhar penetrante, o mesmo nao saber sorrir nas fotos. Eramos afinal pai e filho, era a primeira vez que me sentia filho do Duque Herbert Edmond sem me esquecer queria continuar a ser Sebastiao Alonso.

A audiencia correra como previsto com os argumentos dos advogados da familia do meu pai a serem totalmente destruidos e banalizados com os argumentos apresentados por Nicollas Cantona o Advogado que defendia a minha causa e tentatava fazer cumprir aquela que era a vontade do seu antigo cliente que era o meu pai, seu amigo e grande homem como o mesmo dizia.

No intervalo da audiencia evitei olhar a minha meia-irma e inclusive afastei-me o mais que pude o nosso pai era o meu pai mas aquela nao era a minha familia, eu nao os considerava assim eu queria ser e continuava a considerar-me Alonso e nao um Edmond.

Setenca lida e a causa tinha sido ganha por nos, por mim e por Nicollas Cantona. Eu tinha acabado de herdar alguns milhoes de euros em dinheiro, um apartamento e luxo em Paris, um apartamento em Montecarlo, varias casas espalhadas por cidades europeias e um palacio em Fontainebleau que era o local de eleicao do meu pai para passar as ferias de Verao e onde o mesmo escolhera falecer.

Regressei a Lisboa com a certeza de que era uma nova pessoa, de que era um Edmond se assim queriam que eu fosse mas que dinheiro nenhum do mundo me iria fazer esquecer o amor que sentia por Diogo Alonso o homem que me criara como um filho, que eu tinha como meu pai sem saber que ele nao o era e que eu tinha a certeza que mesmo sabendo que eu nao era seu filho o mesmo sempre me amara como tal, tinha agora, dois pais o meu pai e o outro pai.

                                                                                                           Manuel Goncalves



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