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sábado, 5 de janeiro de 2019

A Madrasta

 

Quase que nao se podia falar em tauromaquia, touradas, touros e festa brava em si sem se falar no seu nome, Engenheiro Norberto Nunes Garrido, o homem que era dono da herdade no Ribatejo de onde saiam os melhores touros, as bestas e feras mais bravas que encantavam as pracas de touros portuguesas e espalhavam a fama e nome do Engenheiro por Portugal e pelo mundo fora.

Na vida pessoal Norberto era um homem infeliz e amargurado que como muitos outros sofria com os erros do passado e de nao ter conseguido amar a mulher da sua vida alem de todas as decisoes erradas que tivera e tomara na vida. Norberto tinha por habito ir para o centro da sua herdade e ficar a olhar a volta, ver que tudo o que a sua vista alcancava era dele. Era dele todas aquelas terras, todos aqueles touros e cavalos, era dele porque ele era rico mas engolia em seco o pensamento de que nem o dinheiro todo que tinha haviam sido capazes de comprar o amor e a felicidade e nem pagavam o arrependimento que sentia pelos actos e atitudes erradas que tomara.

Casara por interesse com a filha daquele aristocrata ingles que era o dono de todas aquelas terras e homem mais influente da regiao para salvar um pouco o bom nome da sua familia que apesar de ter alguns bens estavam demasiado endividados com os bancos por causa de terem comprado maquinas novas para inovarem a sua pequena herdade que fazia fronteira com a herdade enorme dos pais de Norberto Garrido.

A mulher era arrogante e nunca o fizera feliz embora tivesse ate tentado mas a infelicidade fora maior ao saber que a esposa nao podia ter filhos.

Norberto tivera varios casos extra conjugais mas nenhum colocara o seu casamento em risco e a esposa Diana fechava os olhos a muita coisa por causa dos nervos que nao podia apanhar, porque sabia que mesmo nao a amando o marido nunca a iria deixar e porque ela propria se sentia melhor assim, nao gostava de sexo e entendia que o papel de esposa nao era somente agradar o marido na cama mas tambem saber estar com ele em outros sentidos. Apesar de tudo Diana estava sempre ao lado do marido em tudo.

A mudanca viera quando aparecera aquela camponia a trabalhar na herdade que era sobrinha do Capataz e fora contratada para o trabalho da lavoura parecia ter deitado um feitico em Norberto e estava-se mesmo a ver que o mesmo nao descansava enquanto nao a possuisse e como sempre ia conseguir o que pretendia.

Ana Rosa era o nome da mulher, quase crianca que Norberto queria agora possuir depois seria como as outras ia sendo ignorada, esquecida e por fim depois de trocada pela proxima vitima acabaria por desaparecer do mapa.

Com aquela jovem as coisas estavam a ser diferentes e depois de a conquistar Norberto colocava mesmo a hipotese de se divorciar para poder ficar com a nova amante mas cedo viu que nao tinha condicoes para isso. Toda a riqueza ao seu redor, luxo em que vivia estava dependente de Diana e quando se falou em divoricio a mesma teve uma crise nervosa, tentara suicidio e terminara com um esgotamento e internada numa clinica, entretanto Ana Rosa estava gravida e ele nao tinha duvidas de que era ele o pai.

Nao podia deixar Diana isso estava fora de questao mas muito menos podia deixar Ana Rosa ainda para mais que ela agora estava gravida, esperava um filho seu algo que ele. sempre desejara. Fosse ou nao bastardo aquele era o seu filho, unico ate entao seria ele o seu herdeiro.

Ana Rosa fora enviada para Lisboa com a certeza de que enquanto la permanecesse sem voltar ao Ribatejo teria tudo o que precisava e quisesse para criar o filho. Diana perdoara a traicao do marido, aceitara que o mesmo desse o seu nome ao filho mas exigira que pai e filho nao tivessem uma relacao proxima, a crianca seria sustentada pelo pai atraves do dinheiro da madrasta mas jamais poderiam ter um relacionamento proximo segundo exigira a mesma e a relacao que o mesmo tinha com a mae do filho teria de ter um termo.

Norberto ficara disposto a cumprir com as exigencias da esposa e fora tudo como ela queria mesmo depois de Ana Rosa morrer apos o parto. Norberto enviou a crianca para uma instituicao e ai a mesma passou a infancia, fez os estudos ate Norberto ordenar de que o mesmo seria enviado para casa de uns tios onde acabaria de ser criado.

O filho Luis Henrique nunca deixara de cumprir com as regras e exigencias que lhe foram impostas e jamais procurara o pai de quem pouco sabia embora tivesse conhecimento de quem se tratava. Estudara no entanto Engenharia Agronoma e Medicina Veternaria ao mesmo tempo porque sabia que apos a morte do pai iria ser ele o dono da herdade onde o pai vivia e criava as feras que apresentava nas pracas de touros de Portugal e Mundo fora. Tinha sido a exigencia de Norberto para com a ja falecida esposa, aquele filho podia ate ser bastardo mas seria o seu herdeiro legitimo ja que ela jamais conseguira dar-lhe um filho.

Norberto apos a morte de Diana voltara a casar ja com alguma idade com uma mulher bem mais nova, cinco anos mais velha que Luis Henrique apenas e sentia-se feliz com a mesma embora soubesse que dificilmente iriam vir a ter filhos.

Norberto e Luis Henrique tinham-se finalmente conhecido e abracado, o velho pedira o perdao do filho e o mesmo entendera que nao havia nada a perdoar. Chegara mesmo a ir passar algumas temporadas na herdade mas desde que o pai voltara a casar que se afastara um pouco e ainda nao conhecera a nova Madrasta que todos diziam ser boa rapariga, gentil e justa. Cecilia exigira casar com Norberto sem ter direito aos bens do mesmo antes do casamento e isso fizera sentir a certeza de que a mesma nao casara por interesse e nem por dinheiro, casara sobretudo porque Norberto era o que ela nunca encontrara num homem.

Luis Henrique ia finalmente passar uma temporada na herdade agora que os estudos terminavam tinha tempo para isso e sentia que sendo Engenheiro Agronomo e Veternario tinha na herdade o lugar ideal para comecar a trabalhar, tinha intencao de ficar na mesma, um dia seria sua entao a sua presenca seria necessaria mais cedo ou mais tarde, a sua presenca la naquele momento ia depender muito da relacao que iria conseguir ter com a Madrasta.

O Ribatejo era lindo, verdejante e ali com os campinos, o gado no campo, os cavalos na leziria, a comida regional tudo conquistara Luis Henrique desde a primeira vez que colocara ali os pes. Sentira-se um Rei ao chegar a herdade porque os empregados do pai trataram-no como era conveniente tratar o filho do patrao e senhor das redondezas, um dia seria ele, aquele rapaz a herdar o poder e lugar do pai, tudo aquilo seria dele ate mesmo o direito de lhes dar emprego ou simplesmente despedir.

A senhora dona Cecilia passava o tempo fechada no palacete da herdade onde residia com o marido desde que casara e nao parecia preocupada em gozar a vida, gastar algum dinheiro da enorme fortuna que o marido tinha, jamais saira sem o mesmo desde que se haviam casado dois anos antes e ate ao momento so tinham sido fotografados em publico no Campo Pequeno ou em outra praca de touros de enorme relevo em Portugal. Parecia uma Freira enclausurada num convento.

Norberto gostava que a esposa fosse caseira e dedicada ao lar mas tudo tinha limites. Ele proprio nao achava correcto que a mesma vivesse fechada dentro de casa, logo ela que fora sempre rapariga da cidade agora a fazer um papel de Freira so porque achava que estava a agradar ao marido.

Luis Henrique desde cedo conseguiu manter uma boa relacao com a Madrasta que embora de poucas palavras parecia ser atenciosa para com o pai, parecia ama-lo de verdade e quanto ao resto nao era de muitas conversas mas tambem nunca fora arrogante e fria com quem quer que fosse, as empregadas tinham-lhe uma grande estima e a mesma era Madrinha de Baptismo da filha mais nova da Cozinheira. Era muito boa pessoa, uma Santa diziam todas as empregadas mais antigas da casa ao contrario da primeira mulher do Senhor Engenheiro Norberto que era arrogante e quase que o diabo em pessoa.

Naquele final de tarde Norberto quis conversar com o filho em particular enquanto davam um passeio pela herdade e Luis Henrique viu que o assunto era serio e calculou que tinha algo a ver com a peste que andava a ceifar a vida aos animais das herdades vizinhas. Ele era Veternario e ja tomara as medidas devidas para evitar males de maior nos animais da herdade.

Antes fosse o que o filho suspeitava que fosse o assunto era bem mais serio. Norberto revelou ao filho que estava com uma doenca incuravel, um cancro que lhe havia sido descoberto tarde demais e que lhe restava segundo os medicos na melhor das hipoteses seis meses de vida. Ele nao queria que Cecilia sonhasse no estado de saude em que ele se encontrava, queria faze-la feliz por o maximo de tempo que conseguisse e isso dependia do tempo em que iria resistir e conseguir lutar com aquele cancro. Norberto mais uma vez revelou a Luis Henrique que queria entregar-lhe a herdade e tudo o que demais possuia mas fez-lhe um pedido. A herdade seria sua mas ele nao iria correr com Cecilia de la para fora. Cecilia nao era sua herdeira porque assim exigira ela propria, nao iria ter direito aos seus bens mas ele por amor, apreco, pela vida lhe ela lhe dedicara queria deixa-la amparada com uma boa pensao vitalicia mesmo que ela viesse a casar de novo e queria que ela continuasse a viver na herdade.

Luis Henrique prometeu ao pai que tudo iria ser como ele desejava, Cecilia ia poder ficar na herdade toda a vida se essa fosse a sua vontade, ela ia poder ficar, Luis Henrique jurara isso ao pai.

O pai pedira-lhe para que ele olhasse por ela porque ela nao estava devidamente preparada para uma nova vida porque ela deixara de viver a sua propria vida para ir viver para ali com ele. Cortara relacoes com  a familia para casar com ele, Cecilia nao tinha ninguem na vida.

Por muito que Norberto se esforcasse foi ficando debilitado, doente e chegou uma altura que nao dava mais para esconder de ninguem o seu estado muito menos de quem mais o amava, Cecilia.

Cecilia ficou devastada mesmo tendo a certeza de que nao iria ficar devastada mas mostrou-se forte e corajosa nunca deixando de estar ao lado marido. Luis Henrique nao deixava de notar naquele sentimento sincero que a madrasta expressava pelo seu pai e na sua mente idealizava encontrar uma mulher assim.

Era uma grande corrida no Campo Pequeno e apesar de debilitado Norberto Nunes Garrido nao queria deixar de la estar, seria possivelmente a ultima grande corrida que iria poder assistir e o Ganadeiro nao a queria perder de forma nenhuma, Campo Pequeno seria a melhor despedida.

A praca estava cheia como um ovo muitos aficionados nao estavam ali pelo espectaculo mas porque sabiam o estado em que se encontrava o Ganadeiro Norberto Garrido e queriam homenagea-lo em vida enchendo a praca como ele tanto gostava de a ver.

Norberto chorara quando vira o proprio filho vestido de Forcado, vestido com o mesmo uniforme que lhe pertencera em vida quando ele fora Forcado. Tinha sido uma enorme surpresa e fora levado ja na cadeira de rodas para se despedir do publico que o aplaudia. Aquele homem tinha dedicado a vida a festa brava e a criacao dos melhores touros que tinham passado pelas pracas de touros de Portugal. Norberto sorrira perante o apluso e acenava a multidao mas tudo ia ficando distante e escuro, alguem o puxava para o outro lado e ele partira para o outro lado em silencio, como um passarinho ali no meio da arena da praca.

O funeral nao podia deixar de ser algo marcante com Cecilia e Luis Henrique consolando-se um ao outro entre abracos de conforto e lagrimas de dor. Era quase certo como iriam acabar mais tarde, nunca se tinham deixado de sentir atraidos um pelo outro mas por respeito a Norberto tinham mantido tudo em silencio porem na ultima conversa que o falecido tivera com o filho chegara mesmo a insinuar que Cecilia era so um pouco mais velha que ele e era a mulher ideal para ele fazer vida. Tudo tinha o seu tempo, eles sabiam respeitar, respeitar sobretudo o luto que teriam de fazer por Norberto, pelo pai de um e o marido de outro mas o amor iria certamente falar mais alto assim como a propria paixao que nao iriam conseguir manter em silencio, estavam destinados a ser um do outro.

                                                                                                                Manuel Goncalves    








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