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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Alves, Marcinda Alves

 

Deixara o hospital, finalmente, apos o longo processo inicial de recuperacao do acidente que tivera e que o deixara naquele estado debilitado e talvez ate dependente da ajuda e auxilio de outros para o resto da vida, isso ainda nao se sabia restava saber como iria reagir o seu corpo agora aos tratamentos de fisioterapia. Sentia-se estranho apesar de ser o seu corpo por mais que tentasse as pernas nao lhe obdeciam a vontade da sua mente.

Iria voltar tambem a exercer a profissao de Advogado onde era especialista em Criminologia na area de homicidios. Tornara-se apesar da tenra idade ainda para os especialista da area um dos melhores em Portugal e era visto como um verdadeiro craque a vencer causas impossiveis, ate a altura do seu acidente estava no auge da sua carreira.

Paulo Goncalves era um Advogado de sucesso mas era tambem um apaixonado pelos desportos equestres, uma prova de Saltos de Hipismo ditara-lhe o parecia condena-lo a uma cadeira de rodas para o resto da sua, no inicio embora os medicos a sua volta lhe dessem esperancas ele so se conseguia lembrar do caso do actor Christopher Reeve o tal que representara a famosa personagem do Super Homem.

Paulo nao queria acreditar no seu destino energetico, independente ate entao via-se agora naquele estado mas iria sobreviver fosse como fosse. O inicio dos tratamentos trouxe-lhe animo as pernas comecam a doer algo que os medicos consideraram bom sinal no entanto havia ainda muito trabalho de fisioterapia pela frente e talvez fosse obrigado a ausentar-se do pais para o fazer falou-se numa Clinica em Cuba mas os conhecidos milagres da medicina oriental sugeriam por si que seria melhor ir para a China, nada estava ainda decidido quando abandonara a Clinica para voltar para a sua casa que estava agora toda remodelada para um Deficiente Fisico onde lhe seria mais facil viver e realizar as tarefas basicas do dia a dia, precisava mesmo para alem da empregada interna que ja tinha em casa antes do acidente que lhe cuidava da casa, da roupa e cozinhava necessitava agora de uma Enfermeira.

Voltara a exercer a advogacia e a carreira brilhante parecia renascer apesar da juventude dos seus trinta e dois anos era visto e respeitado pelos mais velhos sobretudo temido. Em tempo Paulo tivera ofertas de defender causas importantes como a defesa do antigo ditador iraquiano Saddam Hussein que por principios nao de etica ja que todo o criminoso tinha direito a uma defesa mas por questoes pessoais recusara, todo o criminoso tinha direito a uma defesa mas todo o criminoso tinha o dever de ser condenado, pensara. Estivera presente no famoso caso da Casa Pia na defesa das vitimas defesa essa que fizera com sucesso e sem cobrar honorarios quando antes do julgamento logo apos o escandalo rebentar alguns daqueles que eram pecas da acusacao procuram contratar os seus servicos, recusou ajudar os mesmos simplesmente declarou que o lugar dos pedofilos era a apodrecer na cadeia, fazia ja algum tempos tivera varios casos de legalizacao de imigrantes em quase todos os casos obteve sucesso ao ponto de ser bem conhecido numa agencia de trabalhos temporarios onde a maioria dos funcionarios da mesma agencia eram imigrantes de leste, Brasil e africa.Tornara-se assim uma figura conhecida nos Servicos de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) ajudando nao so quem com o tempo pedia nacionalidade como outros que tinham acabado de chegar e queriam pedir asilo tambem no Alto Comissariado para a Imigracao e Dialogo Intercultural (ACIDI) tornara-se defensor de imigrantes nao so procurando legalizar a sua situacao mas tambem defendendo os mesmos em causas de tribunais que envolviam crimes em que os mesmos eram vitimas de racismo, discriminacao racial ou xenofobia, curioso e que muitas vezes o fazia quase a troco de nada entendia que podia e devia colocar os seus servicos em ajuda aos que menos tinham.

Estava sentado na sua secretaria analisava um caso de homicidio em suposta legitima defesa mais uma vez ia ser Advogado de defesa. O suposto homicida era um suposto criminoso e em caso de ser culpado tinha que ser condenado mas mesmo assim considerava que existiam casos e casos e os que eram casos extremos ou ele via que eram contra a sua etica, simplesmente recusava.

Entre os dossiers que estavam na secretaria encontrou um que lhe tinha sido entregue pela secretaria naquela manha. Era a pasta que a agencia de trabalhos temporarios lhe mandara com os curriculos das candidatas a serem suas enfermeiras e assistentes, pois bem ja que tinha que ser ia-se la analisar as candidatas e escolher a eleita.

Zhang Lee Ying era uma chinesa que ele nem se dera ao trabalho de ver seu ficheiro porque certamente levaria uma eternidade a pronunciar aquele nome correctamente, Kristina Romanov uma russa com mais de 40 anos seria uma boa opcao mas estava demasiado velha e o trabalho seria degastante, Nadia Bolloni uma romena que no ficheiro dela nem apresentava fotografia. Comecava a pensar que nao seria daquela forma que arranjaria a solucao para o seu problema. Alves, Marcinda Alves, brasileira, 32 anos tal como ele, formada em Medicina no Brasil, sentiu que era a pessoa ideal, ligou para a agencia ficou combinado com o director da mesma que no dia seguinte a candidata escolhida estaria no seu Escritorio para uma entrevista.

Marcinda era esbelta, loira, cabelo comprido, apresentava-se bem e via-se que tinha todos os cuidados com ela propria, com seu corpo, vestia-se bem e estava bem apresentada. Nao se preocupou muito nem em discutir o salario e muito menos de ter apenas um dia de folga por semana rotativo e uma tarde de sabado e domingo de manha ou vice-versa mostrou-se disponivel a comecar logo no dia seguinte e naquela mesma tarde mudou-se para a casa de Paulo, teria que ficar a morar ali como empregada interna, mostrara-se contente com o quarto de hospedes.

Todas as manhas Marcinda estava pronta levava Paulo para a Fisioterapia, conduzia o carro depois ate ao Escritorio do mesmo e deixava-o la ate ele ligar para ela o ir buscar por vezes tinha que o levar a um Tribunal para uma audiencia. Marcinda era mais do que uma simples Enfermeira, era uma Assistente, Condutora, Auxiliar e tudo mais, mais coisas que lhe competiam desempenhar.

Do dia para a noite Marcinda tornara-se a sombra de Paulo ora em Casa, na Clinica, no Escritorio dele, nos restaurantes onde ele a levava a almocar todos os dias. A maior surpresa fora quando ele fora convidado para Jantar em casa de um cliente um certo empresario chines e a convidara para sua acompanhante ele comprara-lhe um vestido, casaco de peles e ate um colar com pedras de diamantes no fim da noite chegados a casa ela devolvera-lhe a mesma joia, alegara que ficar com a mesma era estar a aproveitar-se da bondade do mesmo, advertiu-o que nao era isso que ela procurava nele.

O tempo passara Paulo ia recuperando ja movia as pernas, o voltar a andar ja nao era uma incerteza e incognita mas uma certeza que se tornaria realidade a qualquer hora a qualquer momento. Marcinda acompanhava-o nos dias da sua folga a passeios ao Guincho, Cascais, Estoril, Sintra ainda mais longe Portinho da Arrabida no entanto recusava receber um extra por esses servicos assim como nao so recusara que aqueles dias de folga lhe fossem pagos a dobrar como chegara mesmo a recebe-los, ela alegava que o fazia por voluntariado e dedicacao.

Ela adorava ir com ele passear ate Belem, vendo o rio Tejo e o sitio de onde partiam as naus e caravelas que tinham como destino terras desconhecidas e por descobrir entre outras um dia estivera tambem a terra dela. Pensava na familia, embora fossem poucos, pensava no filho que morrera num acidente provocado por ela mesma e que a deixara perturbada e amargurada. Nesse tempo deixara de exercer Medicina e agora sentia-se com vontade de o voltar a fazer mas tinha que fazer um apelo a ordem dos medicos em Portugal, tinha que ir a um exame e tudo mais para fazer valer os seus conhecimentos, Paulo voltara a faze-la acreditar de novo na vida e que era possivel conquistar de novo tudo o que se perdera, ela perdera o filho isso nao tinha volta, o marido com o divorcio, a familia que lhe virara as costas quando ela caira nas armadilhas do consumo de drogas e bebida, na suspensao do hospital depois de estar de plantao no servico de urgencias embriagada.

Paulo ia partir para Cuba para uma das melhores clinicas de fisioterapia e era quase certo que dali so voltaria pelas suas proprias pernas, seriam dois meses de tratamentos talvez nem tanto, Marcinda nao o iria acompanhar, sentia que estava quase a chegar a hora das despedidas, a triste hora do adeus, rezava para que ele Paulo, o homem por quem ela se apaixonara loucamente e amava em segredo. Como seria possivel um homem como ele olhar para uma mulher como ela ex toxicodependente, com uma vida e destino incerto, um curso, anos e anos de estudos e sem poder por em pratica os mesmos conhecimentos, levou-o ao aeroporto, desejou-lhe boa sorte, queria beijar-lhe a boca suavemente mas isso nao lhe era permitido nao podia dar-se aquele atrevimento, nao conseguiu suster a tristeza que sentia e chorou, ao abraca-lo na despedida pela ultima vez.

Algumas semanas se passaram Paulo ia ligando e as coisas estavam correndo bem, ja andava com auxilio de muletas, ja conseguia fazer quase tudo sozinho. Quando ele ligava as noticias eram sempre boas e faziam-na sorrir, estava ali a viver em casa dele agora quase de favor, comecara a procurar um quarto, um novo emprego. Estava decidida a ficar com o seu amor ate ao fim mas ainda mais decidida estava a ficar ate ele a dispensar, ate ele lamentar mas dizer que os servicos e prestimos dela ja nao eram necessarios, estava decidida a tudo isso e a mais ainda, por orgulho decidira nao lhe contar o amor e a paixao que sentia por ele, iria sofrer por perde-lo mas seria apenas e so mais uma perda como fora a perda do filho, do marido e dos familiares que lhe viraram as costas e a desprezaram.

Paulo preparava-se para voltar ja andava e estava a arrumar os seus pertences na mala de viagens, sentia-se feliz por voltar a andar, a ser totalmente independente, por poder voltar a conduzir, jogar tenis, fazer surf, decidira apenas que nao ia voltar a praticar hipismo. Sentia-se feliz sobretudo por ir rever Marcinda. Sim aquela mesma Marcinda com quem ele de inicio ate sentia uma certa antipatia e a fidelidade e dedicacao da mesma foram alterando tudo, ele colocara-a a prova varias vezes mandara-a ir depositar certa vez uma quantia em dinheiro que chegava e sobrava para ela ir para o Brasil e se orientar, mandara claro igualmente alguem segui-la a calcular a fuga que seria mais do que certa, resultado dera-se mal ela saiu do Escritorio dele foi ao banco depositou o dinheiro e regressou a casa. Aquela sim era a mulher certa para ele mas como e que uma mulher como ela iria olhar para ele, alguem com nome, carreira brilhante, dinheiro mas ali dependente dos cuidados dela, auto suficiente, agarrado aquela cadeira de rodas. Ela era uma mulher certamente com inumeros admiradores e pretendentes e agora as coisas seriam diferentes ele estava ou pelo menos julgava-se estar em pe de igualdade com os demais que lhe fizessem a corte.

O aviao aterrara em Lisboa, eram quatro da manha mas ela la estava esperando por ele, com a mesma alegria e beleza de sempre. Olharam-se, cumprimentaram-se com um abraco, um beijo no rosto que pela vontade de ambos teria sido uma leve caricia nos labios e o resto logo se viria. Ele so queria ir mesmo para casa nao conseguira dormir durante o voo, ela nao estava muito melhor acordara a meio da noite para ir busca-lo, tomara um banho, perfumara-se, estreara um novo vestido, toda ela estava um sinonimo de beleza, ela estava bela, encantadora, linda, maravilhosa, pensara ele.

Regressaram a casa ele pedira-lhe para ser ele a conduzir, nao conversaram muito, ele apenas lhe contara como tinham sido as coisas em Cuba e ela limitara-se a contar as novidades mais recentes de Portugal, chegados a casa ele apenas disse que ia tomar um banho e dormir, pediu-lhe apenas para se possivel estar livre naquela noite pois queria ir Jantar com ela.

Durante o dia mal se viram ele saiu, nao estava no Escritorio e tinha o telemovel desligado, estava portanto incontactavel. Quando voltara a casa trazia varios sacos, comprara roupas novas, perfumes para ele e entregara-lhe um saco de uma boutique, da boutique mais cara dos centros comerciais de Lisboa com um vestido brilhante de sair a noite para alem de um estojo que continha uma pulseira e um colar que deveria valer uma fortuna, quando ela lhe pedira uma explicacao, um motivo para tudo aquilo ele apenas lhe prometera que lhe explicaria tudo no Jantar.

Ali estavam eles agora no Restaurante de um dos clubes de empresarios mais luxuosos de Lisboa, musica ambiente, empregados de mesa que lhes vinham trazer tudo o que tinham pedido com um enorme sorriso de delicadeza e profissionalismo, tudo o mais puro requinte, ele ja a levara a sitios parecidos mas aquilo era demais.

- Porque razao tudo isto? - olhou ela em volta quebrando o teimoso silencio, apenas se ouviam o ruido dos talheres e a melodia da musica que o pianista ia fazendo sair do piano. - Todo este requinte, toda esta delicadeza! Olha Paulo para voce me dizer o que tem a dizer bastava me levar a uma hamburgaria, um snack-bar.
- Tem calma ja iremos falar sobre o que tenho para te dizer...
- Me dizer o que? Que ja nao precisa mais de mim, que agradece tudo o que eu fiz por voce, me oferecer a sua ajuda mas dizer que agora eu estou demitida porque voce ja nao precisa dos meus cuidados como Enfermeira.
- Nao e isso! Espera e vais ver estas a fazer uma tempestade num copo de agua, eu jamais iria fazer isso com voce.
- Pode deixar eu me viro. - sorriu ela - eu me viro arranjo um novo trabalho do pe para a mao numa questao de segundos, te prometo amanha mesmo eu deixo a sua casa.
- Nao e nada disso que estas a pensar, te prometo que voce nao vai acabar a noite sem saber as minhas ideias.
- Entao se nao e isso o que e que voce esta querendo?
- Iremos falar, mas se me permites nao aqui - olhou em redor - tem muita gente a nossa volta, gostaria de conversar contigo num local mais reservado, a sos.

Terminaram o Jantar calmamente ele se preocupou em nao beber nada mais apos a comida, aceitou a sobremesa, o cafe mas quando lhe perguntaram se queria algo mais considerou-se satisfeito o que menos queria era um novo acidente na sua vida. Sairam do Restaurante e seguiram no carro rumo ao Guincho ele so parou quando se viu frente ao mar, sairam do carro e foram dar um passeio no areal da praia, estavam na companhia apenas das gaivotas e escutavam o ruido das ondas do mar. Ela estava nervosa sentia que ele estava prestes a contar-lhe aquilo que guardava em segredo, a razao de todo aquele misterio estava prestes a revelar tudo, engracado ambos sorriram quando deram conta que sem dar por isso tinham feito o percurso do carro ali de maos dadas.

- Bom Marcinda... - comecara ele. - Eu realmente...
- Fala logo Paulo... - pediu ela. - Seja la o que for.
- Eu realmente nao preciso mais de seus servicos de Enfermeira...
- Eu sabia. - interrompeu ela. - Eu sabia, era isso que voce me tinha para dizer.
- Nao, nao era isso que tinha para te dizer. - ele aproximou-se dela, timidamente dera-lhe um abraco, era talvez a caricia mais intima que tinham trocado ate entao. - O que tenho para falar e algo mais serio e importante.
- Entao fala, droga.
- Marcinda depois de tudo o que voce fez por mim, minha viagem eu pensei em tudo e tenho a certeza que nao consigo mais viver sem voce, eu nao preciso mais de uma Enfermeira mas presiso de uma mulher que me ame e voce ja demostrou que pode ser essa mulher.
- Ei, onde voce esta querendo chegar? - perguntou ela surpresa com o que ouvira. - Sera que so agora o vinho que voce bebeu comecou a fazer efeito!
- Marcinda eu te amo. - agarrou delicadamente e dera-lhe um beijo na boca, soltou-a - desculpa, eu nao devia, desculpa mesmo.
- Nao tem que pedir desculpa seu bobo. Sabe porque? - beijou-o tambem - porque tambem te amo, sempre te amei.

Sorriram abracados, sairam dali. Agora eram dois em um, sentiam que nada os ia separar e que no futuro teriam uma historia para contar uma historia certamente de amor.

                                                                                                               Manuel Goncalves

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