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segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Porque Partiste?



Ele nao queria acreditar, tao pouco tempo que haviam sido felizes, tao pouco tempo que acordara todas as manhas com ela abracada a si, parecia mentira, ela ja nao estava ali, nao queria acreditar que ela simplesmente tivesse falecido, nao gostava de empregar a palavra "morrido" nem mesmo nos seus romances, os seus personagens nunca morriam, por vezes quando a vida terminava para uma simplesmente falecia.

Era um Escritor de renome, mundialmente famoso mas que escondia um segredo que revelava o seu lado mais solitario, Vladimir nunca soubera o que era ser feliz, nunca deixara de se sentir triste, profundamente triste ate a conhecer.

Ele estava na fria Siberia quando o convidaram para vir dar aulas de Literatura Classica numa das Universidades de Moscovo. Estava a meio de um romance, tinha o seu pe de meia e queria era mais sopas e descanso, aproveitar o contacto com a natureza e inspirar-se na mesma para continuar as suas obras nao so de Literatura mas agora tambem de Pintura. Nada apontava que tomasse a decisao de deixar tudo e rumar a Moscovo mas entendera por fim que o fazia por amor a Literatura e para o bem da mesma, so com um bom Professor aqueles alunas iam no futuro dignificar aquela arte, era imperdoavel nos ultimos tempos ver-se alunos quando formados a darem erros na gramatica.

Chegara naquela Universidade visto como um Jogador acabado de ser contratado por um grande clube, era visto como uma verdadeira estrela. As universidades procuravam para ter um bom nome, serem conhecidas e reconhecidas como as melhores ate a nivel mundial contratar os melhores profissionais que estavam ao seu alcance e Vladimir Petrov Lachkeev era um deles, ninguem melhor que ele para exercer aquele cargo.

Sem duvida ele poderia vir a ser Reitor daquela Universidade mas nao era isso que agora lhe interessava. O que lhe comecara a despertar maior interesse e que ele iria ser Professor de alunos universitarios estrangeiros que haviam ganho bolsas de estudo para virem estudar para fora do seu pais. Sentia-se honrado de ser ele a ir dar aulas de Literatura Classica e Literatura Russa aos futuros diplomados que agora seriam seus alunos e sentia-se animado porque alem de ser como que Embaixador da Literatura e da propria Cultura e Arte do seu pais ainda ia certamente descobrir coisas semelhantes da Cultura e Arte dos paises de onde os seus alunos eram oriundos como que em modo de inter-cambio.

Carro e apartamento por conta da universidade, estavam mesmo decididos a mante-lo ali na capital. Ele queria calma e paz para escrever o seu novo romance e aquela aldeia na Siberia onde ele comprara a sua dacha e onde queria comecar a gozar uma reforma antecipada ja que estava preparado financeiramente para isso com o que ganhara com a venda dos seus livros que eram lidos em todo o Mundo e em quase todas as linguas cultas.

Os alunos ele proprio as vezes se perguntava como os mesmos conseguiam em tao pouco tempo se adaptar aquela novo estilo de vida que tinha tantas novas regras que eles nao podiam infringir, eram as leis de um regime de ditadura Comunista que estava prestes a comecar a ruir e caminhar para a beira do abismo e quando se vira a beira do mesmo dera um passo em frente ou fora simplesmente empurrado.

Os seus jovens alunos aprendiam rapidamente a dominar uma lingua tao diferente da sua e alfabeto diferente do seu. Para ganharem alguns trocos extra comecavam por vezes a aceitar trabalhos de traduzir livros ou filmes da sua lingua natal para russo e vice-versa.

Era o primeiro dia de aulas e o dia em que alguns alunos iam conhecer pela primeira ver aquela universidade e o que era o mundo dos estudos superiores e tambem do que era estudar na Uniao Sovietica. Ele sabia que para jovens que sempre haviam sido rebeldes nao era facil gerirem-se agora pela quantidade enorme de regras a cumprir do sistema sovietico, frutos do comunismo e da ditadura. Para alguns era impensavel que por exemplo o namoro fosse algo proibido por ser considerado um acto imoral e obseno.

Logo no primeiro olhar aquela portuguesa que estava ali a pouco mais de um ano que vestia vestidos coloridos e compridos, que falava pouco mas que interagia bastante nas aulas e a que falava russo de forma mais fluente lhe chamou a atencao.

Luisa chamou a atencao do Professor ele nao sabia se pela notavel timidez, se pelo olhar triste e melancolico. Era normal os alunos se sentirem tristes quando estavam longe do seu pais, da sua familia e amigos mas Luisa exagerava. Somente era vista com poucas amigas, trabalhava como tradutora em Part-Time para ganhar mais uns trocos e fazia limpezas em casa de diplomatas e embaixadores e fazia igualmente outros servicos domesticos, era a melhor aluna da sua turma e uma das melhores da universidade nao so do seu curso mas como Aluna daquele estabelecimento de ensino superior.

Ele olhava-a a distancia nos recintos da universidade e somente a via por vezes a escrever num caderno, pensativa, sorridente, aquele sorriso no rosto que nao conseguia esconder a solidao e tristeza que realmente sentia. A muito custo conseguiu aproximar-se um pouco dela e ficou a saber que a mesma sonhava em vir a formar-se em Belas Artes, era o seu sonho ser uma Pintora de Arte famosa e por isso ali estava a estudar Historia de Arte.

Como por magia ela comecou a abrir-se com ele e tornaram-se amigos intimos entao finalmente ele soube a razao da tristeza que a mesma sentia, o motivo da sua timidez. Uns anos antes ela, adolescente, estava na praia com a irma mais nova e com a mae. A mae fora comprar os gelados que prometera e ela ficara a tomar conta da irma mais nova com 8 anos so que o telemovel tocara e ela deixando-se estar a conversa acabou por descuido deixar a irma ir para a agua tendo sido a mesma levada por uma onda.

Sentia-se culpada nao so porque aparentemente todos a culpavam e incriminavam mas porque via que a mae era incapaz de conseguir perdoa-la a irma que falecera nao era do mesmo pai que o dela e era filha daquele homem que realmente fora o amor da vida da sua mae e que tinha morrido poucos anos antes. Luisa optara por concorrer aquela bolsa de estudo mais para deixar aquele ambiente em que vivia nos ultimos 5 anos, sentia-se culpada mas considerava que merecia o perdao dos outros nao havia pior castigo que o sentimento de culpa com que vivera todos os dias nos ultimos anos, ganhara a bolsa, estava ali agora e de facto sentia-se mais calma e em paz embora o sentimento de culpa nao a abandonasse.

Chegaram as ferias e ela, Luisa, ao contrario dos colegas nao ia a Portugal visitar a familia e os amigos. Amigos poucos tinha em Portugal e familia eram aqueles que a viam com aquele olhar acusativo que a levara por muitos anos a sentir-se culpada de algo que os amigos que fizera ali naquele pais agora consideravam nao ser culpa dela.

Prepara-se para passar as ferias ali na cidade universitaria onde morava agora. Era a primeira vez que se ia separar de alguns amigos que fizera nos poucos meses que ali estava e quando pensava que se ia separaar de Vladimir eis que ele a convida para ir passar as ferias na sua dacha naquela aldeia remota da Siberia.

Lugar encantador e apaixonante nunca se sentira tao proxima da natureza, do ar puro e em nada lhe fazia falta que a dacha nao tivesse agua potavel e luz. Era ali mesmo que comecava certamente um novo mundo onde ainda nao chegara muitas das modernices banais como a electricidade mas era ali, justamente ali que ela sentia que nada podia ter porque nada lhe fazia falta. Vladimir, alem do mais Vladimir estava ali com ela.

Era inevitavel que nao comecassem a sentir algo mais intimo e serio um pelo outro e tudo tinha que se passar sem darem nas vistas. Para alem de ele ser Professor dela havia o problema de o namoro ser uma pratica proibida na Uniao Sovietica por ser considerada como um acto imoral e que lhes podia causar enormes problemas. Talvez os mesmos problemas nao tivessem surgido porque ele, ele era um notavel intelectual do pais e um dos super protegidos do regime, mesmo do regime conservador, rigoroso e ditador.

Casamento sim, houve casamento quando ela ja apresentava sinais de fraqueza, quando a doenca a parecia querer levar a viva forca e ela estava cada vez mais fragil. Aqueles invernos rigorosos traiam as pessoas que nao estavam preparadas para isso e ela depois de apanhar uma dose extra daquelas doencas de Inverno acabou por ficar mal dos pulmoes e fora-lhe diagonisticada uma tuberculose.

Ele nao se afastara dela apesar da terrivel doenca, insistiu em ficar junto e cada vez mais proximo da mulher que amava mesmo com ela doente, debilitada e com o destino de morrer cada vez mais certo.

Todos os dias, quase todos os dias Lachkeev ia no cemiterio e levava as flores que a falecida amada mais gostava e entre lagrimas de sofrimento e desespero deixava sempre a mesma questao, Porque, porque partiste?

                                                                                                      Manuel Goncalves









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