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segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Acerto de Contas Com o Passado

 

Eles tinham tudo o que era preciso para que todos os pudessem considerar pessoas que estavam bem na vida. Ela vestia roupas das boutiques dos melhores costureiros de Paris e Roma, calcava os sapatos mais caros e comprava as joias mais caras que podiam haver. Ele raramente era visto dois dias seguidos com a mesma camisa na mesma semana, passava o tempo no escritorio ou no clube de empresarios que era frequentado pelos mais poderosos de Portugal. Viviam numa casa de sonho onde nao faltava piscina e na garagem cada um tinha o seu carro das marcas top gama e ultimo modelo. As ferias eram sempre em locais paradisiacos e de sonho nos melhores hoteis com os melhores destinos seleccionados. A vida permitia-lhes no mesmo ano fazerem ferias duas vezes uma no Verao outra no Inverno e nesses destinos tinham estado ja em Paris e Roma diversas vezes quase que ja perdiam a conta, em Londres, Nova Iorque, safaris no Quenia e cruzeiros a volta do mundo.

Podia-se dizer que os efeitos da crise nao passavam por aquela familia os filhos estudavam nos melhores colegios do estrangeiro, os negocios corriam de vento em popa embora ja tivessem tido melhores dias. Tudo parecia indicar que aquela era uma familia abonada pela sorte ate a pouco tempo tinha sido assim porem havia algo que fizera mudar as coisas, o dinheiro deles e todas as fortunas do mundo nao compravam a saude quando a mesma comecava a faltar, sobretudo quando se tratava de uma doenca rara.

Ela era portadora de um tumor cerebral e parecia estar condenada a morte nenhum dinheiro do mundo parecia poder savar-lhe a vida e devolver-lhe a saude que outrora tivera. Era uma tragedia que parecia cair sobre a cabeca daquele casal de meia idade outrora tao feliz e apesar de tudo contnuavam felizes e sobretudo unidos. Naquele momento a familia mostrou-se mais unida que nunca e os cinco filhos do casal estavam sempre presentes agora mais do que nunca o espirito de uniao e forca que envolvia aquela familia era mais do que evidente, todos o sentiam.

As ferias de sonho agora eram trocadas sempre por viagens a Londres a uma Clinica onde Camila ia fazer tratamento que mesmo nao a salvando iam-lhe prolongando o tempo de vida e pensava ela por vezes de sofrimento. Os medicos estavam receosos de a operar ja que o tumor embora benigno se encontrava numa zona muito delicada e nao havia Medico que arrisca-se a fazer a mesma cirugia a probilidade de sucesso era alguma mas a de sobrevivencia era muito remota.

O telemovel tocava e Ricardo Guimaraes, sempre que tocava e nao reconhecia o numero ficava receoso se tinha acontecido alguma coisa com a esposa cada vez mais debil e fragil parecendo estar mesmo condenada a morte por dias. Era da Clinica em Londres um Medico Neurocirugiao criara uma nova tecnica de cirugias para tumores cerebrais e ao tomar conhecimento do caso delicado de Camila Guimaraes resolvera oferecer os seus prestimos e melhor que tudo e que nem tinham que se dar ao trabalho de se deslocar a Londres novamente, o neurocirugiao que parecia fazer milagres era portugues e tinha um Consultorio ali mesmo em Lisboa.

Luis Caldeira era assim que se chamava o Medico e ao tomar conhecimento com o mesmo tanto Ricardo como Camila pareciam que ja tinham visto aquela cara a muito tempo, talvez mais de vinte anos, aquele rosto parecia-lhes nao ser estranho mas num formato muito mais jovem, o nome porem nao lhes parecia querer dizer nada. O mais estranho e que o Medico parecia partilhar da mesma certeza embora ficassem todos em silencio nesse sentido.

Os exames haviam sido realizados e os resultados haviam saido, Luis Caldeira entendia que nao havia motivo para que a mesma cirugia nao fosse realizada mas queria faze-lo o mais rapido possivel para nao agravar a situacao, marcou-se entao a data da operacao e essa tinha que ser mesmo realizada num hospital em Londres considerado o melhor do mundo em operacoes a tumores no cerebro.

- Vai salvar a minha esposa doutor? - perguntou Ricardo antes do Medico entrar para a sala de operacoes. - Sabe, que dinheiro nao e problema...
- Caro senhor, farei tudo o que estiver ao meu alcance para que a sua esposa se salve e se por acaso falhar pode ter a certeza que nao foi por dinheiro da mesma forma que nao e por dinheiro que estou a tentar salvar a sua esposa. - pausou. - Pode ter a certeza se estivesse ao meu alcance independentemente de se ser rico ou pobre nao deixava morrer nenhum paciente meu.
- Agradeco-lhe por isso doutor, faca o que puder.

O neurocirugiao entrou para a sala de operacoes e Ricardo ficara ainda com mais certeza de que conhecia aquele homem muito antes de entrar pela primeira vez com a esposa no Consultorio do mesmo na Avendida da Liberdade em Lisboa, mas de onde?

Tres horas se tinham passado e ninguem se aproximava de si para lhe dizer uma so palavra a unica coisa que conseguira arrancar de uma enfermeira e que aquelas operacoes demoravam muito tempo por vezes mais de cinco horas. Perguntou se o hospital tinha uma capela e apos ter recebido uma resposta positiva dirigiu-se ate la. Fazia anos que nao se sentia tao perto de Deus, ao tempo que nao fazia uma oracao embora fosse um homem de fe e crente em Deus, era naqueles momentos de maior aflicao que se pensava nos erros que se tinham cometido ao longo da vida.

A esposa nao merecia morrer assim ainda tao nova e que mal havia feito ela para nem sequer ver os netos nascerem e ve-los crescer. Uma alma bondosa demasiado bondosa, pensava. Vai-se la saber porque razao deu por ele a lembrar-se de quando era ainda aluno de Liceu e ja namorava com Camila de ver um miudo, sujo, magro, mendigando e entrando no snack-bar perto do Liceu onde ele e Camila tinham por habito ir lanchar um Hamburger. O garoto estava faminto e todos lhe viravam a cara, todos o afastavam como se ele tivesse uma doenca contagiante. Ate que se aproximou da mesa deles Camila ja a bondade em pessoa sorriu ao garoto e o mesmo retribuiu o sorriso.

- Ola, tens fome? - como se isso fosse pergunta que se fizesse, evidentemente que sim.
- Sim, tenho. - respondeu o garoto estranhando a delicadeza de Camila. - Eu nao quero dinheiro, quero comida.
- Gostas, disto? - apontou-lhe para o prato das batatas fritas com a sandes de hamburger que estava a acabar de comer. - E bom.
- Nao sei, nunca provei. Mas... - gaguejou - eu gosto de tudo, menos de ter fome.
- Tudo bem vais gostar, senta-te que vamos ja tratar dessa tua fome.

Era aquele momento mais que qualquer outro que o fazia acreditar que Camila era uma criatura bondosa rara de encontrar nos dias que ainda corriam e a quem a riqueza em que viviam nunca a fizera mudar o caracter, antes pelo contrario Camila nao descansara enquanto nao fundara uma instituicao para ajudar os mais necessitados e fora a mesma obra que a mesma dedicara toda a vida e tempo livre. Estava demasiado envolvido naqueles pensamentos que nem se apercebera que ja nao estava sozinho, olhou para tras era o Medico que acabara a cirugia, correu para junto do mesmo.

- Entao doutor? Como correu a operacao?
- Correu tudo bem agora e esperar pelos resultados, vamos ver. A parte mais dificil que era a cirugia ja passou. - sorriu - quando nao o vi no corredor que da para a sala de operacoes e nem na sala de espera calculei que estivesse aqui, e sempre assim nestes momentos.
- Nao sei porque razao mas sempre tive a certeza de que ja o conhecia de algum lado mesmo antes de entrar com a minha esposa pela primeira vez no seu Consultorio em Lisboa. - olhou-o novamente mas a duvida persistia, talvez o Medico conseguisse explicar-lhe de onde. - Diga-me de onde!
- Nao sei, eu sou muito conhecido e natural. Agora deixe-me ir acompanhar o estado clinico da sua esposa.

A conversa ficou por ali e nao mais se encontraram semanas depois Ricardo e Camila estavam de regresso a Lisboa a mesma estava ainda debilitada e fragil da operacao mas estava mais importante que tudo salva segundo afirmava Ricardo. Queria voltar a encontrar aquele Medico nao tinha palavras para lhe agradecer e nem com toda a sua fortuna o iria conseguir retribuir o mesmo devolvera-lhe o bem mais valioso que ele tinha, sua esposa salva.

Faziam uma vida ja normal quase que se tinham passado dois meses Ricardo chegara ao seu escritorio era um dos melhores analistas financeiros que havia no mercado, conselheiro na bolsa de muitos milionarios. Tinha uma carta no cimo da sua secretaria era de Londres, do hospital em Londres certamente era a conta do hospital, abriu-a comecou a ler e logo ficou incredulo.

"Caro Sr Ricardo Guimaraes a minha cara nao lhe era estranha nem a si nem a sua esposa, e natural foi a mais de 20 anos eu era um garoto mas o meu rosto sofreu pouco com a mudanca de feicoes e entrada na idade adulta. Sim de facto tambem eu reconhecim logo o Sr e a sua esposa nao me quis logo identificar nao por vergonha mas porque optei por deixar isso para o fim, eis chegado o momento.

Eu o conceituado e reconhecido neurocirugiao Luis Caldeira hoje com um bom carro e casa ai a uns 20 anos atras era um jovem orfao de mae com um pai que se drogava e bebia, andava sempre com fome e a mendigar comida nos snack bares e restaurantes dos centros comerciais de Lisboa. Todos ou quase todos sempre corriam comigo e me afastavam cheguei mesmo a ser proibido pelo Gerente de entrar em alguns restaurantes. Um dia numa tarde de Verao, ja no final da tarde encontrei um casal de jovens nesse dia estava com mais fome do que nunca e a senhora desse casal foi a pessoa mais bondosa e delicada que encontrei na vida. Eu tive uma infancia muito complicada acabei por ir parar a um colegio interno e foi ai que me fiz um homem e estudei ate ir para a faculdade depois tornei-me em quem sou hoje.

A vida da imensas voltas Sr Ricardo Guimaraes. Sim ja nos conheciamos de facto antes do Sr e a sua esposa entrarem pela primeira vez no meu Consultorio em Lisboa de facto eu era aquele rapazinho sujo e faminto a quem a sua esposa ofereceu comida e matou a fome. Agradeco-lhe por isso e penso que agora finalmente acertei contas com o passado a sua esposa matou-me a fome e deu-me comida e eu a conta daquilo que aprendim acabei por salvar-lhe a vida. Estarei de regresso a Lisboa na proxima semana e gostaria de os reencontrar, temos que combinar um Almoco ou Jantar, e ate porque nao naquele mesmo snack-bar onde a sua esposa me salvou de morrer de fome se o mesmo ainda existir".

PS: Quanto a despesa da conta do hospital nao se preocupe com isso que ja tratei de tudo o meu trabalho foi gratuito e a despesa do hospital foi paga com um hamburger com batatas fritas e uma coca cola.

Ricardo Guimaraes correu para casa tinha que contar a mulher e ela tambem nem queria acreditar que um dia tinha matado a fome aquele Medico a quem agora a mesma quase que devia a vida. Era mesmo assim a vida vai-se la saber porque razao as vezes dava voltas inesperadas e aquela era mais uma licao que a mesma vida lhe acabara de dar.

                                                                                                             Manuel Goncalves

2 comentários:

  1. Percebi que todas as pessoas que se cruzam connosco são importantes. Algumas são mesmo especiais! No teu texto noto um sentimento bondoso, Deus queira que o tenhas sempre. Fazer o bem, sem olhar a quem! Ou às vezes olhar, porque há pessoas que merecem todo o bem do mundo.

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    1. Caroline na vida ja comim o pao que o diabo amassou como se costuma vulgarmente dizer, sem nunca o ter conhecido, sem nunca estar a mesa com esse tal diabo. Sim ajudar o proximo mas com precaucao. Eu sou alguem que ajudou muita gente (de familia sobretudo) e posso dizer que nao tive boa experiencia com isso quando fui eu o necessitado todos me viraram as costas e a vida, infelizmente. Sinto-me feliz porque apesar de tudo nunca perdim o sentimento e espirito de bondade e de ajuda agora claro de outra forma.

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