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segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

O Meu Ultimo Rally Lisboa - Dakar

 

Era o realizar de um sonho para quem vivera sempre com a adrenalina e o espirito de aventura a flor da pele naquele ano seria o meu ultimo Rally com destino a Dakar nao era o primeiro e esperava que fosse menos tragico que o anterior, aquela seria a ultima vez que eu estaria a participar em algo semelhante pelo menos em competicao. 

Eu iria partir para longe, para outro continente mas iria partir de casa, sim Lisboa era a minha casa e a prova era Lisboa-Dakar a organizacao do evento tambem estava de parabens tudo havia sido escolhido ao minimo detalhe tanto o trajecto como ate o slogan publicitario da prova "Lisboa-Dakar Rumo A Grande Aventura", se esse era o rumo e destino entao iamos la a ele e esperar conseguir chegar ao fim.

Filho de pessoas liberais e de uma familia um pouco acima da classe media os meus pais eram medicos e faziam parte da equipa de socorros medicos que acompanhavam um Rally Dakar o mesmo evento desportivo sempre esteve muito perto de mim. Desde cedo tambem que me tornei um apaixonado por corridas de enduro e por motas e o meu sonho claro era ser motard de um Rally Dakar. Queria ser igual aos meus idolos Stephane Peterhansel, Marc Coma ou Cyril Despres e no dia que meu pai chegou a casa e disse que o Perterhansel ia Jantar la a casa naquela noite eu entrei em delirio o Stephane Peterhansel vinha Jantar a casa dos meus pais eu ia ter o meu idolos dos idolos o melhor dos melhores junto a mesa comigo e o meu pai queria que eu me comportasse a altura era so o Peterhansel para o meu pai, obvio que para ele era normal acompanhava os mesmos em competicao, tratava-lhes das mazelas das quedas, etc para o meu pai nao era nada do outro mundo para mim era estar a Jantar com um heroi ou Deus.

Recebida a minha primeira mota quando cheguei ao liceu era a prenda de ter passado de ano uma Honda que nunca abandonei mas que troquei depois por uma Yamaha e mais uma vez por influencia do meu idolo sempre fiquei com as Yamahas so ia trocando pelo modelo mais recente nunca tendo interesse em adquirir uma KTM que era nos ultimos anos a mota que vencia o Rally Dakar entendia porem que as vitorias nao dependiam apenas da maquina mas da experiencia e pericia de quem as manobrava. 

Estudara claro e formara-me mas a minha ambicao era mesmos tornar-me um cnhecido e bem sucedido motard de rallys ao contrario do que e costume tinha o apoio da minha familia por inteiro. O que eu queria mesmo era ser motard de competicao, vencer todos os obstaculos de uma prova de competicao de peito aberto e com o vento a abrarcar-me, espirito aventureiro e decidid era o que eu tinha no entanto formei-me primeiro em engenharia mecanica como nao podia deixar de ser nao descansei enquanto nao criei o prototipo de uma mota na qual conquistara as primeiras vitorias.

O Rally Dakar ainda na versao antiga de Paris-Dakar esperava por mim e ou anseava por isso a muito tempo mais uma vez ia estar ao lado de Stephane Peterhansel, Marc Coma ou Cyril Despres com os outros mal me relacionava e poucos os conhecia mas desde daquele Jantar em casa dos meus pais que Peterhansel era uma amigo da vida pessoal e agora pela primeira vez embora fosse colega de equipa iriamos ser amigos na vida pessoal e rivais em competicao. Peterhansel era apontado como alguem que me estava a tapar os caminhos na Yamaha. Eu tinha tudo para ser o piloto de eleicao da equipa mas ele era como que um heroi, um Deus no entanto era so e apenas o hexacampeao sendo que tres dos titulos haviam sido consequetivos. Eu via-o em competicao como um rival mas nao como alguem que me fosse temido eramos amigos na vida pessoal e eu olhava para ele todos os dias no fim da etapa e via-o como alguem com quem eu tinha muito para aprender.

Chegamos juntos a Paris onde mostravamos ser falsos os boatos e noticias que corriam na comunicacao social de que estavamos de costas viradas. Quase a ultima da hora a organizacao resolvera alterar algo que tinha sido inedito ate entao aquele Rally Paris-Dakar nao era como habitualmente em que se saia de Paris e tinha-se que chegar a Dakar naquele ano unica fez que assim se fizera iriamos de Paris ate Dakar e voltariamos a Paris.

Arranquei bem mas Peterhansel parecia ser voador entre nos estava tambem o Edi Orioli mas tudo bem de Paris ate a chegada a africa Peterhansel liderou com um a vontade sobretudo em territorio frances que lhe era uma vantagem por estar em casa no entanto na entrada em Espanha as coisas mudaram mas ele continuava na frente eu estava a ser a revelacao do Rally e a luta era entre mim e o Orioli pela segunda posicao.

Em africa no deserto tudo parece um sonho e penso que nao existe melhor anoitecer com paisagens mais belas que aquele por do sol ao final do dia e o nascer do sol todas as manhas. Fartava-me de tirar fotografias e ja me gozavam perguntado se eu era motard do Rally Paris-Dakar Reporter Fotografico que estava a fazer uma cobertura do mesmo evento. Respondia sempre que talvez nem uma coisa nem outra quando pegava na maquina fotografica era simplesmente um amante da natureza e das coisas boas da vida.

O calor estava a ser o meu principal problema alem de ser iniciante numa prova tao dura. As dunas, Saara Ocidental, Argelia e Mali tudo parecia um sonho e apenas um dia de descanso. Os camioes os gigantes da competicao iam ficando para tras e os carros habitualmente tambem era dificil nao serem os transportes de duas rodas a serem os primeiros a terminar uma ligacao e uma especial a serem os primeiros a chegar no final de um dia e etapa ao destino marcado.

Foi ja a entrada do Senegal quando se deitavam as ultimas cartadas e onde era ja duas competicoes que se tinha de fazer uma era a competicao oficial que era desportiva a outra era a competicao entre nos, pilotos, motards, navegadores e todos os restantes envolventes na competicao tinham de fazer uma competicao entre nos e o cansaco provocado pela fadiga. Orioli tivera uma avaria na mota e estava fora da competicao Peterhansel tivera um azar de ir na frente e nao ter ninguem a quer seguir o rasto acabou por perder-se, acontece aos melhores. Peterhansel perdera alguns minutos de vantagem e estavamos os dois quase lado a lado.

Na furia de vencer o meu idolo, mestre e sujeito ao qual sempre me quis comparar estava disposto a tudo mesmo a faze-lo passar pela humilhacao de ser naquele momento vencido por alguem a quem ele no inicio do Rally chamada de puto. Na partida ele olhou-me sabia que podia ser vencido pelo puto e passar uma humilhacao de ele o experiente ser batido por um desconhecido estreante nao estava na cabeca de ninguem. Com enorme fair play e ja montados nas motas apertamos as maos para a fotografia desejamos boa sorte um ao outro e que venca o melhor e no nosso intimo certamente tambem ele pensava, entao que o melhor seja eu.

Eu voava sobretudo quando vi que tinha tido uma ligeira vantagem aquele era o ultimo dia de competicao e poucas vezes se chegara ao ultimo dia com a duvida de quem seria campeao naquele ano tanto em motas, carros como tambem nos camioes. As ultimas dunas e a entrada na praia ia-se seguir no entanto so cheguei as ultimas dunas e nao vim a praia ainda sem saber porque uma aparatosa queda e acidente fez-se tornar um derrotado e eu ficara em luta nao pela vitoria mas pela propria vida.

Nao me lembro de nada so sei pelo que me contaram que quando fui levado para o hospital em Dakar eu estava dado como morto. Ainda no helicoptero que me transportou fizeram-me uma reanimacao com sucesso e entrei no hospital direito aos cuidados intensivos com um traumatismo craniano. O capacete de pouco servira quando na queda da mota ao subir um rochedo bati fortemente com a cabeca. 

O primeiro diagonostico fora terrivel em Portugal no noticiario de ultima hora cheguei mesmo a ser dado como morto. Na sala de operacao foi-me retirado um rim e os medicos so saberiam se eu poderia voltar a andar depois de verem como iria reagir a fisioterapia que se iria seguir e tudo mais que fazia parte da recuperacao, chorei quando soube que poderia ate voltar a andar mas so por milagre voltaria a montar uma mota.

Recuperacao sofredora mas tinha vencido voltara andar embora tivesse ficado a coxear de uma perna mas poderia ter sido pior quanto ao voltar a montar uma mota durante os tres primeiros anos nem arrisquei tentar mas o bichinho estava ca dentro e nao morria. Voltara as competicoes tres ans depois da queda e durante anos competira sempre em provas amadoras e nao oficiais.

Ja com quase quarenta anos sentia-me experiente tao experiente como qualquer vencedor de um Rally tao experiente como ele, Peterhansel e ele vencera em motas seis vezes um Rally Dakar mais cinco vezes em automoveis, porque razao nao havia eu de ganhar pelo menos uma?

Havia sido uma srupresa geral mas la estava eu novamente entre os aventureiros das duas rodas que iam tentar vencer a competicao de todo-terreno mais dura do mundo sabia que aquele iria ser o meu ultimo Rally Dakar e ao contrario da ultima vez ia ter partida da minha cidade natal seria uma versao de Lisboa-Dakar estava entre os meus pelo menos na partida.

No terceiro dia de prova ja estavamos em africa gozando da minha experiencia com a etapa do primeiro dia que conhecia de olhos fechados Lisboa-Portimao ganhara ligeira vantagem sobre os adversarios mais directos. No segundo dia tentei gerir a vantagem sem apertar muito ritmo. Sabia bem que o deserto era o que importava ate ao dia do descanso era mais uma brincadeira. Uma brincadeira onde eu nao brinquei cheguei a meio da prova e ao dia de descanso da competicao em primeiro da geral nas motos.

No evoluir do avancar no deserto as coisas foram-se complicando mas nao apenas para mim eu sentia-me bem a mota e que comecava a dar problemas mecanicos. Era de facto desgastante para pilotos e para as maquinas etapas com mais de 800 km por se cumprir quase diariamente. Eu so pensava com menos de 100 mil Km e eu andava ali todos os dias a fazer quase 1000 km ate chegar ao destino final, se la conseguisse chegar.

Ultimo dia, tinha perdido muito tempo por causa do GP'S da mota a vantagem era ja irreal eu estava em segundo posto a menos de dez segundos do lider mas era um facto. Era tambem assustador que o piloto que estava em terceiro da geral estava colado a mim por segundos tambem. Quando o primeiro e o vencedor chegava sempre a ter no final mais de uma hora de vantagem sobre o segundo era de facto historico que naquele ano qualquer um de tres motards pudesse ser vencedor.

Eu dos tres foi o que arrancou pior para a ultima etapa que de 110 km e que nos outros anos era mais para dar show ao publico naquele ano era diferente. Eu, o espanhol Marc Coma, e o frances Cyril Despres eramos tres caes a um osso mas so um ia roer no final o mesmo osso. Comecara o meu ataque passei junto a duna que quinze anos antes quase me custara a vida e me tirara o direito a gloria e honra de vencer um Rally Dakar Marc Coma estava desesperado quando passei por ele tinha tido uma avaria no motor e estava fora de prova. Agora so me restava o Frances que ia la na frente e ja se via a praia la bem ao longe. Para tras tinham ficado as caravans de camelos, os Tuaregues, os oasis e tudo mais alem dos restantes competidores, colegas de equipa ou rivais. Cyril ia la na frente mas cada vez o via mais perto, olhei no GP'S e ja so faltavam 10 km eu estava em tinha uma desvantagem abaixo de 10 segundos para o frances pelos meus calculos e na geral ele tinha uma desvantagem para mim desse mesmo tempo. Era uma loucura aquela ultima etapa voltara a apertar  o acelerador e estava cara a cara com Cyril quando faltavam 3 km. Ele ganhara aquela etapa mas apenas por... 9 segundos, eu tinha ganho aquele Rally Lisboa-Dakar apenas com 1 segundo de vantagem.

No podio era o acenar e sorrir a multidao, os flashs dos fotografos, os microfones e cumprimentar os derrotados que tinham vindo dar os parabens ao vencedores conforme iam chegando, olhei Cyril que me sorriu e disse para nao me preocupar com nada no ano seguinte era outro ano. Sim era outro ano mas apenas para ele para mim aquele ano tinha sido especial, tinha sido o ano do meu ultimo Rally Lisboa-Dakar que eu contra a todas as expectativas tinha vencido apenas por um segundo mas tinha vencido. Chorava, sim chorava... de alegria.

                                                                                                          Manuel Goncalves

2 comentários:

  1. Muito emocionante este relato.... Parece muito próximo da realidade. Quem sabe se será o último rally.... :)

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    1. Obrigado, talvez possa estar proximo da realidade porque os nomes e locais sao reais este conto marcou-me imenso justamente no dia em que o escrevim no decorrer do Rally 2015 morreu mais um motard.

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