Página

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

A Rapariga do Comboio


                                             
Ambos sentiam que eram mais do que estranhos que faziam parte daquela multidao de gente com quem se cruzavam todos os dias e com os seus companheiros de viagem de ida e regresso a casa, era assim todos os dias.

Cruzavam um olhar sem nunca terem trocado uma palavra e um sorriso timido como quem tinha acabado de fazer amor e estava delirante sob um orgasmo de felicidade. Nao se comunicavam mas ambos sentiam aquela atraccao um pelo outro so que a timidez era persistente demais para ser vencida so que tudo estava prestes a poder mudar ate ao momento ambos eram a paixao secreta, o amor platonico um do outro.

Para ela que era mais dada a fantasias dos contos de fadas ele era nem mais nem menos do que o cavaleiro que a viria salvar montado num cavalo branco e ela para ele que pelo menos nos sonhos era mais atrevido era aquela com quem ele iria fazer amor toda a noite, saciar o desejo, matar aquela fome de falta de prazer, fazer aquele amor louco e ela era igualmente aquela que entre quatro paredes lhe realizava todas as fantasias e mais algumas. Nos sonhos era assim na realidade ela era apenas a Rapariga do Comboio que descia sempre numa estacao antes dele.

Aquela alcunha de a Rapariga do Comboio comecou porque ele nao sabia o nome dela e nem tinha como a chamar um belo dia iam os dois frente-a-frente e enquanto ele nao tirava os olhos do jornal que costumava ler todos os dias e ao qual dava enorme destaque a pagina desportiva ela ia concentrada no seu novo livro, um romance como sempre, a rapariga no comboio, iam no comboio. Porque nao comecar a chamar-lhe no seu intimo a Rapariga do Comboio era so trocar o no pelo do e estava feito. Eras agora a Rapariga do Comboio, estavas proibida de comecar a viajar de autocarro, pensara ele sorridente por fim.

Ele chegava a casa depois de passar a correr pela mercearia do bairro ali perto de casa e corria novamente a colocar a comida no micro-ondas, gesto tipico da rotina de um homem solteiro. Ia ate ao cafe cumprimentava com um aperto de mao os clientes habituais nao fosse ele um deles e sorria como que a querer ser simpatico com os que nao conhecia. Era ali que via os jogos de bola, que gesticulava, gritava e brafejava quando o Benfica nao estava a ganhar ou estava a ser roubado. No fim ia para casa, no dia seguinte era um novo dia de trabalho e de a ver a ela sentada a sua frente ou ate ao seu lado no comboio.

Ela chegava a casa no final de um dia de trabalho e havia ainda tanta coisa por fazer. Passar a ferro, cozinhar, tratar do filho e tudo mais que uma mae solteira e mulher com orgulho de ser independente tinha que fazer e sobrava-lhe praticamente pouco ou nenhum tempo para ela propria no entanto mesmo assim nao deixava de estar bem arranjada, perfumada e vistosa todos os dias para lhe chamar a atencao.

Eram dois estilos de vida comuns de duas pessoas que eram solteiras e viviam sozinhas mas que eram opostos em muitos outros sentidos. Ele tinha tempo para ele proprio, para os jogos de futebol com os amigos, as pescarias e cacadas assim como as partidas de tenis ao fim de semana, era so uma questao de combinar as coisas. Ela pouco tempo tinha disponivel e quase todo esse era para ser dedicado ao filho sobretudo a leva-lo a passear ao fim-de-semana no parque onde o mesmo adorava estar e dar pao aos patos do lago. Em algumas dessas pausas com o filho ela dava por ela propria a pensar nele, naquele estranho do comboio de quem nao sabia o nome, de quem nao sabia nada, com quem nunca trocara uma palavra mas com quem sonhava quase todas as noites. Pensava tambem que em breve iria perder o emprego e ser mais uma das muitas pessoas desempregadas num pais com poucas oportunidades ou quase e praticamente nenhumas.

Ele ja nao sabia mais o que fazer ganhar coragem para se aproximar dela ou simplesmente para a chamar a atencao e nao sabia, nem podia imaginar sequer como a vida lhes iria trocar as voltas, aproxima-los e talvez ate junta-los se essa fosse vontade e desejo de ambos. Isso nem era pergunta que se fizesse!

Veronica assim se chamava a Rapariga do Comboio de Alberto estava com varios problemas na vida um estava quase solucionado era o tal de ir ficar sem emprego. Como boa gerente de lojas que era uma cliente da loja onde ainda trabalhava arranjara-lhe emprego na loja de uma amiga num dos principais centro comerciais de Lisboa e ate onde iria ganhar mais. Estava a arranjar-se para ir a entrevista mas com a cunha que tinha o emprego era quase garantido, as referencias e o passado profissional tambem lhe abriam as portas em qualquer loja com a posicao de Gerente. Todos os problemas fossem apenas esse o maior era saber que o ex-namorado e pai do filho estava prestes a sair da prisao e iria querer voltar para ela, iria querer ver o filho, iria certamente como nos tempos antigos tornar-lhe a vida num inferno. Olhava-se ao espelho e pensava que maldita tinha sido a hora em que tinha conhecido aquele homem do qual a unica coisa boa que tinha conseguido era o filho. Queria no entanto afasta-lo da ma influencia do pai e isso seria ate possivel por uns tempos se ela mudasse de casa sem dizer a ninguem para onde ia.

Mais um dia e tudo era igual as mesmas pessoas umas de pe outras sentadas e parecia mais uma vez a sua Rapariga do Comboio ou a mulher dos seus sonhos iria ter que iniciar o percurso da viagem em pe. Tentara marcar o lugar dela ao lado dele pousando o jornal mas sem exito, comboio super lotado era o que dava tudo aquilo. Ela entrou parecia feliz, olhou-o e mais uma vez apenas com o olhar tinham-se cumprimentado novamente. Nao parecia preocupada de viajar em pe e estava um pouco mais vistosa e bela que nos outros dias. O que mais o intrigara naquele dia e que a mesma nao saiu na sua estacao habitual e saiu na mesma que o seu cavaleiro do cavalo branco.

Perdeu-a de vista entre a multidao que caminhava para a porta da estacao depois de sair do comboio. Ele nao tinha muito para andar ja que o centro comercial onde era Seguranca era logo ali nem precisava sair da estacao ja que a mesma estava interligada com o centro comercial no entanto fazia-o porque gostava de ir ao cafe da esquina tomar o Pequeno-Almoco, conversar um pouco com os clientes habituais aquela hora, nao fosse um deles.

Aquilo nao era possivel, era uma alucinacao a Rapariga do Comboio, a Dama dos seus sonhos, aquela com ele em fantasia fizera amor na noite anterior e tivera um orgasmo inesquecivel, essa mesmo, estava ali ao balcao a espera de ser atendida. Todos notaram na mesma e ele ate se alegrara com isso era sinal de que tinha bom gosto. Depois de beber um cafe e um Pastel de Nata a mesma saiu e olhou para ele com espanto mas trocando um novo sorriso de alegria. Nao gostou da forma como alguns clientes falaram dela, o que faziam com ela ou o que nao deixavam por fazer, sem duvida havia gente que era so lixo.

Entrou no centro comercial e foi para a seccao que era destinada ao pessoal de servico era ai que se ia vestir e fardar e depois iria para o seu departamento no Piso 4 destinado aos cds, dvds e livros. Como antes da Literatura, boa musica e um verdadeiro Cinefilo fora ele proprio que se oferecera para trabalhar naquele piso e assim entre outras coisas estava sempre a par das novidades que chegavam ao mercado e que estavam finalmente na loja. Ia a entrar no elevador quando a viu novamente ali ao seu lado. No comboio como todos os dias, no cafe e agora ali, ambos pensaram que estavam perante o seu dia de sorte. Ela carregou para ir ao Piso 5, perfumes, cosmeticos e acessorios femininos pensou ele, veio as compras. Saiu do elevador sorrindo-lhe e ela retribuiu o mesmo sorriso, agora ja sabia mais alguma coisa sobre o seu Princepe encantado que a viria buscar um dia montado num cavalo branco, ja sabia que ele trabalhava ali e que era Seguranca.

Nos quatro dias seguintes nao a encontrara no comboio e pensara que algo de mal tivesse acontecido mas ao quinta encontrou-a nao no comboio mas no centro comercial no seu piso a procura de um livro ou a fazer que procurava um livro, estava vestida com o uniforme de uma funcionaria de uma das lojas do Piso 5 e ficou a saber que eram agora quase como que colegas de trabalho ja que embora em sitios diferentes, para identidades diferentes trabalhavam no mesmo edificio ainda que em pisos diferentes. Parecia que tinha acabado a rapariga do comboio ja que ela estava ali e nao se tinham cruzado no caminho agora ainda mais facil de acontecer e com o desaparecimento da Rapariga do Comboio iria agora comecar a rapariga do centro comercial ou porque nao ao estilo da musica de Rui Veloso, ja que a ideia da Rapariga do Comboio viera daquele romance de Paula Hawkins, a Rapariga no Comboio bem que poderia comecar a ser a Rapariguinha do Shopping, mas realmente nao tanto vaidosa apenas porque era agora que ali se viam e encontravam todos os dias.

Fora ela a Rapariguinha do Shopping que vencera a timidez e lhe viera pedir uma informacao onde encontrar um determinado livro e ele proprio a levou ao sitio onde o mesmo se encontrava. Dali para a frente nao houve mais timidez e ambos passavam juntos o tempo de intervalo e a hora de almoco juntos onde por vezes iam almocar ao restaurante com menus de churrascos economicos no ultimo andar do centro comercial.

Um dia sem saber como Veronica foi pedida em namoro por Alberto e inesperadamente surgiu uma recusa. Nao teve coragem de lhe contar que ja havia sido casada e que embora separada ainda esperava o divorcio, nao teve coragem de lhe falar que era mae de um filho, nao teve coragem de lhe falar do passado que era desconhecido de todos e que ela procurava ocultar. Como iria reagir a Patroa a saber que tinha como Gerente de uma das suas lojas num dos principais centro comerciais de Lisboa a ainda esposa de um Presidiario? Como iria Alberto aceitar isso tambem e ainda a historia do filho que ela tinha? Pediu-lhe um tempo, deu-lhe uma esperanca, um talvez mas mais tarde. Nada mais que isso.

A partir dai e sem saber as verdadeiras razoes da recusa Alberto comecou a afastar-se de Veronica. Amava-a, amava-a a tanto tempo e ela parecia corresponder no entanto recusara-o era homem e ficara com o orgulho ferido por outro lado surgiu Walesca.

Walesca era uma imigrante romena que trabalhava no centro comercial e tinha fama de ter andado ja com mais de metade dos funcionarios do centro comercial e com muitos outros homens de fora. Era Empregada de Limpeza no piso onde Alberto trabalhava e de inicio Alberto ainda lhe ligou alguma importancia mas ao notar que isso estava a fazer mal a Veronica e tambem ao ver quais eram as verdadeiras intencoes da romena afastou-se da mesma e procurou de novo o convivio e amizade de Veronica.

Um dia ia visitar Veronica no piso dela e ao entrar na loja viu um sujeito sem mais nem menos aproximar-se dela e dar-lhe um brutal bofetada que a deixou estendida no chao sem resposta. Alberto no primeiro momento teve desejo de matar aquele sujeito mas depois pensou em fazer apenas o que lhe competia. Se fosse noutro sitio a coisa nao iria ficar assim de uma forma tao basica mas no local de trabalho tinha que ser diferente e com ajuda de outro colega Seguranca meteram o sujeito na rua. No fim de todo aquele aparato Alberto queria ouvir Veronica. Porque razao nao quisera apresentar queixa? Porque razao aquele sujeito a agredi-la daquela forma? E por fim mas nao menos importante queria saber quem era o mesmo? Tudo isso so Veronica podia esclarecer.

A antiga rapariga do comboio decidiu contar toda a verdade a Alberto, era altura de o fazer e abriu o coracao com o cavaleiro do cavalo branco dos seus sonhos que a viria salvar como nos contos de fadas. Alberto foi ouvindo Veronica e ficou surpreso ao saber que a mesma embora separada e ja com o divorcio a decorrer ainda era casada, ficou pasmo ao saber que o homem que lhe dera aquele estalo era nem mais nem menos do que aquele que ainda era o seu marido e por fim era igualmente o pai do seu filho.

Alberto jurou-lhe que fosse ele quem fosse se ele lhe voltasse a tocar com um so dedo num fio dos seus cabelos a sua frente ele nao iria responder por si. Prometeu protege-la de tudo o que pudesse acontecer com a vida se fosse preciso. Veronica abracou-o e pediu-lhe desculpa por todo aquele transtorno e situacao nao fazia ideia como, Germano, o ainda marido descobrira o seu local de trabalho e alertou-o para ter cuidado com o mesmo Germano nao era apenas um marginal, ex-presidiario era tambem um homem frio e sem sentimentos capaz de tudo. Olhou-o e por fim convidou-o a ir Jantar no fim-de-semana em sua casa, talvez nao fosse ma ideia ele conhecer o seu filho e combinaram que seria no proximo Sabado depois de terminarem o seu expediente.

No dia combinado Alberto nao pode deixar de comprar flores e a mesma ja lhe dera a entender que agora que ele ja sabia toda a verdade, aceitara todo o seu passado nao havia razoes para recusar um novo pedido de namoro mas pediu-lhe um tempo. So queria assumir uma nova relacao depois do divorcio sair. Era uma mulher de principios e ele aceitou as coisas como ela lhe pediu.

Chegou a casa da mesma pontualmente e o Bacalhau com Natas foi logo para a mesa para alem das flores ele comprara um garrafa do melhor Vinho Rose que era o seu nectar dos deuses preferido para se beber a mesa numa refeicao. Ela tambem estava linda e Guilherme o filho dela de quatro anos adorara o presente que ele lhe trouxera.

Veronica era sem duvida o retrato de uma mulher moderna. Era trabalhadora, independente e era tambem mae solteira mas a sua casa estava perfeita limpa e arrumada. Tudo estava bem ate tocarem a campainha Veronica estranhou porque nao estava a espera de ninguem.

Germano, era Germano. E agora com Alberto ali as coisas nao estavam mesmo nada boas. Nao foi preciso muito para o ainda casal comecar a discutir, para Alberto e Germano comecarem a trocar ameacas e ofensas e depois partirem para vias de facto. Germano era mais alto mas Alberto mais corpulento e agil fruto do trabalho de ginasio a que a profissao de Seguranca obrigava e em minutos depois de terem ido os dois para a rua a cara de Germano era uma verdadeira cara amassada e o mesmo nao mais do que um boneco que Alberto estava a espancar como se fosse o saco de boxe do ginasio. Finalmente depois de muitas suplicas de Veronica o seu salvador Alberto la deixou ir o ainda seu marido mas Alberto deu-lhe o alerta que se o mesmo voltasse a procurar ou incomodar Veronica ele o matava a porrada.

Veronica sabia que desde aquele momento Alberto estava em perigo constante mas o mesmo nao ligara grande importancia Germano so iria conseguir fazer-lhe algum mal se fosse a traicao de outra forma nao era homem para isso. A traicao calculou Veronica era o mais provavel Germano era capaz disso e de muito mais.

Tinham-se passado alguns dias e Alberto ja passava mais tempo em casa de Veronica que na sua jantavam sempre frangos assados e pizzas que traziam do centro comercial porque depois de um dia de trabalho era cansativo cozinhar e Guilherme tambem adorava isso. Pouco depois do Jantar Alberto partia para sua casa e agora que ja nao havia rapariga do comboio passara a usar o seu carro que comprara recentemente. Estava tambem a pensar em mudar de casa tal como fizera Veronica para ficar mais perto do trabalho, bem o ideal era mudar-se de vez para casa dela mas isso so depois do divorcio. Veronica queria evitar tudo o que pudesse servir de argumentos para em tribunal Germano ou fosse quem fosse da familia do mesmo sentir-se no direito de poder lutar pela custodia de Guilherme. Alberto nao se chegara a aperceber de nada e so ouvira o barulho de um tiro numa fraccao de segundo enfraquecera, caira no chao e dentro do seu peito so sai-a sangue. Olhou para a frente e ainda viu Germano a fugir antes de perder os sentidos.

Veronica passava os dias no hospital e nao se iria perdoar se algo de mal acontecesse com Alberto, sentia mesmo que ele a amava e era diferente dos outros homens. Alberto estava quase livre de perigo mas o seu diagonostico ainda era delicado. Um tiro que quase lhe acertara no coracao nao era para brincadeira e ainda estava em coma Germano esse continuava a monte. Veronica pensava o quanto tinha sido burra em ter recusado Alberto uma vez e queria que o mesmo sobrevivesse para o recompensar pelo mesmo erro, Alberto entre outras coisas era o homem ideal para servir de pai para Guilherme.

Estava com os seus pensamentos e quase adormecida num banco no corredor do hospital quando o Medico veio ter com a mesma Alberto acordara do estado de coma e so chamava por ela foi-lhe dada a autorizacao de o visitar desde que nao o perturbasse muito, ele quase morrera.

- Como estas, meu heroi?
- Penso que estou vivo, de qualquer forma estou com um anjo ao meu lado que es tu.
- Nao sejas parvo - sorriu - entao agora sou um anjo antigamente era apenas a rapariga do comboio.
- Vais ser sempre tudo isso em conjunto porque es a mulher que amo.

Beijaram-se os dois e era a primeira vez que trocaram um beijo de namorados ele estava impaciente para sair dali e para poder viver aquele amor, queria casar com ela e faze-la feliz e ela respondeu-lhe que tratariam de tudo isso logo que o divorcio estivesse assinado e ela fosse uma mulher livre para ser prisioneira do amor dele. Nao havia palavras para descrever aquele amor que comecara numas quantas viagens de comboio e se estava a tornar  um caso serio.

Ps: Queria aproveitar para desejar um bom e feliz ano novo 2017 para todos os meus leitores e obrigado por estarem aqui comigo.

                                                                                                             Manuel Goncalves



Sem comentários:

Enviar um comentário