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domingo, 6 de julho de 2025

Doenca Terminal

  

Ela nao podia aceitar o seu destino. Sentia que ainda a pouco, so a pouco tempo tinha comecado a viver, a viver a sua vida de verdade. Nao ers justo, a vida com que sonhara estava agora a realizar se e aquela noticia estava a tornar se num pesadelo. Merda, pensava ela, nao era justo, nao podia ser verdade.

O destino pregara-lhe uma partida. Aqueles a quem ela tinha dedicado toda a sua vida tinham partido. Eram os seus filhos, nao a tinham abandonado mas tinham cada um a sua vida e mantinham se afastados cada vez mais, sempre com a desculpa da falta de tempo. Nunca se esqueciam do seu aniversario, nas datas importantes estavam presentes, o Jantar de Natal e Pascoa ainda era ali em casa e todos mantinham a tradicao de se reunirem ainda em casa. Ainda, ainda era assim, por enquanto... Quando os filhos tivessem lhe dado netos quando tivessem casados e formado a sua propria familia, talvez, talvez ja nao fosse assim.

Dera tudo pelos valores que defendia, familia, filhos e agora via que nao tinha praticamente. Restava-lhe o seu emprego, o trabalho que ela tanto amava mas isso parecia nao ser suficiente para a fazer sentir feliz. Aquela casa que chegara a ser tao pequena para tanta gente, agora parecia ser uma casa enorme e fazia-lhe sentir um vazio, uma tristeza ainda maior.

Depois que o filho mais novo se formara, alugara um apartamento e saira de casa ainda tudo ficara um vazio maior. Restava-lhe ali um marido de um casamento com quase 40 anos mas que ela era a primeira a reconhecer que so o amara de verdade, talvez nos primeiros 20 anos. Fazia 20 anos ja que ela via o marido apenas como o pai dos seus filhos, via-o como um irmao, um primo mas fazia muito tempo que o marido deixara de ser o homem que ela amava.

Sentia se doente nos ultomos tempos como nunca se sentira. Dores de cabeca, nauseas, vertigens e ate desmaios. Tudo o que tinha feito ate entao nao ajudara a afastar aquele mal estar, indesposicao continua. Pensara inicialmente que talvez fosse consequencias da dieta que insistia em fazer para perder peso e de inicio lutara para viver com todos aqueles sintomas.

Os exames que fizera por fim nao restavam duvidas. Ela estava com um tumor cerebral em fase terminal.

Nao podia ser operada, ja nao havia esperanca, os medicos nao a iludiram e alertaram na que iriam fazer de tudo apenas para ela conseguir viver da melhor maneira possivel os ultimos dias que lhe restavam.

Recordava agora, todos os dias e cada vez mais os momentos vividos com ele. Sim sempre o mantera no anonimato mas fora esse, "ele", o amor da sua vida.

Fora esse "ele" com quem ela cometera algumas loucuras, afinal quem nao comete loucuras por amor. Fora esse "ele" sem duvida o amor da sua vida. Mas fora esse "ele" aquele com quem ela nao teve coragem de ficar e reconhecer que aquele era o homem que ela amava, ou pelo menos dizia-lhe amar.

Acabara por o trair, mentir-lhe e deixa-lo no momento mais importante, depois de tudo o que viveram, depois de tudo o que ela tinha jurado e prometido simplesmente nao cumprira e quando a corda chegou ao fim e nao deu para esticar mais, simplesmente optou pela solucao mais facil.

A sua covardia foi evidente, seguiu o caminho mais facil escolhendo apenas resolver as coisas da maneira mais facil, evitando problemas, separacoes, brigas e ate conseguiu evitar escandalos maiores, aquela relacao com o tal amante terminara quando o marido conseguira ter acesso ao seu facebook e atraves das mensagens que lera descobrira que aquela esposa exemplar, afinal, a alguns anos que lhe andava a meter um valente par de cornos.

Ao receber a noticia do seu estado de saude teve vontade de contactar com "ele", desabafar, pedir-lhe perdao, tentar de alguma forma remediar a merda que lhe tinha feito e todo o mal e sofrimento que lhe causara. Sentia que "ele" era um homem de verdade porque apesar de toda a sua revolta aceitou tudo como ela queria, aceitou tudo o que ela tinha decidido fazer.

Tentara contacta-lo mas fora sempre tratada com indeferenca. Os emails nunca foram respondidos, as mensagens para o telemovel igualmente, tal como as chamadas que ela lhe tentara fazer para o seu numero nunca foram respondida,

O tempo ia passando, o seu estado ia-se agravando, em cada momento podia dar o seu ultimo suspiro, ate que um dia esse momento chegara.

"Ele" estava la disfarcadamente no seu funeral. Embora nunca tivesse aceite voltar a falar-lhe, voltar a contactar com ela atraves de amigos em comum sempre soubera o que se estava a passar mas optara por nunca se aproximar novamente dela.

Ela tinha-lhe pedido de forma fria quando terminara tudo para ele nunca mais voltar a entrar na sua vida, ver se a esquecia de uma vez por todas.

Ele nunca a esqueceu mas optou por lhe fazer a sua ultima vontade de nunca mais entrar na sua vida, fora de facto um grande homem.

Agora que o caixao dela ja descera a cova, era a vez dele jogar um pouco de terra no cimo do mesmo. Ajoelhou se para o fazer, fizera-o e com a mesma forma discreta e anonima com que chegara partiu com enorme frieza mas com a certeza de que estando ali no ultimo momento dela tinha-lhe oferecido bem mais do que aquilo que ela alguma vez merecera.

                                                                                                    Manuel Goncalves 









































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