Sabia que o caminho nao seria facil. Tinham-no alertado, instruido para os perigos nao so do quanto dificil era ser-se Padre, das confissoes que ouviria, dos conselhos que teria de dar ou ate reprimendas, das penitencias para a absolvicao dos pecados. Afinal quem era ele tao pecador como outro qualquer para julgar os pecados deste ou daquele. Borga, agora o Padre Borga sabia que o mais dificil mesmo assim seria as tentacoes carnais, o amor a bater-lhe a porta e as tentacoes que o mesmo lhe poderia provocar. Segundo o seu Professor e ensinamento com o qual ele sempre concordara para pecar bastaria apenas o pensamento, o sentir desejo, o ficar na duvida e para pecar nao bastava apenas cometer o pecado.
Chegara a Padre e nem porque ele o decidira assim talvez o seu destino tivesse ficado a seguir aquele caminho por mera ironia. Joao Maria Borga o agora Padre Borga ficara muito jovem sem os pais que tinham falecido num acidente de carro fora entregue a um tio que era Padre mas tambem esse morrera poucos anos depois e o jovem mais uma vez ficara ao Deus dara como se costumava dizer-se em situacoes adversas ali naquela aldeia do interior rural de onde o mesmo era oriundo. O Tribunal decidira entao manda-lo para um Seminario onde consideravam que o mesmo estaria bem entregue.
A ideia nao era tornar Joao Maria num Sacerdote mas simplesmente educa-lo com fortes valores morais alem do mais tinha ali antigos amigos do seu falecido tio com os quais estava habituado a contactar. Manda-lo para um colegio interno para Lisboa seria um completo erro, ele sempre tinha vivido naqueles meios pequenos, seria coloca-lo perante uma realidade completamente diferente e isso poderia afecta-lo psicologicamente ate tornando-o uma crianca agressiva e revoltada com as realidades da vida. Apesar da tenra idade o Juiz chamou o jovem e perguntou-lhe onde queria ficar, se queria ficar ali onde agora estava? Ele respondeu, que sim, nunca fora tao feliz como ali, a decisao era unanime e fora ali que ele ficara no seminario da aldeia onde nascera.
Todos ali o tratavam quase como um filho, um irmao nunca lhe negando um carinho, uma palavra de apoio quando ele precisava aquela gente, amava-o verdadeiramente. No fundo era tambem tratado de uma forma um pouco especial por todos lamentarem a sua ma sorte tao jovem e ja quase entregue a si proprio sem pai, mae ou qualquer outro familiar mais proximo.
Dona Lurdes era a Cozinheira do seminario e nunca se esquecia do menino Joao Maria que muitas vezes chamava de meu menino. Dona Lurdes fora como a mae de Joao Maria embora fosse casada, tivesse filhos tinha o mesmo apreco e carinho pelo seu menino Joao Maria como pelos proprios filhos a vida do jovem era entre o seminario onde vivia, a escola e a casa de dona Lurdes onde comecara a nutrir um carinho especial pela filha da sua protectora, Ana Isabel.
Ana Isabel foi o primeiro amor de Joao Maria e de resto o unico amor, aquele amor que provocava paixao. Inicialmente ele nao estava destinado e nem decidira tornar-se Padre era livre de ter um daqueles amores que geravam paixoes acessas e loucas.
Jurara que era com ela que queria e iria casar um dia quando crescesse ele tambem nao era indiferente a ele mas mais uma vez a morte separou Joao Maria daqueles que o mesmo amava e uma tuberculose foi mais forte que Ana Isabel.
Joao Maria esteve semanas fechado e isolado no quarto, chorava pela perda do seu amor embora muito jovem ja sabia bem o que era amar. Quando finalmente se repos um pouco anunciou algo que todos receberam de bom grado mas com enorme surpresa, ia ser Padre, aquele tempo de retiro ajudara-o a decidir iria tornar-se Padre quando crescesse.
Todos sabiam que para se tornar Padre deveria ser mesmo so por vocacao e nunca como forma de curar um mal de amor, uma paixao perdida, um amor nao correspondido ou simplesmente impossivel de se realizar. Todos tentaram alerta-lo acerca disso, sem duvida ele seria um bom Padre e estaria bem preparado para o ser, vocacao nao lhe faltava e vivera sempre entre eles mas faltava-lhe algo, faltava-lhe vontade propria ele decidira isso nao por vontade propria mas pelos males que a vida lhe tinha dado vendo-o perder todos os quantos ele amava.
Joao Maria havia crescido e era o melhor aluno do seminario, os anos de preparacao e o facto de ter sempre vivido entre os padres ajudavam-no bastante mas todos reconheciam que o mesmo era demasiado inteligente e uma mente bem preparada para vir a ser mais do que um simples Padre. Joao Maria poderia vir a subir na hierarquia todos estavam cientes disso que poderia chegar a Bispo ou ate Cardeal se Deus estivesse com ele naquela jornada.
O passar dos anos simplesmente nao o tinham envelhecido, nao o tinham simplesmente e somente tornado um adulto e tinham-no igualmente dado maturidade, conhecimentos novos na vida e nos estudos e depois de tantos anos estava finalmente ordenado, feliz por ir servir na paroquia da aldeia onde nascera e onde estavam os poucos que sempre haviam estado consigo e ainda eram vivos.
Fora com pesar, dor e sofrimento que ao chegar tomara conhecimento que Lurdes, a Dona Lurdes que fora para si mais do que uma mae para ele falecera na vespera de ele chegar e sendo assim o primeiro servico do mesmo como Padre foi rezar a missa e acompanhar o funeral da mesma com muita dificuldade o fez, sentia que todos aqueles que ele amava partiam sem ele conseguir demostrar o quanto os amava. Fora assim com os pais, com o tio, com Ana Isabel e agora com Lurdes, a Dona Lurdes.
Apesar da tristeza a vida continuava, era assim que tinha de ser. Joao Maria estava em casa, vivia numa casa ao lado da Igreja feita para servir de habitacao para o Padre local quando lhe tocaram a porta naquele inicio de dia. Tomara que nao fosse outra noticia tragica e dolorosa pensava e desejava ele sempre que lhe batiam a porta aquelas horas da manha. Nao era nada disso antes pelo contrario era a jovem que lhe haviam contratado para limpar a casa e cuidar da mesma alem de lhe fazer a comida e tratar da limpeza da Igreja.
Clarisse era uma jovem magra e de facto nao muito atraente nao despertava atraccao a primeira vista mas com o tempo tornava-se uma rapariga notavel. Vestia-se demasiadamente velha para a sua idade e de uma forma completamente fora de moda talvez isso fizesse com que nao fosse notada ou que fosse notada pela negativa. Esses nao eram apenas sinais de pobreza com a qual a jovem sempre vivera mas tambem da sua humildade.
Joao Maria gostava de falar com ela sempre que podia e gostava de a ouvir perguntava-se a si mesmo como era possivel alguem que era quase analfabeto saber sobre tanta coisa, ser tao inteligente. As vezes as maiores surpresas estavam onde menos se esperava. Inicialmente Clarisse poderia ficar a dever muito a beleza mas nada a inteligencia.
Era uma manha como outra qualquer e Joao Maria levantara-se nao tinha qualquer missa ou servico a realizar naquela manha mas sentiu o desejo de se levantar mais cedo, tomar o Pequeno-Almoco que teria de ser feito por ele mesmo, imaginou que aquela hora era demasiado cedo para Clarisse ja estar ali a limpar a casa. A idena era vestir-se e ir dar um passeio de bicicleta pela serra a fora como fazia antigamente com os padres do seminario na sua juventude.
O silencio era absoluto e estava longe de imaginar que nao estava so embora Clarisse tivesse a chave da casa era cedo para ela ali estar e foi descansadamente apenas com as roupas de dormir para a Casa de Banho mas o que ele pensava era um erro. Clarisse estava na casa de banho e estando a mudar de roupa para comecar a trabalhar Joao Maria mesmo sem querer viu-a diante de si quase nua.
O caso quase ficou por ali enquanto Clarisse procurava cobrir-se Joao Maria voltou costas sem dizer uma palavra, certamente iriam falar nisso mais tarde tinha sido apenas um incidente que procurariam nao repetir deveria ser a conclusao a que ambos iriam chegar.
Joao Maria ia pelo seu passeio de bicicleta pela serra e nao deixava de pensar naquela cena proibida, como o corpo de Clarisse era tao belo! Como era tao diferente daquilo que se poderia imaginar! Afinal nao era nada de se deitar fora. Parou a bicicleta no alto da serra onde olhando em volta algures nos montes podia ver os pastores com os rebanhos de ovelhas, o Padeiro que subia o monte e imaginava o quanto eles eram livres, ate aquelas ovelhas eram livres de acasalarem ele nem por isso, fora a vida que ele escolhera e esperava nao vir-se a arrepender.
Chegou a casa e Clarisse ja la nao estava imaginou que tivesse ido dar uma limpeza e arrumacao na Igreja era sexta-feira e ela sabia que por causa dos baptizados e casamento no fim-de-semana alem de que a mesma era muito boa trabalhadora e nao sabia estar parada. Ao entrar na cozinha encontrou um bilhete que justificava a verdadeira razao e motivo de Clarisse ja nao ali estar. Depois daquele incidente nao se sentia com coragem de ali continuar a trabalhar, tinha vergonha de olhar para o Senhor Padre Joao Maria e saber que ele ja a vira quase nua, nunca nenhum homem jamais a tinham visto nesse estado.
Foi dificil para o Padre fazer a jovem acreditar que aquele episodio nao tinha qualquer importancia e que iria ficar apenas entre eles os dois e por fim finalmente Clarisse desabafou abrindo por completo o coracao para o Sacerdote.
Clarisse confessou que era virgem e que nao queria nenhum homem por amar um que nao a podia amar por nao ser livre, nao era casado mas nao era livre de todo. Queria aquele homem e so com ele iria querer ficar porque era o unico que ela achava que a merecia e tambem porque fora o unico a dar valor ao que de melhor ela tinha. Clarisse falou-lhe igualmente dos rapazes ali da terra, daqueles que encontrava na vila quando andava na escola, falou-lhe acerca do atrevimento dos mesmo e da forma como apenas queriam conseguir-lhe desflorar, tirar a sua pureza para depois a deixarem, a abandonarem-na como faziam com todas as outras. Eles, esses nao mereciam a sua entrega mas aquele homem que ela amava sim, merecia-o, sabia que esse se pudesse nunca a iria deixar sozinha.
Joao Maria sorriu, afagou-lhe o rosto e passou-lhe ao de leve a mao pelo cabelo. O Padre mesmo sem ela o revelar sabia que era ele o tal homem de quem Clarisse falava e gostaria de lhe poder satifazer o seu desejo, talvez ate o fizesse mais tarde mas agora, nao. Queria reflectir, entrar em penitencia e fazer um retiro espiritual em pensamento ainda com Clarisse ali diante de si pediu a Deus numa curta oracao que lhe desse uma resposta.
A jovem entendeu o que se passava com o Padre levantou-se e ia para sair no entanto pediu-lhe apenas que ele nao lhe negasse algo apos a resposta afirmativa Clarisse sem que Joao Maria pudesse evitar deu-lhe um beijo nos labios, uma suave caricia que Joao Maria lhe retribuiu.
Os dois eram jovens e tinham muita coisa em comum embora nao parecesse formariam em outras circunstancias o casal perfeito mas no caso deles nao era assim tao facil. Joao Maria punha-se a pensar o que iria fazer na vida se deixasse de ser Padre. Sabia fazer mais coisas, tinha inclusive formacao para isso e ate podia ir dar aulas mas era aquilo que ele gostava de fazer rezar missas, escutar confissoes, dao conselhos, baptizar criancas, casar casais de noivos apaixonados. Era esse facto sobretudo que o estava a impedir de abdicar do sacerdocio para ficar com Clarisse.
Clarisse entendia que o mesmo havia feito votos de castidade, de ser celibatario mas cada vez mais queria ama-lo, senti-lo, entregar-se a ele por completo mas nao fazia pressao para isso. A jovem sentia que teria de ser ele a dar esse passo de poder um dia ser livre para ama-la e ate ao momento Joao Maria embora reconhecesse que sentia e nutria fortes sentimentos pela sua pessoa nada tinha feito para abandonar o sacerdocio. Ela estava disposta a esperar, a esperar o tempo que fosse preciso. Na vida so o tinha a ele e a mae idosa e doente de quem cuidava.
Joao Maria tinha-se ido reunir com o Bispo e voltara com a certeza de que nao lhe seria possivel manter a situacao por muito mais tempo teria mesmo que escolher entre o sacerdocio e Clarisse estava indeciso entre a cabeca e o coracao. Sentou-se a Jantar e ao ligar a televisao a noticia nao podia ter mais impacto o Papa Jose I tinha falecido. Tristeza, sentia-se triste com a noticia embora fosse um Papa muito conservador conquistava as pessoas gregos e troianos e como sempre naqueles casos ia-se tratando dos servicos funebres mas preparava-se ja o novo conclave falavam ja em nomes para o sucessor, era um pouco ser Rei morto Rei posto.
Era ja tarde Clarisse batera-lhe a porta com os olhos banhados em lagrimas a mae tinha falecido. Abracou-o forte, nao tinha agora mais ninguem apenas a ele e nao sabia ate quando poderia viver com essa esperanca de um dia.
Ambos estavam carentes e fracos o inevitavel iria acontecer beijaram-se como nunca se tinham beijado naquele momento o beijo nos labios deu lugar a um beijo mais profundo e longo na boca. Joao Maria pegou-a ao colo e levou-a para o quarto agora nao ia ser Padre ia ser homem, ia amar Clarisse e assim foi corpos despidos, possuidos, a virgindade de ambos perdida, a preocupacao apenas daquele momento como se nao houvesse dia seguinte.
Joao Maria por vezes sentia-se um covarde, um grande covarde ou alguem a quem lhe tinham dado o maior dilema da vida para decidir. O Padre nao pensava apenas nele e em Clarisse e nem no seu futuro profissional. Joao Maria olhava os paroquianos que tanto amava e que o amavam, como iriam os mesmo reagir? Como iriam olha-lo se deixasse tudo para ficar com a mulher que amava? Quanto a ele pelo menos quanto ao seu futuro estava decidido iria dar aulas de Teologia ou de Religiao e Moral o ordenado nao seria grande coisa mas dava para viver, viver feliz.
O novo Papa tinha sido eleito a poucos meses num conclave muito disputado entre conservadores e liberais tendo acabado por ser eleito um Papa jovem com menos de 60 anos e considerado muito liberal e que desde entao anunciara que iria fazer algumas alteracoes nos estatutos da Igreja Catolica e alterar mesmo certas leis, incluindo algumas bem antigas.
Joao Maria nao prestava grande atencao a isso porque sentia que Clarisse andava estranha, parecia que lhe escondia alguma coisa, certamente grave.
A noticia caira que nem uma bomba o Papa ia autorizar o casamento dos padres e isso era uma noticia que agradava a muitos. O Papa anunciara que a decisao era uma forma de conseguir acabar com os escandalos sexuais em que alguns padres se envolviam como os escandalos de pedofilia que tinham vindo a dar uma dor de cabeca ao Vaticano. O unico senao e que os padres que acabassem por optar pelo casamento nao podiam subir na hierarquia da Igreja e sendo assim com a nova lei Joao Maria podia casar com Clarisse mas nao podia vir um dia a ser Bispo mas naquele momento tudo estava como ele mais queria desde o inicio continuar a ser Padre e ser livre de amar Clarisse.
O anuncio do casamento fora dado aos paroquianos no final da missa e nao fora uma grande surpresa num meio rural tao pequeno tudo dava que falar e quando se via que Clarisse estava sempre metida em casa do Senhor Padre Joao Maria ja havia boatos e falatorios embora gostassem muito de ambos. Foi naquele momento tambem que Joao Maria ficou a saber o que Clarisse tanto escondia, uma gravidez ja de quase dois meses. Foi mais uma noticia que em tempos seria um escandalo mas que actualmente ja nao o era afinal agora os padres eram livres de casar.
Alguns anos se haviam passado o Padre Joao Maria era apontado por todos como um exemplo. Bom Padre, bom marido e bom pai que gostava de levar o filho a escola e no final de tarde andar a jogar a bola com o mesmo e com outras criancas. Joao Maria sentia-se realizado e feliz por ver que a vida depois de lhe tirar tanta coisa e levar-lhe tantas pessoas que ele amara lhe dera tudo o que ele sempre tinha querido, ser feliz.
Manuel Goncalves
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