sábado, 25 de junho de 2016
Viver a Tua Morte
Como podia ser tinhas-me deixado, deixado sozinha. Eu so queria estar contigo por um minuto que fosse para poderes sorrir e abracar-me e depois ja que tinha de ser assim, ja que a vida nao era eterna pelo menos neste mundo terrestre onde vivemos poderias ir-te embora se essa era a vontade de Deus. Um dia, outro lugar e quando chegasse a minha hora iria-te encontrar.
Nao sabia e ainda nao sei viver sem ti amor, aprendi, isso sim a viver a tua morte. Nao te vejo mas sei que estas la todas as noites quando me deito na cama, quando olho o teu retrato, na nossa fotografia de casamento tirada momentos depois de termos jurado o, ate que a morte nos separe, algo que no nosso caso foi cumprido a risca de forma exemplar.
Lembro o dia em que nos cruzamos e conhecemos pela primeira vez ver o teu sorriso era algo maravilhoso, verdadeiramente unico as vezes nao damos valor as coisas simples da vida que por vezes apesar da simplicidade valem uma fortuna. O teu cabelo encaracolado a pingar suor depois de teres estado a jogar a bola com os amigos era o que tu e os rapazes da escola primaria onde estavamos mais gostavam de fazer na hora do recreio e onde as raparigas saltavam a corda.
Entre uma brincadeira e outra nos recreios fomos trocando olhares e nao tardou muitos que fossemos colegas de carteira. Durante o tempo em que estudamos juntos sempre fomos colegas de carteira, sempre juntos ate que no liceu tivemos que nos separar para seguir-mos as areas que tinhamos escolhido e que eram diferentes. Vivi praticamente toda a tua vida e agora depois de tantas primaveras juntos ainda que separados depois de ter vivido a tua vida hoje vivo a tua morte.
A doenca e traicoeira e vem devagar, pela socapa da noite, em silencio e quando se da conta ja se esta doente, por vezes, gravemente doente. Era ja tarde quando demos conta que estavas doente, muito doente, gravemente doente. O cancro roubou-nos mais momentos de felicidade e prazer vividas no momentos e que no futuro sao o que chamamos de boas recordacoes.
Recordacoes tantos e boas recordacoes para lembrar, nenhuma ma memoria tenho das decadas que passamos em comum. Lembro das longas cartas com cinco, seis e sete folhas que trocavamos enquanto eu estava aqui e tu cumprias com o teu dever de jovem Soldado no Ultramar no meio do mato em Angola e onde sempre dizias que irias voltar, voltar para casar comigo, iriamos ter uma familia, filhos, uma casa e iriamos ser felizes muito felizes, promessa que nao perdeste tempo em deixar por cumprir.
Viver a tua vida amor como era agradavel e me fazia sentir feliz cada dia que chegavas a casa com um ramo enorme de flores sem qualquer razao aparente, sem nenhuma razao especial, sem ser nenhuma data importante apenas para dizeres que me amavas. As caixas de chocolates que se seguiam, os passeios a beira mar e as idas a restaurantes para jantares romanticos com musica ao vivo. Sei amor que tudo isso nao se vai repetir (infelizmente) mas quero que saibas que nao me esqueco de nenhum desses bons momentos e escrevo tudo isto para te agradecer por todos eles. Nao posso fazer referencia a todos e confesso que foram tantos momentos assim que ate lhes perdi a conta mas agradeco-te por todos eles.
Paris, Roma, Veneza, Atenas, ilhas paradisiacas e tantos outros destinos serviram de palco de passagem para nossas ferias romanticas a dois que insistias fazer todos os anos. Tinhamos condicoes para isso e insistias em faze-lo como forma de me compensares por todas as tuas constantes ausencias em viagens de trabalho e negocios que fazias. Tinha de ser mas sentia que a tua ausencia nao era por vontade propria e nao vias isso com muito bom gosto mas tinha que ser, fazia parte do teu trabalho.
Foste tambem alem de marido exemplar um pai com os mesmos requisitos. Eras aquele, aquele homem com que qualquer mulher poderia sonhar vir a encontrar e mesmo sem cavalo branco via-te como o Principe de um conto de fadas que tinha tido a sorte de encontrar na vida e nao queria perder.
Eras elogiado pelas minhas amigas em festas e convivios de mulheres e eu chegava a ser invejada entre aspas pelas mesmas porque as tuas qualidades eram evidentes carinhoso, meigo, romantico, bom marido, bom pai, homem exemplar e ainda posso acrescentar mais bom cozinheiro.
Nunca me traiste tenho a certeza que nao e nos momentos em que estive doente estiveste sempre ao meu lado, quando estava triste davas-me alegria, quando chorava fazias-me rir. Certo, certo e que nunca estava sozinha tu estavas sempre ao meu lado como estas agora e por isso eu vivo a tua morte, adeus, obrigado por tudo e ate um dia meu amor. Amo-te.
Manuel Goncalves
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