O Van Gogh da Baixa lisboeta era assim que era conhecido pelos amigos e por quem conhecia e apreciava o seu trabalho. Sim da Baixa lisboeta porque era ali naquela zona que trabalhava, que pintava, mostrava as suas obras de arte a quem passava sobretudo os turistas estrangeiros esses eram a grande maioria dos seus clientes sem duvida alguma. Ele gostava deles nao so pela simpatia, pelos enormes elogios que lancavam aos seus quadros sempre fazendo a comparacao das suas pinturas com as do grande mestre Vicent Van Gogh e porque aqueles clientes tinham algo que ele apreciava nao regateavam o preco de uma obra a qual tinha lancado tanto elogios, nao tentavam baixar o preco de algo que ele tinha certeza que eles queriam comprar.
Alguns chamavam-no tambem o Van Gogh de Belem porque era ai que ele morava no ultimo andar de um velho predio na Calcada da Ajuda com vista para o Rio Tejo e que havia sido a unica coisa de heranca familiar que ele conseguira manter sempre consigo durante os anos que fora toxicodependente. Aquela janela virada para o rio tinha algo magico paisagem melhor para pintar so quando ia ate Sintra e se deixava perder no meio da serra, da sua paisagem e misterios.
As drogas, a bebida, as mulheres e o jogo tinham-lhe levado tudo menos aquela casa e talvez fosse esse o unico motivo e razao pela qual nunca tivera que dormir na rua. No entanto nao deixara de saber o que era passar fome inacreditavel para quem vinha de uma familia nobre e rica, deitara o nome da familia na lama, envergonhara-os perante a banca e sabe-se la onde mais.
Luis Albuquerque tinha sido um dos melhores alunos do curso de Belas Artes e Pintura naquele ano do Ar.Co Centro de Arte e Comunicacao Visual era obvio que com o seu talento e seus meios nao podia ficar por ali e fora para Paris sua melhor escolha para a sua carreira e pior para a sua vida. Na Ecole Nationale Superieures des Beaux-Arts muito perto do Museu do Louvre a arte pareceu-lhe ser de outro mundo. Ali estavam os melhores mestres e pintores que ja eram renomeados e alunos de todo o mundo. Luis mais uma vez cedo se comecou a destacar e a ser reconhecido como um dos melhores numa escola por onde ja tinham passado nomes de estudantes que se haviam tornado famosos como Auguste Renoir, Edgas Degas, Eugene Delacroix entre muitos outros.
As saidas a noite eram mais do que muitas e era algo que a sua mesada podia suportar mas nas mesmas saidas em conjunto com as companhias de pior especie comecara a penetrar num abismo. Primeiro os bordeis, depois as casas de jogo clandestinas em conjunto com a bebida e por fim as drogas a muito custo terminara os estudos na consagrada escola mas ao regressar para Lisboa nao era mais o mesmo rapaz docil e bem comportado.
Se em Paris nao hesitava em fazer visitas ao Louvre e por-se a mirar a obra prima de Leonardo da Vinci que ali estava Mona Lisa, passear nos Champs Elysees, Place de la Bastile, ir mais longe ainda ate ao Jardin Monet, Jardin du Luxembourg, os tours de bicicleta, os passeios no Rio Sena. Sentiu a falta de tudo isso em Lisboa nada se comparava com o seu Montmarte a norte de Paris no bairro 18 bem perto do Moulin Rouge ou de ser um dos muitos pintores de rua da Place des Tertres, isso em Lisboa fazia parte de outro mundo.
Em Portugal perdera o vicio de jogar e de beber mas continuara a consumir drogas algo que o pai se recusara a aceitar. Recusara varios trabalhos como mestre de pintura em varias escolas de arte nao so de Portugal, vivia fechado no quarto onde so a empregada tinha ordem de entrar para lhe trazer as refeicoes e o dialogo com a familia foi-se tornando mais dificil, mas foi assim que sozinho e naquele ambiente que se curara do vicio das drogas entretanto os muitos quadros que pintara durante esse periodo de retiro estavam pronto a partir para exposicao custava-lhe ficar sem os seus quadros mas enchia-se de orgulho em saber que alguem os queria comprar.
Comecara a pintar nas ruas de Lisboa nos locais habituais foi ai que conheceu Nikita Sharapova uma jovem turista russa daquelas que se aventuravam a sair de casa nas ferias com pouco mais do que uma mochila as costas e partiam num interRail pela Europa com o seu bilhete Railroad Pass na mao e pouco mais que isso alem do espiritio de aventura.
Nikita falava pouco portugues mas foram-se entendendo quando a vontade era muita todas as barreiras se passavam. Luis para alem de Pintor era Musico tocava violino nas ruas por vezes tambem e piano num restaurante de luxo de Lisboa era desse seu unico emprego fixo que ganhava o dinheiro para sobreviver embora alguns quadros fossem vendidos em exposicoes a precos muito aceitaveis ou seja bem acima do esperado. Luis viveu algum tempo de solidao e melancolia depois da morte dos pais o desejo de partir novamente para Paris era cada vez maior mas de um momento para o outro surgira Nikita.
Ambos sabiam que nao podiam ficar juntos pelo menos por algum tempo por razoes obvias ela nao podia ficar o seu visa nao lhe permitia teria de voltar para a sua siberia e para a sua cidade de Novosibirsk um nome que ele jamais aprendera a pronunciar mas que ela nao se cansava de repetir que era a terceira maior cidade russa depois de Moscovo e Sao Petersburgo e o sonho de ambos agora era casarem numa manha de degelo numa daquelas catedrais ortodoxas enormes. Luis ia tirar o visa e logo que possivel partiria ao encontro de Nikita para realizarem o sonho de ambos.
Nikita partira de novo para a sua siberia e ja devia ter dado noticias mas nada nao sabia o que se passava, ligava e ligava mas ninguem lhe respondia nao ficara com outro contacto alem daquele numero de telemovel que ela possuia e da morada que ele lhe dera e fora para essa mesma que escrevera obtera resposta naquela manha e a letra do envelope nao era a de Nikita.
Comecara por ler a carta que vinha em ingles e que havia sido escrita por Yuran irmao de quem Nikita tanto falara. Yuran dava-lhe a triste e tragica noticia Nikita havia sido violada e assassinada durante a viagem numa noite em que tivera que mudar de comboio e esperar pelo proximo numa estacao que era considerada um local perigoso mas que pelos vistos ela desconhecia, o corpo seguira para a Russia e o enterro tinha sido a dois dias antes de Yuran escrever a carta segundo ele mesmo lhe explicara.
Deixara a carta cair-lhe das maos nao fora so Nikita que morrera fora uma parte de si ou pelo menos da sua felicidade todos os sonhos e projectos que tinham feitos estavam mais do que destruidos.
Luis voltou a beber e a muito custo nao voltou ao mundo das drogas so por sorte mesmo nao caira nessa tentacao mas foi nesse momento da sua vida que comecou a ser conhecido pela comunidade de artistas de rua de Lisboa como o Van Gogh da Baixa lisboeta. Todos sabiam das tragedias que iam sucedendo em sua vida, estava sozinho, agora ainda mais sozinho. Sua companhia agora era sempre o material de pintura e uma garrafa de bebida e curiosamente era nos momentos de embriaguez que ele pintava as suas melhores obras.
Ele chegara-se junto de si e dos seus quadros ali expostos na sua banca ambulante como qualquer outro turista e potencial cliente. Era arabe concerteza so podia ser Luis nao lhe prestou grande atencao estava mais ocupado em terminar um auto retrato de Nikita. O forasteiro olhou aquele quadro e perguntou-lhe o preco ao que ele lhe respondeu que aquele nao estava a venda era o unico ali agora expostos que nao estava. Num portugues quase perfeito o arabe explicou-lhe que auto retrato de maior beleza que aquele o unico que vira era o original de Mona lisa.
Comecaram a conversar o forasteiro apresentou-se chama-se Salman e era iraniano cedo soube que Salman era dono de uma galeria de arte em Nova Iorque e que procurava assim pelo mundo fora obter algumas pecas para vender na sua galeria. Alguem lhe havia dado indicacoes e as melhores referencias sobre o trabalho de Luis e parecia que nao lhe estava a mentir. Salman queria ver todos os quadros que Luis tivesse para vender.
Almocaram juntos Luis levou-o a sua casa e mostrou-lhe tudo o que tinha para vender estranhava ver Salman sempre acompanhado das suas tres esposas e nao entendia como e que todas se pudessem dar tao bem mas isso nao era da sua conta o importante e que se fizesse um bom negocio Salman queria comprar e ele queria vender estava dado o primeiro passo.
Luis ficara surpreendido Salman tinha-lhe feito uma oferta muito superior aquela que ele estava a pensar em pedir por todos os quadros que estavam dispostos para venda sob a condicao de que Luis continuaria a pintar para si condicao essa que foi aceite.
Com o passar do tempo Salman foi-se tornando um amigo e sabia bem da sua vida triste, solitaria sempre com recordacoes nostalgicas do passado apoquentando-lhe a memoria. Isso nao era assunto seu mas foi tendo Luis como um filho achou que uma mudanca de ares num local onde estivesse longe da bebida lhe pudessem fazer bem. Falou-lhe nisso e Luis ate concordara com a ideia de bom agrado o faria mas em todo o lado Nikita vinha-lhe a memoria e em todo o lado a bebida estava ao seu alcance.
Chegara a viagem fora longa aceitara uma oferta de Salman de vir habitar por uma temporada uma casa que Salman tinha em Yazd uma cidade situada num oasis e que era o ponto de encontro dos desertos Dasht-e Kavir e o Dasht-e Lut que era so o local que atingia as temperaturas mais altas da terra.
A cultura era outra Yazd era uma cidade com mais de tres mil anos e muitas historias para contar ele era um forasteiro mas por estar entregue a amigos e familiares de Salman era muito protegido e nada de mal lhe poderia acontecer. Salman tinha razao ali mesmo ali naquele local remoto Nikita poderia vir-lhe a memoria mas a bebida nao estava ao seu alcance pelo menos de forma legal e em alguns casos o consumo de alcool era punivel com a pena de morte.
Sentia-se curado o alcool ja nao lhe dizia nada, tinha a certeza que iria resistir a tentacao de consumir bebidas alcoolicas mesmo quando isso lhe fosse possivel tinha a certeza que passaria a viver sob a lei seca o seu unico problema era mesmo Nikita, a sua doce e bela siberiana.
Bateram a porta com forca naquela manha a casa nao tinha luz quanto mais campainha era a empregada que os familiares de Salman haviam ordenado que fosse fazer a limpeza da casa ou melhor a nova empregada ja que a anterior se encontrava doente.
Shadi seu nome era Shadi e o significado de Shadi em persa era felicidade tratou logo ela de explicar-lhe. Shadi era uma faladora, alegre e bem disposta o facto de ser filha de um iraniano e uma americana permitia-lhe que tivesse mais liberdade que as outras mocas da sua idade e sendo da mesma familia de Salman era oriunda de uma familia muculmana bastante liberal apesar de tudo. Com o tempo foram-se tornando amigos intimos e derrubando as barreiras culturais que haviam entre ambos.
Estava prestes a partir sim claro nao podia ficar ali a vida toda e passara ali mais de um ano. Estava certo de que ia voltar mas por agora era tempo de partir queria ir tambem o mais rapido possivel porque comecara a nutrir sentimentos por Shadi que nao lhe era permitido sentir e nao se sentia preparado ou disposto a mais uma desilusao amorosa na sua vida.
A mala estava feita, o Taxi que o levaria ao aeroporto esperava por ele ali na rua. Nao se despedira de Shadi era melhor nao. Sobre a mesa ficara o Almoco que a mesma lhe trouxera naquela manha uma sopa chamada Ash, Kebab-e Morgh com Frango Assado e umas fatias de Pao Taftun. Podia parecer que fora um mal agradecido por toda a atencao que a mesma sempre tivera para com ele mas o motivo era outro, alem do mais possivelmente nao se voltariam a ver pouca importancia o que ela pudesse sentir.
O regresso a Lisboa fez-lhe bem tinha razao nao sentia a menor vontade de ver uma garrafa de bebida a sua frente mesmo no restaurante onde tocava piano so bebia sumos naturais. Na sua banca onde pintava quadros os antigos companheiros e conhecidos estavam surpreendidos a garrafa que Luis tinha ao seu lado agora era sempre de agua mineral. Estava transformado noutro homem era o todos diziam e pensavam, perdera o aspecto boemio e descuidado, roupas limpas, cabelo cortado, barba aparada so lhe faltava mesmo perder aquela tristeza que tinha o seu olhar.
Salman estava em Lisboa viera de surpresa por sorte sua tinha alguns quadros reservados para ele. Tinham um encontro marcado naquela manha no hotel onde o mesmo Salman tinha por preferencia ficar hospedado em Lisboa na suite do Hotel Tivoli Oriente porque segundo ele tinha sempre vista para o Tejo e oferecia-lhe uma das melhores paisagens que vira em toda a sua vida.
Salman estava acompanhado mas desta vez por nenhuma das suas esposas quem o acompanhava era uma mulher mas bem mais jovem do que uma das esposas do seu velho amigo iraniano. Quem acompanhava Salman era a sua nova assistente que era nem menos nem mais do que Shadi.
Olhou-a como estava bela naqueles trajes europeus estava quase irreconhecivel. Era mesmo deveras bonita aquela iraniana e vestida com os trajes tradicionais iranianos nao se podia verificar o quanto era bela.
Shadi nao falara certamente estava magoada com ele e com toda a razao. Enquanto ele e Salman iam conversando ela serviu-lhes o cha em silencio e nao devia perceber nada do que diziam ele e Salman falavam em portugues algo que certamente nao estava ao alcance dela.
Despediram-se por algumas horas tinham Jantar combinado para tentar acertar o valor dos quadros que Salman queria comprar e que ja estavam na galeria em Lisboa. Naquela noite Luis levara consigo algo bem protegido. Era um quadro, era uma pintura mas que nao era para vender nas horas em que mais pensara nela fizera uma pintura com a imagem e auto retrato de Shadi.
Ela adorou ficou maravilhada com o mesmo. No primeiro momento que tiveram enquanto Salman tinha ido a casa de banho Luis pediu-lhe desculpa pela forma como tinha deixado Yazd sem se despedir e sem uma palavra. Ela sorriu e disse que tinha sido melhor assim para ela, para ele e para os dois.
Naquele meio em territorio lusitano tudo estava mais aberto e Shadi segundo ele acabara de saber era uma moca livre nao tinha nenhum daqueles casamentos arranjados em acordos de familia esperando por ela. Sorriram de novo Salman ja se juntara a eles e com uma troca de olhares sabiam bem o sentimento que nutriam um pelo o outro e queriam viver e que iam viver o amor vencia todoas as barreiras religiosas e sociais quando assim se queria.
Dias depois passeavam ambos por Sintra Luis levara-a a dar o passeio de charret que se encontrava a disposicao de quem quisesse alugar uma no centro da vila. Deram aquele passeio, almocaram e Luis pegara no carro foram ate ao Palacio da Pena. Shadi parecia estranha e tensa mas contou-lhe depois as razoes e justificou. Ela nunca passeara de carro sozinha com um homem e muito menos estivera assim tao perto de um homem ainda para mais nao muculmano. Em plena esplanada do palacio numa tarde Verao Luis selou aquela conversa com um longo beijo em Shadi o primeiro de muitos que dera naquela que dois anos depois era a sua actual esposa e que viria a ser a mae do filho que ambos estavam a espera.
Manuel Goncalves
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