sexta-feira, 27 de novembro de 2015
A Licao Para Uma Mae
A chegada a casa e o cansaco era algo que se juntava todas as manhas. Nao se sentia velho e ainda sentia as forcas de quando tinha 20 anos, quando tinha, nos dias que corriam ja ia a caminho dos 40, sentia igualmente todas as manhas o peso da solidao e esse era o que o deitava mais abaixo. Tudo estava aliado naquele ritual de chegada a casa depois de uma noite de trabalho.
Vivia sozinho naquela casa que ele comprara depois de decidir que so voltaria ao seu Pais, amado Portugal, depois de se reformar, nao havia trabalho por la e ali ia havendo e ele proprio nao sabia viver de outra maneira senao honesta e a unica maneira de o poder fazer era trabalhando, suando a camisola e como dizia o ditado amassando o pao com o suor do proprio rosto.
Uma chamada no telemovel despertara-o do sono mas ja acordado nao teve forcas para responder logo naquele instante depois de com os olhos meio abertos e meio fechados ter visto o numero decidiu que o melhor era virar-se para o outro lado e ligar quando tivesse a certeza de que estava mesmo acordado.
Acordara entre o final da manha e o inicio da tarde uma nova chamada o despertara desta vez era da agencia a dar-lhe trabalho para aquela noite. Tres, eram tres as mensagens que tinha no telemovel a tia deveria estar mesmo impaciente para falar com ele certamente alguma coisa de grave deveria ter acontecido e foi ao ler a terceira das tres mensagens que se apercebeu que a situacao deveria ser grave, teria o irmao alcolico morrido com alguma cirrosse ou algo do genero? Teria o irmao mais novo que entrara no mundo das drogas, seitas satanicas e criminalidade feito alguma e ido dentro?
"Liga-me rapaz e urgente e nao tenho boas noticias para te dar".
Aquela mensagem deu-lhe a certeza que algo grave estava a acontecer e resolveu ligar depois de cumprir ritual matinal sempre composto por duche primeiro e Pequeno-Almoco de seguida era incapaz de sair de casa de manha ou tomar uma decisao importante aquela hora sem tomar Pequeno-Almoco.
Era a tia portanto ja sabia que deveria ser serio a mesma so lhe ligava quando havia alguma coisa realmente seria fora das ocasioes especiais nunca ninguem da familia lhe ligava apenas pelo Natal ou aniversario quando se lembravam disso la lhe mandavam uma mensagem. Depois de ligar a tradica tinha-se mantido, havia problemas e ele se tivesse vontade de fazer alguma coisa nao o podia fazer ali parado como estava, tinha que pensar. No fundo porem ja sabia que iria ceder ao orgulho e aquilo que seria justo e logico para se livrar de um sentimento de culpa em tempos futuros.
A mae estava doente, muito doente no hospital. O caso era grave e poucas esperancas restavam ao contrario do que era habitual desta vez pediam-lhe ajuda mas nao tinha nada a ver com dinheiro mas apesar de lhe apelarem com tanta forca talvez nem ele pudesse fazer nada. Estava tambem na hora de decidir se ia deixar o orgulho falar mais alto ou se ia deixar o mesmo ser destruido sobretudo para no futuro nao sentir-se com sentimento de culpa ou remorsos embora na realidade tambem seria mais que justo se ele nao mexesse uma palha para tentar salvar a propria progenitora. Seria igualmente uma licao para a mesma ver que tinha sido salva pelo filho que mais desprezara e em quem menos apostara e acreditara. Aquele que ela nao deixara estudar e por fim fora mais por causa daquela relacao entre os dois que ele decidira deixar Portugal.
Estava decidido passou no escritorio e marcou ferias, foi para casa e comecou a fazer as malas. Recordara algo que nunca conseguira esquecer na vida uma das memorias e cenas que mais o marcara profundamente. O irmao mais velho fizera anos e a mae fizera-lhe nada menos nada mais que tres festas de aniversario, havia dinheiro na altura e isso nao foi problema no entanto na mesma altura uma receita de lentes novas para os oculos deles possivelmente nem sequer saira da gaveta, algo que o comecou por marcar depois foi o facto que menos de quatro meses depois quando ele fizera anos o dinheiro tinha acabado e ele nem sequer tivera direito a um bolo. Nos outros anos era quase igual mas aquele ano deixara-lhe marcas profundas.
Chorou imenso nesse dia sozinho, sentira-se inferiror e sempre passado para tras algo que as pessoas a volta que nao eram de familia mas acompanharam o caso de perto criticaram o facto daquela atitude da mae. Ela lamentara mas pouco fizera acabando por dizer se estavam com pena que fizessem eles e o padrasto reclamara que tendo ele ja 14 anos ja tinha idade para entender que nao lhe davam porque nao tinham condicoes. Fora um dia triste muito triste e nesse dia ele jurara a si proprio que se havia de vingar daquele dia, daquele episodio triste e marcante.
Os anos passaram e ja adulto e sozinho ele entendia que a mae agia assim entre ele e o irmao mais velho (o mais novo ainda nao era nascido) porque estava convencida de que ele nunca iria ser nada na vida no entanto estava certa de que o mais velho iria ser algum Doutor ou Engenheiro, ela propria por outras palavras mais suaves chegara a dizer isso mesmo, era triste lembrar tudo isso.
Ele vencera na vida e conseguira ter algo seu pelos seus proprios meios enquanto noticias que lhe iam chegando de quando em quando faziam-no saber que o irmao mais velho caira nos vicios da bebida enquanto o mais novo andava metido nas drogas e em seitas satanicas. Enquanto isso ele era um homem respeitado perante a sua vizinhanca, o grupo de amigos e conhecidos no cafe e os colegas da fabrica onde trabalhava diariamente.
Muitas licoes aprendera na vida, cometera erros dos quais se arrependera, caira ao chao e levantara-se sozinho, era isso o mais importante. A mae estava doente a precisar de um doador para um transplante de Medula Ossea e se nao fossem os parentes mais proximos a possibilidades de encontar um dador compativel nao eram nulas mas em certos caso era quase de numa centena de milhao aparecer alguem compativel.
As irmas e irmoes e outros familiares tinham feito os testes dos exames mas infelizmente nenhum deles era compativel, faltava agora os filhos e estavam a espera que eles chegassem. Ele estava ainda ali na cidade de sua Majestade ja no aeroporto prestes a embarcar, o irmao mais velho estava na Suica a trabalhar mas apesar de tudo lutava contra ao problema que tinha de longa data com o alcool enquanto o mais novo era um vagabundo do mundo e estava agora nos Estados Unidos a estudar numa Universidade de Cinema e onde ia segundo diziam lutando tambem ele contra ao vicio da droga e com a convivencia de gente de seitas satanicas que so se vestiam de negro e se chegavam a mutilar, dor e sofrimento no seu corpo dava-lhe prazer dizia o irmao mais novo na sua pagina do facebook.
A viagem correra sem grandes contratempos nada mais que um ligeiro atraso na hora de chegada para nao se poder considerar que a mesma fora feita dentro da normalidade. Ja em Lisboa, finalmente. Correra a ir comer uma bifana e uma sandes de presunto e bastava olhar a volta para se sentir em casa. As pessoas tinham um sorriso acolhedor bem diferente do olhar frio dos ingleses de quem ele agora nem se queria lembrar. Nao tinha qualquer problemas com os britanicos mas mesmo estando no meio deles a quase vinte anos e se ter adaptado bem ao estilo de vida dos mesmos nunca se sentira ingles e sempre recusara a dupla nacionalidade ou a nacionalidade inglesa.
O trajecto de Taxi entre o aeroporto e o hotel fizera-o ter a certeza de que estava em casa nao so pela forma de conducao mas pelo que ia vendo a sua volta. Os placares de publicidade em portugues, os novos estadios e estacoes, fazia alguns anos que nao vinha a Portugal e por causa do Euro 2004 muita coisa havia mudado.
Estava para ja hospedado no hotel junto a margem do Rio Tejo, Tivoli Oriente na Avenda Joao II. Era um dos mais modernos e luxuosos de Lisboa mas que ele ja conhecera da ultima vez que visitara Portugal, ali vivera um dos momentos mais felizes da sua vida senao o mais feliz, ali tivera uma torrida sessao de amor com a mulher que sempre amara e com quem sempre sonhara, Iria aquele momento repetir-se, ainda que de outra forma e outro lugar? Sorriu ao pensar nisso e lamentou que a tivesse apenas por momentos ou instantes quando a amava e queria para sempre, para toda a vida nao era facil por vezes ser-se um eterno amante da mulher que se amava.
Queria por tudo mostrar aos familiares e conhecidos que ele vencera e era da sua geracao na familia entre irmaos, primos e ate tios quem estava melhor na vida embora fosse de facto aquele em quem menos acreditavam, aqueles que em criancas quando eles (primos e tios) eram miudos e ja adolescentes aquele que era sempre a vitima das brincadeiras de mau gosto, aquele que era sempre humilhado e gozado. Eram criancas na altura mas ele considerava que isso nao mudava nada e queria manter-se o mais distante possivel de todos, estava magoado muito magoado ele era o pior de todos mas agora que dera a volta por cima nao via ninguem vir falar-lhe nisso e pedir-lhe desculpa. Acendera uma cigarrilha e colocara-se a varanda a ver o rio, era ja noite e via a luz de um farol ao longe iluminar os barcos que cortavam a imensidao de aguas do rio. Lembrara o episodio do tio mais novo recusar-se a arranjar-lhe trabalho quando ele tinha 15 anos alegando que nao estava para ficar mal visto perante o Patrao. Nao queria pensar mais nisso ia mas era aproveitar para ir aos fados no Bairro Alto.
O tom de pele demasiado branco e nada bronzeado, o olhar preocupado e triste fazia com que o mesmo fosse a primeira vista considerado um Turista estrangeiro a procura de descobrir os segredos daquela musica tao reconhecida e apreciada internacionalmente e era uma surpresa para todos quando era abria a boca. Era sabado a noite a tasca onde ele decidira entrar apresentava fados ao vivo e tinha Caldo Verde e sardinhas assadas como dizia o refrao de uma certa musica daquelas. N final da noite o bairro embora ponto turistico e parte emblematica e de referencia da cidade nao se conseguira ainda livrar das mulheres que procuravam ganhar a vida vendendo o corpo e oferecendo prazer. Algumas nao estavam tao maltratadas como outras e tinham marcas ainda da juventude fora abordado por uma ou duas mas recusara aceitar o convite de comprar sexo, tinha os seus desejo e necessidades mas tambem tinha os seus principios e valores morais.
Segunda-Feira chegara era dia de ir fazer os exames para se ver se ele era compativel com a mae como possivel dador de Medula Ossea os outros resultados de exames tinham acabado de sair e eram bem claros nao deixando restar qualquer duvida o irmao mais velho e o irmao mais novo nao eram compativeis com a mae. Ele sentiu quase que uma certa alegria com isso e o orgulho seria maior se o resultado dos exames dele fosse positivo e ele fosse compativel com a mae. Seria entao o seu maior motivo de orgulho salvar a vida de quem nada fez por ele.
Nao quisera sequer ver a mae e fora almocar com a tia justificou a sua frieza como pode. Certamente poderia parecer estranho mas ele tambem era de carne e osso, tinha sentimentos e igualmente orgulho proprio e alem do mais a mae jamais reconhecera os seus erros e falhas, jamais aceitara que fora uma ma mae para aquele filho e uma mae aceitavel para todos os outros. Quantas lagrimas, momentos de tristeza lhe causara aquele comportamento da mae naquele filho, quantas lagrimas ele chorara em silencio sem poder desabafar com quem quer que fosse. Tinha poucos amigos e sempre fora uma crianca alem de solitario muito reservado teimando em guardar as coisas para si, entretanto no meio da adolescencia conheceu a ela, aquela que viria a ser o amor da sua vida e as coisas mudaram um pouco e a amizade foi ficando mais forte foi-se tornando amor, o seu primeiro amor.
Os testes tinham saido e ligaram-lhe com urgencia a mae estava a piorar e so ele aparentemente a poderia salvar. Ele o filho que aquela mae sempre desprezara, a quem ela nao deu valor e nem metade dos valores materiais que dera a outros, ele que so conseguia receber uma promessa no seu aniversario de que o mesmo seria comemorado no inicio do proximo mes, promessa que jamais era cumprida. Ele dos tres filhos era o unico que era compativel com a mae.
O encontro entre os dois era inevitavel ja na sala de operacoes para se realizar transplante, ela olhou-o e ficaram em silencio ela nao tinha palavra e ele nao sabia o que dizer. Virginia sabia que nao precisava pedir perdao aquele filho ele ja a perdoara desde a muito mas tambem nao tinha coragem para perder todo o orgulho que sempre tivera e pedir-lhe perdao, fazia 20 anos que aquela mae e aquele filho nao se falavam e agora estavam ali frente a frente um nao tinha coragem para falar e o outro nao sabia o que dizer, via-se pelos olhos inchados que a mae tinha choorado imenso talvez de arrependimento ou de vergonha. O silemcio foi a palavra chave daquele momento sem trocarem uma palavra os medicos comecaram com os preparativos.
O transplante fora um sucesso e nos primeiros dias a mae comecara a recuperar. Ele o filho desprezado que a salvara assim que pode partiu dali para fora. Sentia que tinha cumprido a sua obrigacao, fizera bem mais do que a mae merecera e agora era altura de partir de novo. Nao se despediu da mae, nem mesmo chegara a falar com ela, nao tivera contacto com os irmaos e nem nada disso tinha sido necessario. Sentia que tinha feito bem mais do que deveria ter feito mas nao queria sentir sentimentos de culpa mais tarde preferia sentir orgulho no que fizera. Partira deixando a mae pensativa e em lagrimas, tinha sido salva por aquele filho mas tivera tambem uma grande licao.
Manuel Goncalves
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