sábado, 7 de novembro de 2015
Condenado a Viver
Londres naquele dia de uma meia tarde de domingo parecia-lhe ainda mais triste. O ceu estava coberto de um cinzento escuro mostrando uma ameaca de querer chover e escondendo uns timidos raios de sol, fazia frio. O dia esta a com o clima tipicamente londrino.
Chegara a Kings Cross e como ainda era cedo eles e os amigos que o acompanhavam dois casais um de portugueses e um de ingleses nao resistiram em dar um passeio ate Victoria e dar uma vista de olhos pelo exterior do palacio. Ele procurava esconder a ansiedade e nervosismo mas isso era cada vez mais evidente de que com o aproximar da hora de uma das maiores decisoes e momentos da sua vida ate entao os nervos iam ficando a flor da pele. Era sempre assim nos momentos importantes nervosismo tomava conta dele mas ao contrario do que era costume ja que era para ir ate ao fim independentemente do resultado estava ansioso por chegar a hora da verdade mesmo que isso lhe custa-se a vida.
Pousou o saco com os seus pertences habitualmente trazia a sua maquina fotografica mas daquela vez nao era o caso. Nao queria fotos a recordar aquele momento, aquele episodio da sua vida, tinha decidido se sobrevivesse iria rasgar e queimar todos os exames medicos e comprovativos que poderiam provar aquele pesadelo que ele estava a viver. Mais uma vez assustou-se quando a duvida pairou no ar, se sobrevivesse?
Estava ali de novo naquele local que ja nao lhe era desconhecido e as pessoas comecavam a ser-lhe simplesmente familiares no National Hospital for Neurology and Neurosurgery from London situado na Queen Square gostava sobretudo de ver aquele atendimento simpatico, prestativo e o sorriso em si de cada funcionario desde do pessoal da manutencao, auxiliares, enfermeiros, tecnicos, medicos, docentes, etc estava grato a todos ate ao momento tinham sido fantastico para com ele.
Arrumara as coisas naquele que era agora o seu quarto e sorriu apesar de tudo, estava num hospital, num dos melhores hospitais do mundo e quase se perguntava se nao haveriam hoteis com menos comonidade e conforto, recordara que ele proprio estivera num tres anos antes em Londres que deixara muito a desejar e que estava abaixo daquele hospital em muito.
Londres a cidade onde ele um dia sonhara viver mas o destino assim nao o desejara era mais uma vez uma cidade palco de um dos momentos mais importante da sua vida, infelizmente talvez o ultimo, recordara de novo, desviara o pensamento e segundos depois alguem lhe batera na porta do quarto. Era o amigo do casal de ingleses viera chama-lo para irem Jantar.
Quis depois de do Jantar ir dar um passeio ate a sitio por onde tinha andado tres antes acompanhado por alguem que nao estava presente ali fisicamente naquele momento mas a disitancia estava com ele e acreditava que ela estivesse a sofrer tanto quanto ele com tudo aquilo. Mais uma vez a amiga do casal de ingleses que tinha ambos quase como sendo seus pais mostrou-se preocupada com ele insistindo que nao fosse para a rua sem casaco e mal acasalhado. O facto de ali nao estarem doentes tanto com problemas fisicos dava-lhes a liberdade desde que tivessem em condicoes e tivessem capacidades para isso de sairem do hospital enquanto estivessem internados tanto em exames, como em tratamentos ou ate em recuperacao.
Nada o fazia sentir feliz, nada o fazia desviar o pensamento para o seu problema, na queria fazer planos para o futuro porque nao sabia o que iria acontecer a cirugia nao era tao arriscada como inicialmente se previa sobretudo com aquele novo metodo e com um Neurocirugiao como era o DR Benjamin Carson mas mesmo assim o proprio fora sincero com ele a revelar-lhe que havia risco mas em quase tudo na vida havia riscos. Era como atravessar uma estrada na principal avenida de Londres com o sinal verde para os carros, havia o serio risco de se ser atropelado, de provocar um acidente ali era um pouco diferente mas a ideia de risco era igual.
Regressara ao hospital depois de um passeio por aquele lugar que ele tanto adorava, Victoria, Hyde Park, o Palacio de Buckingham e nada o animava apesar dos calmantes que lhe haviam dado passou quase toda a noite em branco com o pensamento a teimar se aquela era mais uma ou se era aultima noite da sua vida, a vida era ingrata, ingloria nao desejava o mal a ninguem e muito menos a morte mas tanto velho a cair de podre e ainda a viver e ele tao novo sem saber se viveria o amanha. Acreditava que a vida tinha missoes reservadas e que grande parte do destino ja estava escrito, talvez passar por aquele sofrimento fosse a sua ultima missao. Adormecera ja a madrugada ia alta e os dias no hospital comecavam cedo.
Acordara ja mais tarde que de costume ainda assim por si mesmo e pouco depois sentiu passos no corredor e alguem lhe bateu na porta do quarto era a Enfermeira de servico que lhe vinha pedir que se comecasse a preparar. Levantou-se e foi ate a cantina ter com os seus amigos e acompanhantes naquela aventura, entregou o telemovel que trazia consigo a amiga inglesa para comunicar com os amigos ingleses e avisa-los do seu estado e entregou o password de uma pen driver onde tinha apontados todas as palavras secretas de acesso as redes sociais que ferquentava, codigos de cartoes bancarios, etc a pen driver tinha consigo e iria entrega-la ao Medico foi uma medida que tomou bem pensada para se depois da operacao tivesse uma forte perda de memoria.
Pediu uns minutos para se preparar, fez uma pequena oracao, enviou um SMS para aquela que era amor da sua vida e por quem estava disposta a lutar e a fazer tudo para a conquistar, viveram momentos torridos de amor e paixao mas o destino nao os juntou pelo menos daquela vez. Nao sabia qual seria o seu futuro, nao sabia sequer se iria sobreviver a tudo aquilo quanto mais se o futuro tinha algo reservado e os iria juntar para sempre, era o sonho dele.
Os enfermeiros e pessoal auxiliar chegaram deitou-se numa cama com rodas e foi levado dali para o bloco operatorio no corredor que ficava no caminho os amigos esperavam-no ver passar as despedidas foram rapidas mas calorosas as lagrimas foram algumas e ele pensou que ate mais forte fraquejava naqueles momentos. Chegara Sala de Operacoes e ja Carson, os seus auxiliares estavam prontos, sorriu e disse em ingles ao Medico.
- Eu estou nas suas maos mas voce esta nas maos de Deus e ele que me pode salvar atraves do Senhor e nunca o contrario.
Carson respondeu-lhe.
- Sei disso mas acredite que quando as coisas nao dao certo ou nao correm tao bem culpo-me a mim proprio e nunca a Deus no entanto sei que sou apenas um objecto em suas maos.
Sorriram no fundo ambos eram homens de fe, racas, religioes, vidas diferentes mas as ideias e a fe eram as mesmas ou muito semelhantes.
- Nao se culpe se algo correr mal, nao se culpe se eu morrer hoje se assim for e a vontade de Deus e nunca por culpa sua.
Nao se lembrou de praticamente mais nada meteram-lhe uma mascara e em pouco segundo teve novamente aquela sensacao de desmaio era o efeito da anestesia, era a hora de a operacao comecar, era agora que ia comecar o momento da verdade e se iria decidir se vivia ou morria.
Abrira os olhos e era como se nao tivesse tido um passado, os primeiros segundos nada o faziam lembrar do seu passado so passado algum tempo por si proprio recordara o seu nome e pouco mais mas o que estava ali a fazer? Uma Enfermeira aproximou-se e sorriu-lhe um daqueles sorrisos de alguem que quer parecer prestavel, pediu-lhe que tivesse calma uma outra Enfermeira ja tinha ido chamar o medico. Ja se recordara o que estava ali a fazer, tinha vencido a morte entao, pelo menos daquela vez ja que um dia isso ja nao lhe seria de todo possivel ia aos poucos lembrando pequenas coisas e ja estava a recordar-se dela o seu grande amor, nem naquele momento em que a falta de memoria era muita se esquecia dela so depois e que se lembrou de outras pessoas da mae que nada fizera para ele ser o homem que era hoje, os avos paternos ja falecidos assim como o seu pai e os amigos que estavam la fora.
O Medico mas nao era Carson era um Assistente seu e ele pensara quanto tempo teria estado assim em coma. Nao sabia se eram dias, semanas ou meses mas nao acreditava que tivesse sido muito tempo tinha a barba desfeita e so se o tivessem barbeado durante o seu estado de coma e que ele poderia estar assim se muito tempo tivesse passado. Tinha razao nao tinha sido muito tempo a operacao fora na segunda-feira de manha e era o final de tarde de terca-feira. Sentia-se melhor agora que lhe tinham desligado certas coisas a que ele estava ligado.
As primeiras horas depois de ver os amigos foram de exames e mais exames tentavam a todo o custo que ele falasse sobre si, o seu passado, queriam ver se a operacao lhe tinha causado alguns danos em algum dos sentidos e ate que ponto lhe afectara a memoria e cedo se aperceberam que ele ia recuperar a memoria quase que totalmente senao totalmente. Talvez o problema com a memoria fosse o futuro e nao o passado explicou o Medico ele poderia vir a lembrar-se de coisas de a decadas, coisas do passado mas a seguir ir as compras e se nao levasse uma lista esquecer-se de algumas coisas que tinha intencao de comprar. Era bem possivel que fosse assim pelo menos nos primeiros tempos explicou o Medico pela sua experiencia era o que ele pensava que podia acontecer.
Os primeiros exames revelaram que ele tinha perdido o sentido do olfacto pelo menos temporariamente mas era um mal de menor os outros sentidos estavam bem e ele comecara a reagir bem e melhor e todos estavam optmistas. O Doutor Carson viera despedir-se dele tinha que voltar aos Estados Unidos tinha outros projectos pendentes e alem do mais ele era um possivel candidato a presidencia dos Estados Unidos por fim ja tinha realizado tudo o que tinha a realizar ali quando se despediram ele retorquiu.
- Voce salvou-me a vida, obrigado por tudo.
Carson sorriu novamente e respondeu-lhe.
- Nao eu apenas ajudei, lembre-se da nossa conversa antes da operacao, tudo estava nas maos de Deus.
Alguns dias se passaram e ele ia recuperando mas mostrando ligeiros problemas de memoria sobretudo em recordar o passado, ate acabava por lembrar-se das coisas mas estava de facto mais lento, muito mais lento em faze-lo do que era habitual antes da operacao. Entretanto o Medico que agora o acompanhava entendera que estava a chegar a nova hora da verdade era altura de comecar a inserir novamente naquele mundo que era o seu antes da cirugia. Era fundamental ver como ele reagia com a passagem pelo facebook, pelo seu blog, etc.
No facebook foi-se lembrando e falando de algumas coisas do passado que ja se ia recordando cada vez mais. Era quase toda a sua vida que ali estava, olhava as fotos e conseguia identificar cada vez com mais facilidade o local onde as tirara, como estava na altura e em alguns casos ate com quem estava. Porem tal como o Medico calculara foi ao chegar ao seu blog que as coisas tiveram uma forte melhoria.
Era uma publicacao normal que podia passar despercebida mas aparentemente chamava a atencao por ele estar deitado na cama e nao estar sozinho. O Medico entao acreditou que ao ver aquela foto e aquela pessoa com quem ele estava fosse qual fosse o resultado ele nao iria ficar indiferente a experiencia que o Medico queria realizar e assim foi. Ao ver aquela imagem e ao ver a pessoa com quem estava foi como se muita coisa da sua memoria um pouco apagada se tivesse voltado a acender e comecou a falar cada vez mais do seu passado. O Medico apenas concluiu que a presenca ali daquela pessoa que estava com ele naquela foto era fundamental para a recuperacao total dele, seria uma enorme e preciosa ajuda mas isso nao era possivel no entanto ele ja ia falando de coisas que lhe tinham acontecido a anos e anos.
O problema de perda do olfacto tinha tambem sido algo temporario e ele recuperava a olhos vistos, estava de facto um pouco debilitado fisicamente mas o seu problema nao era de todo no aspecto fisico e no aspecto mental ia melhorando dia para dia. No entanto sentia-se triste os amigos que o acompanharam ate entao estavam a terminar as ferias e ele iria ficar sozinho alguns dias ali nao sabia ainda quanto tempo mas os medicos acreditavam que nao fosse por muito mais tempo. Tudo iria depender muito da forma como ele iria reagir agora de se ver sozinho, iria ter para ja a prova de fogo de ir levar os amigos a Estacao dos Comboios e de regressar sozinho em outras condicoes seria uma tarefa aparentemente facil mas no seu caso tinha as suas dificuldades pelo facto de nao se saber como seria a sua reaccao de se ver sozinho no meio de uma multidao e era importante lembrar que a sua memoria o podia trair de alguma maneira.
Estava de volta ao hospital mais uma vez tudo correra bem e ele nao se perdera teve a capacidade de conseguir lembrar todo o percurso de ida e que fazendo o mesmo em forma contraria sem alterar nada iria dar ao mesmo sitio de onde tinha partido sem problema nenhum.
Com o tempo foi mostrando que estava a ser quase que um fenomeno alem de estar a recuperar bem fazia-o numa media fora do normal mas havia exames a fazer, havia que ter a certeza de que o tumor embora benigno nao tivesse deixado celulas malignas e que com o tempo viessem a surgir problemas de maior, tudo estava bem mas a Radioterapia talvez umas duas sessoes de tratamento fossem aconselhaveis. Ele nao estava muito feliz com a ideia calculava que o cabelo iria cair mas explicaram-lhe apenas de que a contrario da Quimioterapia na Radioterapia o cabelo iria cair apenas porque o tumor era na cabeca o cabelo no resto do corpo nao cairia e mesmo aquele que caisse voltaria a crescer. Estava ja convencido e resolveu por si mesmo rapar o cabelo antes das sessoes de Radioterapia e tambem ficou a saber que a seguranca social so o iria ajudar em caso dos medicos considerarem o tratamento completo e sem aquelas sessoes eles iriam considera-lo incompleto.
O dia da alta chegara depois de tudo o que passara ali sentia-se rejuvenescido e com a oportunidade de ter uma nova vida para viver. Estava agora a despedir-se de alguns amigos e mais uma vez nao quisera ficar com fotos de recordacao daqueles dias e daquele pesadelo que vivera jurara a si mesmo que ate a papelada de exames que ficasse nas suas maos iria destrui-los nao queria nada que o fizesse recordar aquele inferno, tinha sido a sua vida que estivera por um fio.
Ja na chegada a Estacao dos Comboios da sua terra mal chegara vira na plataforma o amigo que o fora buscar e lhe fora contando algumas novidades da fabrica onde ambos trabalhavam e onde ele fizera poucas mas grandes amizades fora ai que conhecera o casal de ingleses que o acompanhara durante alguns dias naquela aventura no National Hospital for Neurology and Neurosurgery from London. O mesmo amigo contara-lhe o que se passara no facebook e po-lo a par de um certo episodio passado com aquela que era a mulher que ele amara e continuava a amar ela tinha desabafado algo em relacao ao que se estava a passar e temia que ele nao fosse recordar mais dos momentos que ambos tinham passado e no entanto fora algo que praticamente ele nunca deixara de se lembrar.
Na chegada ao cafe que habitualmente ele tinha por habito frequentar fora uma verdadeira festa quando o viram, cumprimentos, apertos de mao, sorrisos e ate mesmo aplausos ele nao sonhava sequeer que era tao popular. Conquistara as pessoas sobretudo pela sua calma, silencio, personalidade reservada. Nao era antipatico mas tambem nao era de muitas conversas no entanto pelo facto de parecer ser alguem que apenas se preocupava em fazer a sua vida calmamente. Ali apesar de nao ter grandes conversas fizera algumas amizades e era altura de o ver com os proprios olhos.
Ja mais sossegado e tendo caido em si sentiu-se feliz por estar "condenado" a viver e como homem de fe, crente e devoto na Nossa Senhora de Fatima fizera a promessa de se possivel quando fosse a Portugal ir ao santurio e acender uma vela da sua altura tinha tambem a ambicao o sonho dela estar presente junto de si nada era incerto agora que a sua nova vida comecara tudo podia acontecer e so futuro iria revelar o que estava por vir.
Manuel Goncalves
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Para ficar próximo do sempre
ResponderEliminartens de decidir-te nos difíceis momentos em que,
acompanhado, permaneces só.
Cada um pode acreditar no que quiser, mas a vitória maior
é permanecer no coração de quem nos ama.
Neste cemitério que é a vida, tens de apelar
a uma energia que te supere, àquilo que é divino
e ao que permanece profundamente humano,
ao que te faz descobrir uma outra porta,
aquela por onde o amor não deixa de fluir,
porque o amor derrubará essa porta se a mantiveres fechada.
Não percas a noção de que és o motor da tua vida,
um impulsionador da realidade, nem
te envergonhes do que dela podes retirar.
Só assim poderás ou voltarás a amar.
Não te adornes com a mentira, com a ganância,
com o pouco que tens,
porque sempre terás pouco,
porque sempre o muito não fará de ti melhor,
a não ser que semeies para colher,
que dês para receber,
que saibas ensinar para aprender todos os dias.
Os momentos mais surpreendentes são
aqueles em que ofereces, não aqueles em que recebes.
Só desse modo poderás sentir-te maior
do que a distância. Só quando caminhares
por dentro de ti mesmo, em busca de ti mesmo,
poderás encontrar outros, e mais outros, e outros ainda,
em recantos, em ruas, nas praias que há em ti.
E verás como esses outros são iguais. E como estão
próximos daqueles que tu amas e daqueles que te amam.
Sorri. Já não estás só. Há coisas difíceis de abordar
mas que não são problemas. Nem talvez soluções.
Procura-te na luz que regressa às tuas mãos.