segunda-feira, 2 de maio de 2016
Sentimentos de Culpa
Fumava um cigarro, deitava a beata do mesmo fora ali junto do rio. Era um acto insignificante como tantos que fazia diariamente em tantos outros lados mas so muito recentemente ganhara coragem de voltar aquele lugar, aquele lugar que lhe destruira a vida, que lhe cheirava a sangue e sabia a morte, aquele lugar amaldicoado.
Algo que permanecia na sua memoria e sempre iria permanecer deitando para cima de si uma dose enorme de sentimentos de culpa. Sim um conjunto de erros, talvez apenas de enganos fizera-o agir ao contrario do que era esperado ou apenas de forma inesperada. Matara, em legitima defesa mas matara, destruira a sua carreira que prometia ser brilhante e pior que tudo perdera a liberdade. Matara, pagara por esse crime segundo a justica com a plena que lhe fora aplicada e que ele terminara de cumprir recentemente mas nem a mesma pena o fazia perder aquele, sentimento de culpa.
Idalecio Baltasar era um homem marcado pela tristeza e amargura era notavel. Era quase que como uma pobre alma perdida no mundo sempre vagueando, era tudo isso em conjunto com um ser solitario por natureza e reservado mesmo com os seus clientes do pequeno cafe de bairro que recebera de heranca nao tinha grandes conversas.
Toda a vida sonhara apenas em tornar-se Policia, mas daqueles policias bons. Sempre quisera apenas ingressar na Policia Judiciaria, era esse tipo de Policia que ele queria ser, um Inspector, com sorte ate Inspector-Chefe e depois ate Inspector-Director e tinha capacidades e potencial para isso. Facilmente dera nas vistas na escola de formacao e fora o melhor aluno nao apenas da sua turma mas do curso naquele ano.
Comecara como Inspector-Estagiario como todos os outros e tivera que esperar o estagio terminar para passar a efectivo e comecar de facto a progredir em meia duzia de casos que contaram com a sua actuacao foi o suficiente para em menos de cinco anos ser ja Inspector-Chefe e no momento contava com dez anos de Policia Judiciaria e era apontado para se tornar Inspector-Director daquela Unidade quando lhe surgiu uma oportunidade mais aliciante. Idalecio recebera o convite para ir fazer parte de uma Unidade da INTERPOL em Lyon Franca onde era a sede da mesma Policia Secreta.
Via o seu amor e entrega ao trabalho serem totalmente recompensados e reconhecidos mas aquela oferta que poderia ser unica na vida levaria-o para longe da sua terra e dos seus. Tinha casamento marcado e nao era a melhor altura para tal. Alem do mais era outro tipo de investigacao que o levava a nao se envolver com o que mais gostava de fazer ou seja, trabalho de campo ou de rua como se costumava dizer. Nao lhe agradava a ideia de estar o dia fechado num gabinete frente a um computador, num laboratorio em pesquisas criminais.
Era um dia como outro qualquer a parte de ser a vespera do seu dia de folga. Idalecio como sempre ia passar a noite e o dia de folga com a noiva e nem sequer fora a casa os pais ia vendo de quando em quando trabalhavam por turnos e nem sempre se conseguiam cruzar diariamente as vezes la conseguiam combinar um Almoco ou Jantar mas comecavam a ser praticamente estranhos todos dentro da mesma casa. A profissao de Idalecio era exigente e exigia muito tempo de servico, o pai era Medico e a mae Enfermeira outras ocupacoes que exigiam muito tempo de servico, horas de trabalho e que nem sempre eram muito compensadoras mas quase em todas era assim poucos eram os que enriqueciam a trabalhar imaginava Idalecio.
A noite correra como sempre e na manha seguinte a noiva foi trabalhar enquanto ele Idalecio foi para casa, nao era longe mas nao tinha escolha que nao ir a pe ainda nao ganhara para comprar um carro e tudo o que ganhava no momento era para dar entrada para casa e para o casamento que seria dentro de tres meses. Considerava mesmo assim que tinha tido sorte em ele e a noiva terem sido aceites para fazer parte dos noivos de Santo Antonio daquele ano entre outros casais.
Ia ele com os seus pensamentos calmamente por uma rua um pouco sinistra quando escutou o estrondo de um tiro, podia ser outra coisa mas nao era um tiro, ele era Policia sabia bem distinguir, sabia bem o que era o barulho de um tiro, de uma bala. Mais um e novamente.
Sem pensar muito no risco e sem medir as consequencias Idalecio correu para o local de onde vinham os tiros e sacou da sua arma de servico, mesmo de folga nao deixava de ser Policia, mesmo de folga era seu dever, considerava ele agir. A verdade no entanto viria a mostrar-se outra.
Idalecio correu e so viu alguem caido no chao e a sangrar abundantemente, O jovem Policia nao quis saber de mais nada e correu atras do suposto Autor dos disparos que ja ia ao fundo em fuga. A distancia foi ficando encurtada porque Idalecio estava muito bem preparado fisicamente e quando o criminoso em fuga se apercebeu que estava a ser perseguido tentou de tudo para escapar Idalecio pegou da arma e apontou o alvo em fuga, queria alveja-lo nas pernas.
Um gesto mal pensado o Policia disparou e naquele momento o fugitivo teve o azar de cair por tropecar num dos atacadores dos tenis que calcava estarem mal atados e para mal dos pecados de Idalecio a bala que estava apontada para as pernas do fugitivo foi-se enviar bem no centro da nuca do mesmo provocando-lhe a morte imediata.
Idalecio foi acusado de Homicidio Involuntario pelo Ministerio Publico e em Tribunal a defesa considerou que o mesmo agiu praticamente em legitima defesa ja que o fugitivo estava tambem armado e ja tinha disparado contra terceiros. O Minisiterio Publico que formulou a acusacao descordava completamente com a defesa e alegava que Idalecio sabia muito bem que nao podia fazer uso da arma senao em servico e nunca fora do mesmo e que nem podia transportar a arma consigo no dia de folga como se uma peca de roupa se tratasse.
A coisas nao estavam muito famosas para Idalecio e o mesmo acabou mesmo sendo condenado a uma pena de 8 anos de cadeia efectiva. O jovem estava com a carreira destruida e com a vida completamente desfeita e o proprio nao se deixava de culpablizar. Quem o ouvira em Tribunal sentia que o mesmo fizera de tudo para ser condenado sobretudo quando se mostrou afectado por ter morto um homem mas afirmando que faria tudo de novo porque era Policia e tinha agido conforme os mandamentos de um Policia lutar contra o crime fosse a que horas fosse e em que condicoes fosse.
Idalecio acabou por nao casar, cumpriu a pena e foi para o Brasil onde certamente se aquilo que lhe acontecera fosse ai em terras de Vera Cruz ninguem o veria como um criminoso mas como um heroi. Tinha por la familiares e manteve-se por ai alguns anos na esperanca que a distancia, um novo lugar, novas pessoas e ate uma nova vida o ajudassem a suportar a amargura, o sentimento de culpa da morte que causara com aquele disparo, procurava uma nova vida e nada conseguiu.
O regresso a Portugal devia-se por deveres e obrigacoes e nao por vontade propria o pai queria ajuda-lo a reconstruir a sua vida, pelo menos profissionalmente, mas ele Idalecio so sabia ser Policia. No Brasil quase que conseguira suportar isso trabalhando como Seguranca mas em Portugal era diferente. O seu Registo Criminal nao deixava esconder nada e de excelente Policia passara a Policia que matara em servico, era um criminoso nao importando as razoes sentia-se um assassino.
Todos os anos passava na campa daquele homem a quem tirara a vida e depositava uma coroa de flores, procurara saber algo sobre a familia do mesmo mas tudo o que soubera era que eram pessoas que estavam todas ligadas ao mundo do crime. Haveria razoes para se continuar a culpar assim tanto por uma morte que causara acidentalmente? Para ele haveria sempre.
Idalecio foi vivendo a sua vida como pode, casou ja tarde com outra mulher que nao aquela que fora sua noiva, teve filhos, alugou um cafe e foi refazendo ou tentando refazer toda a sua vida. So muito recentemente ganhara coragem para voltar ao lugar da tragedia e quantas vezes evitara ir ali ou passar naquele local.
Havia pessoas que nao se sentiam culpadas de nada, que seriam capazes de matar por tudo ou ate por nada mas nao era o caso de Idalecio que ate era um homem feliz no dia-a-dia e que fazia a sua esposa e os filhos felizes mas que de quando em quando nao conseguia esquecer aquele trauma, aquele lamentavel incidente e tudo resumido de quando em quando voltava a renascer das cinzas aquele sentimento de culpa que todos a sua volta tentavam ajuda-lo a ultrapassar e a viver com mesmo, assim era Idalecio Baltasar.
Manuel Goncalves
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