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quarta-feira, 12 de junho de 2024

O Pirata do Ar Portugues



Quando oico falar em "Piratas" a primeira coisa que me veem a memoria e de facto aqueles temidos assaltantes dos mares caracterizados com barbas negras, pernas de pau, com ganjos em um dos bracos. A velha bandeira preta com uma caveira, e assim que se explica como eram, quem eram e o que faziam os piratas do tempo mediaval que levavam por vezes os grandes imperios para evitar os saques dos navios das suas frotas a mudar as rotas maritimas.

Muitos desses piratas acabaram por serem obras de ficcao mas entretanto outros existiram mesmo. Nao sou do tempo em que a pirataria maritima vivia o seu auge, em mares e locais maritimos como o Golfo da Guine essa actividade ainda esta presente mas em menor quantidade. O tema da cronica envolve a pirataria mas nao maritima sim aerea e demostra que uma actividade criminosa pode ser praticada sem intencao maliciosa, de roubar ou algo parecido, o mais insolito neste episodio de pirataria aerea e que foi praticado por um jovem de 16 anos.

Portugal nao tem uma longa Historia no que diz respeito a "Pirataria Aerea" mas talvez tenha aquele que acabou por ser, apesar das circunstancias nao serem de praticar mal, aquele que acabou por se tornar o Pirata do Ar mais jovem de todos os tempos a nivel mundial.


Rui Rodrigues um jovem de 16 anos igual a tantos outros adolescentes da sua idade viria a fazer Historia com o seu acto insolito e pouco comum para um jovem da sua idade.

Tudo comecou a 06 de Maio de 1980. Rui Rodrigues, residente no Feijo (perto de Almada) na chamada Margem Sul do Tejo, entao um jovem com apenas 16 anos, comprou um bilhete para o Voo da TAP 131, que fazia a ligacao entre Lisboa e Faro e raptou o aviao empunhando uma pistola de pequeno calibre pertencente ao seu Pai, com seis balas. Apesar da ameaca, tudo acabou bem.

"Foi uma Histora bastante romantica, bastante benigna, so possivel de ser vivida em Portugal nos anos 80. Hoje nao sei se teria o mesmo desfecho", disse ao Jornal, Observador (2014), Jose Correia Guedes (1946), Co-Piloto do Boeing 727 (1963) e um dos protagonistas da inusitada Historia que fez as primeiras paginas dos jornais do dia seguinte.

O jovem adolescente Rui Rodrigues ficou conhecido como "Piratinha do Ar". Comprou a sua primeira viagem de aviao e, naquele dia, subiu a bordo como se fosse um passageiro normal, com a arma de pequeno calibre do seu Pai escondida dentro das colunas de um radio portatil. Ao contrario do que acontece hoje, na epoca os passageiros e as bagagens de mao nao passavam pelos Raios-X.


Depois da levantar voo, o jovem levantou-se e foi a casa de banho na frente do aviao, desmontou o radio, sacou da arma e entrou no Cockpit. O sequestro do aviao comecou logo de seguida: "A porta do Cockpit abriu-se, hoje em dia isso ja nao seria de todo possivel, mas na altura era. Nos iamos muito concentrados na pilotagem, o Comandante Coutinho Ramos, o Operador de Sistemas, S. Rodrigues (Flight engineer, uma figura que actualmente ja nao existe) e eu, o Co-Piloto, quando ouvimos uma voz aos gritos, muito tensa: "Vamos para Madrid, vamos para Madrid!" ".

Eram quase dez da noite daquela Terca-Feira quando a equipa de pilotagem, os sete tripulantes e os 83 passageiros foram surpreendidos com a exigencia de mudanca de rota. Com a pistola apontada alternadamente as suas cabecas, os pilotos tiveram mesmo que cumprir a ordem do sequestrador, que estava "com uma arma na mao, muito tenso": "Tremia muito, a mao dele tremia muito".

"Desviamos a rota e informamos os passageiros que, por razoes de ordem meteorologica, nao iriamos aterrar em Faro mas em Madrid" contou o Co-Piloto ao Observador. Uma "mentira piedosa", mas pouco verosimil e credivel, ja que, "estava uma noite fantastica e via-se toda a costa do Algarve". "Quem foi a janela percebeu imediatamente que estavamos a mentir".

O jovem adolescente tomou o aviao com o objectivo de "fugir de casa", segundo confessou a Jose Correia Guedes. Com o intuito de levar o plano de fuga adiante, o jovem pirata do ar fez duas exigencias: queria a quantia de 10 milhoes de dolares e um Salvo-Conduto para a Suica.

Nao era a primeira vez que um aviao da TAP era sequestrado, A 10 de Novembro de 1961, um Lockheed L-1049 Super Constellation (1951-1982) proveniente de Casablanca, em Marrocos, e com destino ao Aeroporto da Portela, Lisboa, Portugal foi sequestrado e desviado por seis passageiros (opositores do regime) que forcaram o aviao a voar a baixa altitude sobre Lisboa, Barreiro, Setubal, Beja e Faro com o objectivo de lancar panfletos incitando a revolta. E a 22 de Outubro de 1978 um Pirata aereo acabou por ser detido apos ter exigido ser levado ate Marrocos, desviando um voo entre Lisboa e o Funchal.

Isso nao impediu que a tripulacao sequestrada pelo "piratinha do ar" em 1980 passassem por um breve "periodo de choque e de surpresa". "Ninguem esta preparado para uma coisa dessas", diz Jose Correia Guedes. Para o entao Co-Piloto, a atitude do jovem era justificavel, em parte, como um fenomeno de copia. "Nessa altura, nos anos 80, estavam muito na moda, entre aspas, os sequestros de avioes. Isto para alem dos desvios para Cuba, que tambem eram muito frequentes. Na epoca era uma situacao comum".


O plano de voo foi alterado e o primeiro momento caricato aconteceu precisamente no momento da alteracao. "Mudar de rota dava uma trabalheira, tinhamos que fazer uma serie de coisas e fazer contas. E, no meio disto tudo, quando ele nos viu naquela azafama, ele virou-se e disse: "Eu peco desculpa pelo trabalho que lhe estou a dar".

Os pilotos notificaram o sistema de controlo de trafego aereo de que algo de anormal se passava com o aviao, mas ja dando a perceber que "um Sequestrador que se quer fazer rebentar nao faz isto, nao pede desculpa pelo trabalho que esta a dar, mas isto revela o caracter dele: era uma boa pessoa, que teve um momento de desvario".

Depois de finalmente aterrarem na zona militar do Aeroporto de Barajas, de imediato foram cercados pelas forcas de seguranca, prontas e dispostas a tomar de assalto o aviao, caso vissem que era mesmo necessario. Nesse momento foi chamado o Embaixador de Portugal em Espanha da altura, Joao Sa Goutinho (1929-2012), que passou a mediar as negociacoes via radio entre o aviao e a Torre de Controlo. O Sequestrador nao cedeu e manteve as exigencias e, depois de se consultar as autoridades competentes em Lisboa, veio a resposta do entao Primeiro-Ministro portugues, Francisco Manuel Lumbrales de Sa Carneiro (1934-1980) mais conhecido como Francisco Sa Carneiro ou unicamente como Sa Carneiro, que nao acedeu de forma alguma ao pedido e exigencia do jovem Pirata do Ar dos 10 milhoes de dolares.

Dai em diante, as negociacoes entraram em uma nova fase, com os 83 passageiros em mente. Finalmente, o Sequestrador aceitou abrir uma porta de tras do aviao. "sairam as mulheres e as criancas e alguns passageiros que apanharam a porta aberta e se piraram". A partir dai, a situacao alterou-se.

"A experiencia diz-nos que quando o Sequestrador comeca a fazer concessoes e sinal de que vai ceder ate ao fim. Esta foi a primeira cedencia", como explica Jose Correia Guedes. No seguimento das negociacoes, os restantes passageiros tambem foram libertados e ficou so a tripulacao a bordo, incluindo os comissarios e os assistentes. O Sequestrador tambem os tinha deixado sair, eles nao quiseram, recusaram, acabaram por ficar. "Ficaram conosco ate ao fim", lembra Correia Guedes.


O final do episodio do sequestro implicou a viagem de regresso a Lisboa, nao sem antes se passar um episodio caricato. Oficialmente encarregue das negociacoes com o Sequestrador, Jose Correia Guedes tentou estabelecer uma relacao de proximidade com o jovem. Uma relacao que hoje considera como "Sindroma de Estocolmo", uma situacao em que o Sequestrador e Sequestrado desenvolvem uma relacao de empatia.

A tal ponto que, quando lhe pediu as balas da arma, o jovem acedeu: "Pensou durante algum tempo. Houve uma cena um bocado patetica porque ele so me deu cinco balas, ficou com uma. Eu expliquei-lhe que sabia alguma coisa de armas e que as pistolas tinham pelo menos seis balas, faltava uma. E ele disse: "Esta e para mim, vou acabar aqui", dando a sugestao de que eventualmente se poderia suicidar. Ai acabamos os dois de lagrima no olho, literalmente.

Com o problema da arma resolvido, havia outra negociacao a fazer, mas desta vez teria que ser com os espanhois, ou com as autoridades espanholas. Era preciso convence-los a deixarem o aviao sair e a "nao entrarem pelo aviao dentro". "Foi dito a Torre que continuavamos sob sequestro e que iamos partir com destino desconhecido. Os espanhois, que queriam era ver-se livres de nos, meteram combustivel nos tanques e deixaram-nos descolar com o Sequestrador a bordo".

So depois de o aviao voltar a estar no ar, rumo a Lisboa, e que foi anunciado para alivio de todos de que o Sequestrador se havia entregado. "Quando chegamos a Lisboa estava um espalhafato monumental: os jornalistas, a televisao e a Policia, que levou o rapaz".

Depois do susto, o entao Co-Piloto nao esqueceu as promessas que havia feito a Rui Rodrigues durante as negociacoes. Quando aterrou, entregou a pistola vazia e, quando chegou a casa, a primeira coisa que fez foi ligar para a Mae do Sequestrador: "Quando cheguei a casa, ja era alta madrugada e na altura ainda so havia telefone fixo. A primeira coisa que eu faco e ir para o telefone, cumprir a primeira parte da minha promessa: falar a Mae dele. Ele tinha-me dado o numero e pediu-me: "Olha, quando chegares a casa, liga para a minha Mae e conta-lhe o que aconteceu porque ela deve estar muito preocupada". Uma coisa do mais insolito possivel".

A segunda promessa que havia feito ao jovem Pirata do Ar que era noticia dos jornais e capa dos mesmos no dia seguinte so cumpriu nesse mesmo dia seguinte ao insolito sequestro do aviao: ligar ao seu proprio Pai, que na altura era Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justica a contar a Historia do rapaz. Bem ao contrario do que Jose Correira Guedes estava a espera, o Pai nao concordou e nao aprovou o facto do filho ter tentado ajudar o Sequestrador do aviao da TAP do dia anterior. Disse-lhe que, ao ter ficado com as balas, o filho estaria a ocultar provas. Mais tarde, o Co-Piloto tomou a decisao de ir acabar por entregar as balas a Policia Judiciaria.


De insolito em insolito, a Historia poderia ter terminado aqui - mas nao terminou. Como diz Jose Correia Guedes, tudo aquilo parecia "uma novela mexicana da quinta categoria". Rui Rodrigues, o adolescente mais falado de entao em Portugal ficou em prisao preventiva e "dois ou tres dias depois do sequestro" pediu ao Co-Piloto que o visitasse na cadeia. "Queria dar-me um abraco e agradecer-me a benevolencia com que o tratei".

No dia em que saiu da cadeia, onde ficara em prisao preventiva, apareceu em casa de Jose Correia Guedes, que o convidou para jantar. Meses depois, ja em periodo de pleno julgamento, o Co-Piloto depos a favor dele. "O caso foi tratado com bastante benevolencia e, entretanto, gerou-se tambem um movimento na sociedade portuguesa: o Padre e o Professor e toda a gente a dizer que o rapaz era muito inteligente, que teve um momento infeliz e que nao se podia perder uma vida destas. Aquelas coisas do costume, muito proprias da nossa lusitanidade, somos todos muito benevolentes".

No final das contas com a justica, Rui Rodrigues viu o seu julgamento terminar tendo sido condenado a uma pena suspensa. "E no meio disto tudo ele disse me que ia tirar o curso de Direito e que quando casasse eu ia ser o Padrinho".

Isso nao chegou a acontecer. "Ele fez o seu caminho e durante varios anos nao soube nada dele. Contactei-o vinte ou trinta anos depois e convidei-o para almocar. Ele mandou-me uma mensagem a dizer que tinha ficado muito sensibilizado comigo, mas que nao queria voltar a essa Historia. Era um assunto que ele nao gostava de recordar. E pronto, nunca mais soube nada dele".


Nao me recordo deste episodio que se sucedeu em 1980, tinha no momento dois anos e tal como me podia lembrar disso.

Uma das primeiras recordacoes de que tenho memoria na minha vida e de uma noite estar deitado na cama e de ter ouvido o meu Padrasto e Padrinho de Baptismo que estava a ouvir as noticias na radio, nao havia televisao em casa da minha avo materna, muito menos luz dizer que o Primeiro-Ministro, Francisco Sa Carneiro tinha morrido num acidente de aviao, isso sucedeu-se nao muito tempo depois deste episodio com o jovem Pirata do Ar portugues em 04 de Dezembro do mesmo ano de 1980.

O que teria levado um jovem de 16 anos a cometer um ato destes, ninguem o pode afirmar com toda a certeza sem estudar bem o caso mas pareceu me que nao foi uma das razoes que poderia ter sido possivel como o mesmo ser um jovem rebelde a procura de protagonismo.

O caso atingiu muito destaque na imprensa, ja o atingiria em situacoes normais mas o que tornava mais insolito era de facto a tenra idade do principal envolvido, ou seja do protagonista.

Conheco alguem que conheceu pessoalmente Rui Rodrigues e que ate falaram um pouco sobre o caso onde o mesmo explicou como fez as coisas e ate lhe contou que foi facil entrar com a arma no aviao escondida no interior do radio. Era um tempo em que a seguranca nao era tao rigorosa. Eu em 2019 passei por um episodio em que tendo que mostrar tudo o que levava comigo na mao, tive que abrir um pacote de papel em que apenas continha uma peca em marmore que com receio que se partisse optei por transporta-la comigo.


O caso de Rui Rodrigues faz me lembrar outros dois que nao ofereceram tantas dores de cabeca mas que foram igualmente insolitos.

O caso do homem armado que invadiu as instalacoes da RTP com a familia e ameacava fazer explodir uma bomba. Manuel Subtil uma figura ja conhecida das autoridades, porque ja havia realizado outras accoes semelhantes de forma a chamar a atencao para o seu caso, deu um prazo e ameacou suicidar-se em caso de nao ver atendidas as suas exigencias. Em 04 de Janeiro de 2001 causou o panico em Lisboa, sobretudo na Avenida 05 de Outubro onde se encontra o edificio da RTP. Um forte dispositivo policial dirigiu-se de imediato para o local tendo levado a evacuacao de todo o edificio ficando apenas Manuel Subtil e os acompanhantes trancado numa casa de banho as Forcas Especiais - GOES, Corpo de Intervencao e Seccao de Intervencao Rapida, alem das brigadas da Seccao de Explosivos.

Caro (a) leitor (a) em altura de despedidas e tempo para dizer, o que realmente devemos fazer quando perdemos mesmo a cabeca. A mim muitas vezes prefiro ficar aqui a escrever neste meu blog, a fazer as minhas pesquisas para elaborar um texto do que realmente perder a cabeca. Ate a proxima, abracos a todos

                                                                                                                   Manuel Goncalves
















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