Página

quinta-feira, 21 de março de 2019

Confrontos e Decisoes


                                                 
Tornara-se um dos lideres mais importantes daquela Seita Religiosa que muitos teimavam em chamar-lhe de Religiao a nivel nacional e agora sentia-se um homem realizado tanto a nivel profissional como religioso e familiar.

Desde sempre estivera envolvido naquele grupo religioso, nascera no meio dele e sempre vivera segundo as suas regras. Casara segundo as mesmas e ele e a esposa tinham suportado muitas barreiras de aceitacao ate porque sendo ela tambem uma membra da mesma seita a sua familia nao o era logo tornara-se ainda mais dificil para a familia da mesma aceitar aquele namoro, noivado e por fim casamento. Ainda hoje passado mais de dez anos de casamento a familia dela nao o via com bons olhos, todos acreditavam que em caso de ele nao existir ela tinha acabado por abandonar aquele grupo religioso e fazia anos que a esposa estava afastada quase por completo da sua familia.

As Testemunhas de Jeova nao eram bem vistas sobretudo pela polemica decisao de escolha de preferirem morrer ou ver morrer um filho do que receberem uma transfusao de sangue.

Ele nunca se pensara a passar por tal teste e provacao nao queria pensar nisso e ao mesmo tempo enquanto publicamente como importante lider religioso daquela seita defendia que nao se deveria aceitar a transfusao de sangue mesmo correndo risco de vida ele no seu ego nao sabia se iria agir dessa forma se tivesse um filho a morrer e uma transfusao de sangue o pudesse vir a salvar.

Cipriano sentia-se realizado com a esposa e a filha e com a espera daquilo que ele tinha esperanca de vir a ser um filho, era o seu sonho era ter um filho, um rapaz e Raquel agora talvez lhe realizasse esse sonho.

Tinham decidido mantem o segredo e so se iria saber se o bebe era rapaz ou rapariga quando nascesse entretanto a maior surpresa foi quando se ficou a saber que mesmo sem se saber o sexo Rute estava gravida de gemeos. Cipriano considerava o mesmo facto uma verdadeira bencao de Jeova, sobretudo se os gemeos fossem dois rapazes.

Era dificil preparar-se um quarto, pintar-se as paredes quando se preparava o quarto para bebes que nao se sabia qual era o sexo e Rute sentia-se so naquele momento porque por culpa das decisoes que tomara na idade da adolescencia e rebeldia de seguir a religiao, de deixar tudo e todos para ficar com Cipriano com o tempo foi-lhe afastando de tudo e de todos, fazia anos que estava desligada quase por completo da familia. Para agravar ainda mais as coisas a familia de Cipriano tambem nao a via com bons olhos.

Cipriano, a filha e agora os gemeos seriam sempre a sua vida, nao se arrependia das decisoes que tomara mas sentia-se cada vez mais triste. As irmas, a mae viviam na mesma cidade e nem naquele momento a vinham visitar. Nao conseguia mais esconder a tristeza, as evidencias e todos sabiam o motivo mas nada podiam fazer. Eram escolhas que se tomavam, ela era maior de idade pensaram os seus pais, nao viam com bons olhos toda aquela mudanca mas era a vida dela.

Rute nos ultimos tempos debatia-se com ideias que lhe insistiam passar pela cabeca e perguntava-se se um recem-nascido que levasse uma transfusao de sangue seria afastado do dia da salvacao, ela nao concordava com essa questao, cada caso era um caso e iria permitir a transfusao de sangue num filho se isso o salvasse.

Era sabido que com as criancas sem direito ainda de escolha pessoal os tribunais iam mas de contra a essa ideia das testemunhas de jeova mas nos ultimos tempos em relacao aos adultos ja ia permitindo que a vontade deles fosse cumprida e havia irmaos que ja tinham morrido por se recusarem a receber uma transfusao de sangue. O Tribunal tomava essa decisao como a de um condenado que optara por fazer greve de fome e isso o levava a morte e o Tribunal nada podia fazer, nos ultimos tempos com a situacao das transfusoes de sangue era a mesma coisa. Havia mesmo o caso de medicos que enfrentavam agora processos disciplinares e judiciais por terem infrigido essas leis contra a tudo e contra a todos.

Cipriano tambem ele em silencio ia pensando de si para si. Sabia que Rute iria ter um parto complicado e que certamente iria precisar de uma transfusao de sangue. Se ela estivesse inconsciente competiria a ele decidir se autorizava e aceitava que a esposa recebesse a mesma transfusao que lhe podia salvar a vida se assim fosse e que poderia leva-la ao falecimento se o orgulho viesse a falar mais alto.

Era chegada a hora Rute estava ja na sala de partos e como se calculara as coisas nao pareciam que viriam a ser faceis. Rute era demasiado estreita e para alem de estar a espera de gemeos os mesmos nao eram nada fisicamente fracos como a mae. A situacao parecia ser complicada em todos os pontos,

O parto fora como se calculara muito complicado e demorado apesar de tudo as criancas estavam bem Rute tinha perdido muito sangue e estava em coma. A transfusao era uma necessidade crucial o mais rapidamente possivel.

Cipriano estava irredutivel nao consentia que tal fosse realizado, fizera um escandalo de todo o tamanho no hospital e de imediato o Chefe da equipa medica que acompanhara o caso avancara com um pedido para tribunal.

A indignacao era enorme e o caso ja era mediatico de conhecimento nacional. Um canal de televisao lancara debates, apresentara documentarios, entrevistas e nao parava de falar de casos semelhantes. Fora lancada uma peticao para que Cipriano cedesse mas nada o demovia. Era nao e era nao mesmo.

O caso estava agora nas maos de uma Juiza que temia causar ainda mais polemica, temia igualmente que Rute ao ser salva com uma transfusao de sangue viesse a sentir que era preferivel ter morrido e no fundo sentia que aquela decisao das testemunhas de jeova nao era um crime, era uma decisao, uma opcao pessoal, uma escolha que tinham feito em vida e no seu perfeito juizo. A Magistrada ouvira outros leigos e religiosos de outras religioes mas nao ficara a saber nada que ja nao fosse do seu conhecimento. Mesmo na Biblia muitas leis tinham mudado entre a passagem do Velho Testamento para o Novo Testamento.

A familia de Rute juntara-se finalmente desta vez mais do que nunca contra Cipriano e contra a todo o seu conservadorismo ou fanatismo religioso. Exigiam se ele nao aceitava a solucao que estava em cima da mesa entao que fosse ele a procurar uma e que encontrasse uma forma de Rute sobreviver sem a bendita ou maldita transfusao  de sangue. Recebera ameacas de morte por parte do sogro e tinham mesmo chegado ao confronto fisico que fora finalizado pela intervencao de populares.

Cipriano estava, sentia-se a beira de um abismo preste a dar um passo em frente ou a recuar. A decisao era dele. Podia perder a mulher que amava, a mae dos seus filhos caso nao cedesse. Podia ficar com ela ficando ela condenada a nao fazer parte dos escolhidos para a salvacao do Dia do Juizo Final. Outros membros, lideres importantes da Religiao o tinham querido contactar mas ele nao queria falar com quem quer que fosse.

Pensava na filha que ainda era uma crianca e que estava prestes a perder a mae mesmo antes de dar entrada na escola, pensava nos gemeos, os dois rapazes que tinham acabado de nascer e que nem a mae iriam conhecer. Como iria ele sobreviver com tres filhos sozinho, dois deles acabados de nascer. Sabia que o afastamento da Igreja seria a melhor opcao que deveria tomar em caso de permitir que a esposa recebesse o sangue que lhe podia salvar a vida.

Finalmente Cipriano aceitara falar com a filha, nao a via desde que todo aquele pesadelo comecara, Tentara mante-la afastada de tudo aquilo porque sabia o que iria acontecer. Leila, a filha, pedira-lhe a chorar que nao deixasse a mae morrer e ele nao iria ter coragem de negar esse pedido a filha. Cipriano sabia que ficariam marcas e pontos de separacao ou discordia entre ele e a filha em caso dele nao ceder ao pedido da mesma e desejo.

A decisao da Juiza fora tomada e ja era conhecida. Contra a tudo e contra a todos Rute iria receber a transfusao de sangue, sim.

Era tarde demais no momento em que a noticia chegara ao hospital Rute perdera aquele combate com a morte e perdera a vida. Estivera ligada as maquinas que a mantinham viva mas agora ja nem isso a salvava. A transfusao podia-lhe ter fortalecido, podia-a ter salvo mas nao salvara porque nao chegara a ser feita.

Todos culpavam Cipriano, o sogro jurara-lhe que iria cumprir a sua palavra, ele era um homem condenado a morrer segundo as palavras do sogro. A filha dizera-lhe na cara que o odiava  e nao queria voltar a ver. A familia de Rute avancara com um processo contra a ele, queriam quase acusa-lo de homicidio e fosse como fosse podiam mesmo conseguir alguma coisa em relacao ao processo judicial.

Cipriano nao conseguia viver com aquele sentimento de culpa, sem a mulher que amava, desde que ela falecera que se mantinha afastado da Religiao. Tomara uma nova decisao.

Naquela manha vestira-se e saira como todas as manhas estava cansado de ver as pessoas olharem-no com desprezo, raiva e odio. Fora ate ao cemiterio e colocara um ramo de rosas vermelhas na campa de Rute. Rosas vermelhas, pensara, vermelhas da cor do sangue que nao deixara que ela recebesse. Ali mesmo Cipriano que nao aguentava mais viver com o sentimento de culpa em que vivia puxou da arma que trazia no bolso e estava carregada, apontou-a a cabeca e ali mesmo estoirara com os miolos...

Tudo terminara em tragedia e ele agora iria partir para junto da mulher, era o que mais queria, ficara louco depois do sucedido, o sentimento de culpa estava finalizado e ele chegara a um ponto em que perdera toda a nocao e lucidez. O suicidio tambem era um pecado bem maior do que se receber uma transfusao de sangue mas nada fizera diferenca para aquele homem e o que se passara com ele era agora um exemplo para todos os que defendiam os fanatismos religiosos e a maioria so lamentava que um pais que tivera deputados com coragem de reprovar a aprovacao da Eutanasia nao tivessem coragem de fazer o mesmo com aqueles casos. Teriam os fundamentos religiosos mais valor que a vida humana?

                                                                                                           Manuel Goncalves














Sem comentários:

Enviar um comentário